NOTAS DO MEU CANTINHO
Passaram-se
já tantos anos. Nada menos de 75 anos. Estava na minha juventude
despreocupada e feliz.
Tinha
conseguido, com a ajuda de um Amigo que não esqueço, um pequeno
emprego, que era o início da minha carreira profissional. Resolvi ir
gozar uma parte das minhas primeiras férias a S. Miguel, aonde tinha
ido anos antes em condições nada agradáveis mas que não
interessam recordar...
Era
o mês de Agosto. Viajei no “Ribeirense” por gentileza do
respectivo Mestre, o conhecido Mestre João Alves, de saudosa
memória, que me ofereceu a viagem.
Em
Ponta Delgada, hospedei-me na Pensão “Fontes” na Rua dos
Mercadores. Uma senhora viúva e muito simpática, que acolhia os
hóspedes – e éramos vários – muito familiarmente.
Passava
os dias quase só, num dos cafés do Largo da Matriz. Um deles era o
“Giesta” e um outro pertencente a um judeu cujo nome não
recordo, mas que fornecia umas cavacas
deliciosas. O sol de Agosto não permitia grandes passeatas pela
cidade.
Não
existia a Avenida. Naquelas noites quentes de Agosto, o sítio mais
procurado era o “Aterro” que ficava nas traseira dos “cafés”,
virado para a doca a qual, nessa altura, estava a ser prolongada com
mais vinte e cinco metros, para melhor acolher a navegação.
Trabalhava-se, naquela gigantesca obra, continuamente, de noite e de
dia.
Normalmente,
a navegação não atracava ao molhe, mas ficava no meio da bacia.
Os passageiros eram dali transportados nas lanchinhas do Manteiga
para o cais da Alfandega, um pequeno espaço, com escada e acesso à
via pública, junto do edifício onde estava instalada a Alfândega.
Hoje, é o quartel da PSP. A carga era transportada em batelões, da
doca para os navios e vice-versa.
A
navegação, naqueles recuados tempos, quase se limitava aos dois
barcos da EIN, Lima e
Carvalho Araújo e aos
cargueiros dos Carregadores Açorianos, destinados a transportar para
a Europa os ananáses produzidos em S. Miguel. Eram quatro ou cinco
navios com acomodações para uma dúzia de passageiros.
Algumas
vezes no ano, passava, pelos portos de Horta e Ponta Delgada, o
Sináia, da Empresa
Fabre Line. Depois apareceram, ainda nos primeiros anos da década de
trinta, o Saturnia e o Vulcania,
verdadeiras cidades flutuantes, como os classificou um jornalista da
época. Nesses recuados tempos estava pouco desenvolvida a
navegação turística.
Por
indicação do Pe. José Jacinto Rebelo, já meu conhecido,
relacionei-me com dois ou três jovens que faziam parte do grupo de
Jocistas, movimento católico formado havia poucos anos e que já
chegara às Lajes do Pico.
No
domingo que lá estive, creio que foi o primeiro domingo de Agosto,
ofereceram-me um passeio até à freguesia da Relva que, nesse dia,
celebrava a festa da Padroeira. Qual? Já nem me lembro.
Tomei
parte numa reunião jocista em casa do Pe. Rebelo, bastante animada.
Aí conheci outros jovens jocistas.
Mas,
no sábado anterior, estava sentado numa cadeira das várias que os
Cafés colocavam nos passeios em frente aos respectivos
estabelecimentos, e tive oportunidade de ler o jornal do dia – “A
Ilha”.
Ponta
Delgada vivia, na época, um período de grande desenvolvimento
turístico, mercê da Casa Bensaúde, que ali se havia estabelecido.
Sob o seu patrocínio apareceu a Sociedade Terra Nostra que construiu
nas Furnas o primeiro hotel da Ilha. Na cidade construiu a Pensão
Terra Nostra e instalou o Bureau de Turismo. Explorava a carreira de
navegação Empresa Ínsula de Navegação. Fundou o jornal A Ilha,
cuja direcção (creio) entregou ao Dr. Agnelo Casimiro, professor
liceal e um dos mais destacados literatos açorianos do tempo. Julgo
que não estou errado e se isso acontece o leitor que corrija.
O
Bureau de Turismo, a seguir aos cafés, estava entregue a um jovem
que o desenvolveu, notavelmente. Refiro o velho e saudoso amigo J.
Silva Júnior, que ali esteve durante muitos anos.
Nas
Furnas, a sociedade Terra Nostra havia construído um campo de Golfe,
parece que, ainda hoje, um dos melhores do mundo.
Para
a inauguração desse complexo desportivo foi convidado um Milionário
americano.
Nesse
sábado em que me encontrava em Ponta Delgada, o jornal “A Ilha”,
julgo que órgão da Terra Nostra, e naturalmente os restantes
jornais que ali se publicavam: ”O Açoriano Oriental”, o “Diário
dos Açores” e “Correio dos Açores”, salvo erro, davam a
notícia em parangonas na primeira página, da chegada do Milionário
americano e seu secretário para inaugurarem o campo de golfe das
Furnas. E como atrativo havia uma “matança de porco” em estilo
regional!...
Nessa tarde
a cidade despovoou-se. Ao tempo, eram poucos os carros que
circulavam, mas todos eles se encaminharam para as Furnas, ou para
assistir à exibição do Milionário ou para assistir à tradicional
matança. Qualquer delas era um atractivo aliciante.
E, como no princípio
dizia, já se passaram setenta e cinco anos!
Lajes do
Pico,
27 de
Outubro de 2014
Ermelindo
Ávila
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