sábado, 7 de março de 2015

A propósito das Solenidades Quaresmais

NOTAS DO MEU CANTINHO


A Quaresma é o tempo litúrgico que a Igreja Católica reserva para recordar anualmente a Paixão e Morte do Redentor.
E fá-lo com solenidade e de maneira que os fiéis se compenetrem do grandioso acontecimento.
Da Misericórdia e das Procissões de Passos e de Penitência que na Matriz da Santíssima Trindade se realizavam anualmente já tratei em anterior escrito.(1) Mas, mesmo assim, vale a pena uma vez ainda recordar o solene acto litúrgico que se realizava no primeiro domingo de Quaresma. E foi nesse domingo, a 14 de Fevereiro de 1864, que a Filarmónica saiu a primeira vez para abrilhantar o cortejo processional da Penitência, no qual iam os andores com as imagens dos santos Penitentes: São Francisco de Assis, Santa Isabel Rainha da Hungria, Santo Elisiário e Santa Delfina, que o povo denominava “os Bem Casados”, porque ocupavam ambas as imagens um só andor. Na procissão era levada também a imagem do Senhor Amarrado à Coluna.
Outra procissão bastante concorrida, como aliás era a de Penitência, era a do Senhor dos Passos, promovida pela Irmandade da Misericórdia, cujos irmãos, trajando balandraus, é que conduziam o andor e insígnias. O Provedor levava a respectiva vara.
A procissão percorria as ruas do burgo, onde se situavam os “Passos”. Aí havia paragem e uma curta oração. Três deles ainda existem. Dois desapareceram com a construção, nos locais, de prédios urbanos. Para a procissão os passos eram e ainda são preparados pelos respectivos vizinhos.
A mesma procissão se realizava na freguesia da Piedade, onde igualmente existiam passos. Daí resulta, se denominarem alguns sítios daquela freguesia de “Passos Novos” e “Passos Velhos”. Alguns ainda lá existem.
Durante muitos anos, foi provedor da Misericórdia o comerciante João de Deus Macedo. Dele me lembro. Era uma figura simpática mas, por vezes, um tanto telhudo. E tanto assim que, quando estava nervoso, negava-se a vender alguns géneros que estavam expostos no estabelecimento. Fazia-o algum tempo depois.
No entanto, cumpria as suas funções com respeito e dignidade. Tanto assim que, por vezes, exercia o cargo de Administrador do Concelho. Na véspera da festa de S. Pedro, v. g., ia para o largo da Maré. Levava uma caixa com alfarrobas e aliciava o rapazio para fazer a limpeza do largo. Não lhe faltavam, com mira nas alfarrobas.
No seu estabelecimento vendia mercearia e louças, que importava de Lisboa. Uma das casas fornecedoras era a Jerónimo Martins que, julgo, ainda existe.
A louça vinha em grandes barricas e muito bem empalhada, para evitar os quebres. João de Deus (JD) guardava as barricas de madeira pobre e a palha e com elas fazia as grandes fogueiras de São João e São Pedro, em frente ao seu estabelecimento, situado às “Casas Velhas”, hoje Largo Edmundo Machado Ávila.
Havia nascido no Caminho de Baixo da Silveira e, desde novo, dedicou-se ao comércio. Depois adquiriu o prédio onde actualmente está instalado o “Lar da Terceira Idade” e aí montou o seu estabelecimento. Poucos anos antes de falecer trespassou-o ao comerciante Manuel da Rosa.
Na véspera das Procissões de Penitência e de Passos, que saíam da igreja de S. Francisco, onde permaneciam os Santos, preparavam-se os andores e as Imagens que eram e são “de roca”, e, na capela mor, o “calvário”. JD ia até lá para assistir aos trabalhos preparatórios. Levava normalmente uma caixa com bolachas e uma garrafa com licor, para servir àqueles que lá estavam.
Era, na realidade, uma pessoa muito especial, mas muito dedicado às missões de que era encarregado.
E todo este arrazoado vem somente a propósito do antigo provedor da Misericórdia, cuja Irmandade ainda hoje é a promotora da solenidade de Passos e Calvário.
______________
  1. Ávila, E. “Figuras e Factos – Notas Históricas”, 1993, I Vol, pág.s 156 e 217.

Lajes do Pico,
16-Fevereiro-2015.

Ermelindo Ávila

Sem comentários: