sexta-feira, 31 de outubro de 2014

“IR AO NORTE”

A MINHA NOTA



Em anos passados não era agradável “ir ao Norte”. Tal expressão significava ser chamado a Tribunal, o que ninguém desejava. Demais, o Tribunal funcionava, normalmente, sem juiz de carreira. Os juízes substitutos e bem assim os delegados do Procurador da República, eram escolhidos pela Política vigente, o que nem sempre dava garantia de imparcialidade e justiça.
Mais tarde uma reforma judicial determinava que as funções de Juiz substituto fossem exercidas pelo conservador do registo predial ou, quando este funcionário não fosse efectivo, pelo conservador do registo civil.
O mesmo acontecia nos Julgados Municipais, nos quais os juízes “efectivos” eram, por inerência, os conservadores, e os subdelegados os notários.
O último dos Juízes substitutos, era o Presidente da Câmara, que, muitas vezes, se limitava a assegurar o funcionamento da instituição, mandando que os julgamentos finais “aguardassem a chegada do juiz proprietário”.
Extintos os julgados, concentrou-se todo o serviço judicial na comarca, o que não deixou de causar sérios prejuízos aos utentes, principalmente quando se tratava de inventários orfanológicos obrigatórios.
Era por isso que as pessoas do lado Sul da Ilha temiam “ir ao Norte”, onde estava a sede da comarca, tal como hoje acontece. Demais, o serviço judicial foi criado em S. Roque, não em razão da densidade populacional, mas porque o Sul não teve políticos que soubessem defender os seus direitos cívicos. Nesse aspecto o Norte foi mais bafejado e assim se mantém.
Também se ia ao Norte, no mês de Outubro, comprar castanhas, que ali abundavam. Ia-se e vinha-se, calcorreando veredas e atalhos, com pisos irregulares que dificultavam o caminhar. Um deles era o “caminho dos burros”. Descansava-se às “Mesas”, quase no fim do trajecto.
Mas hoje ninguém usa a expressão “ir ao Norte”, nem ninguém para lá vai a pé. O trânsito automóvel é bastante intenso, muito embora não haja transportes colectivos.
E há mesmo funcionários que se deslocam com rapidez de uma para a outra banda, consoante o emprego, percorrendo em meia hora a estrada que liga as duas sedes de concelho. E foi até para permitir a deslocação rápida entre o Sul e o Norte que a estrada se construiu.
Quando foi extinto o Julgado, na década de quarenta do século passado, os políticos que pontificaram em Lisboa, conseguiram que a estrada fosse imediatamente construída, retirando ao Sul o argumento da distância, uma vez que só existia uma ligação pela estrada litoral, da qual, a última fase – Lajes – Piedade - Prainha havia ficado concluída poucos anos antes. (Quase cinco séculos por ela se esperou! )
O engenheiro que veio estudar o traçado e elaborar o projecto, chamava à estrada transversal, a estrada política. Ele bem sabia o porquê dessa classificação...
Certo é que as populações do Sul têm de continuar a caminhar até ao Norte para dirimir seus direitos... À parte essa circunstância, as amizades intensificam-se e as relações sociais são exemplares.
E ainda bem que assim acontece. Como seria agradável que a população do Pico constituísse um todo harmónico e se respeitassem os direitos cívicos de cada núcleo populacional. Mas, afigura-se-me que isso está para tarde.
No Norte ou no Sul, no Leste ou no Oeste, nestes tempos que correm, em que a política é a parceira dominante, não falta quem dela se aproveite para manobrar e conseguir que os seus projectos ardilosamente preparados se executem...
Há sempre produtos mal usados que estragam o cozido...
Lajes do Pico,
15 de Outubro de 2014

Ermelindo Ávila

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