NOTAS
DO MEU CANTINHO
A Quaresma
é o tempo litúrgico que a Igreja Católica reserva para recordar
anualmente a Paixão e Morte do Redentor.
E fá-lo
com solenidade e de maneira que os fiéis se compenetrem do grandioso
acontecimento.
Da
Misericórdia e das Procissões de Passos e de Penitência que na
Matriz da Santíssima Trindade se realizavam anualmente já tratei em
anterior escrito.(1) Mas, mesmo assim, vale a pena uma vez ainda
recordar o solene acto litúrgico que se realizava no primeiro
domingo de Quaresma. E foi nesse domingo, a 14 de Fevereiro de 1864,
que a Filarmónica saiu a primeira vez para abrilhantar o cortejo
processional da Penitência, no qual iam os andores com as imagens
dos santos Penitentes: São Francisco de Assis, Santa Isabel Rainha
da Hungria, Santo Elisiário e Santa Delfina, que o povo denominava
“os Bem Casados”, porque ocupavam ambas as imagens um só andor.
Na procissão era levada também a imagem do Senhor Amarrado à
Coluna.
Outra
procissão bastante concorrida, como aliás era a de Penitência, era
a do Senhor dos Passos, promovida pela Irmandade da Misericórdia,
cujos irmãos, trajando balandraus, é que conduziam o andor e
insígnias. O Provedor levava a respectiva vara.
A procissão
percorria as ruas do burgo, onde se situavam os “Passos”. Aí
havia paragem e uma curta oração. Três deles ainda existem. Dois
desapareceram com a construção, nos locais, de prédios urbanos.
Para a procissão os passos eram e ainda são preparados pelos
respectivos vizinhos.
A mesma
procissão se realizava na freguesia da Piedade, onde igualmente
existiam passos. Daí resulta, se denominarem alguns sítios daquela
freguesia de “Passos Novos” e “Passos Velhos”. Alguns ainda
lá existem.
Durante
muitos anos, foi provedor da Misericórdia o comerciante João de
Deus Macedo. Dele me lembro. Era uma figura simpática mas, por
vezes, um tanto telhudo. E tanto assim que, quando estava nervoso,
negava-se a vender alguns géneros que estavam expostos no
estabelecimento. Fazia-o algum tempo depois.
No entanto,
cumpria as suas funções com respeito e dignidade. Tanto assim que,
por vezes, exercia o cargo de Administrador do Concelho. Na véspera
da festa de S. Pedro, v. g., ia para o largo da Maré. Levava uma
caixa com alfarrobas e aliciava o rapazio para fazer a limpeza do
largo. Não lhe faltavam, com mira nas alfarrobas.
No seu
estabelecimento vendia mercearia e louças, que importava de Lisboa.
Uma das casas fornecedoras era a Jerónimo Martins que, julgo, ainda
existe.
A louça
vinha em grandes barricas e muito bem empalhada, para evitar os
quebres. João de Deus (JD) guardava as barricas de madeira pobre e a
palha e com elas fazia as grandes fogueiras de São João e São
Pedro, em frente ao seu estabelecimento, situado às “Casas
Velhas”, hoje Largo Edmundo Machado Ávila.
Havia
nascido no Caminho de Baixo da Silveira e, desde novo, dedicou-se ao
comércio. Depois adquiriu o prédio onde actualmente está instalado
o “Lar da Terceira Idade” e aí montou o seu estabelecimento.
Poucos anos antes de falecer trespassou-o ao comerciante Manuel da
Rosa.
Na véspera
das Procissões de Penitência e de Passos, que saíam da igreja de
S. Francisco, onde permaneciam os Santos, preparavam-se os andores e
as Imagens que eram e são “de roca”, e, na capela mor, o
“calvário”. JD ia até lá para assistir aos trabalhos
preparatórios. Levava normalmente uma caixa com bolachas e uma
garrafa com licor, para servir àqueles que lá estavam.
Era, na
realidade, uma pessoa muito especial, mas muito dedicado às missões
de que era encarregado.
E todo este
arrazoado vem somente a propósito do antigo provedor da
Misericórdia, cuja Irmandade ainda hoje é a promotora da solenidade
de Passos e Calvário.
______________
- Ávila, E. “Figuras e Factos – Notas Históricas”, 1993, I Vol, pág.s 156 e 217.
Lajes do
Pico,
16-Fevereiro-2015.
Ermelindo
Ávila
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