quarta-feira, 8 de outubro de 2014

A ÁGUA

NOTAS DO MEU CANTINHO



A água foi sempre um elemento vital para o homem.
Quando os povoadores aqui aportaram, meteram-se por terra dentro à procura de poços de água. Só a encontraram nos poços das ribeiras. Daí, Fernão Alvares Evangelho, quando ficou abandonado na ilha, caminhou por entre montes e valados e descobriu a ribeira que havia de ficar denominada “ribeira de Fernão Alvares”, até que mais tarde foi designada por “ribeira da burra”, ali ao saínte da vila, e no princípio da Ribeira do Meio.
Confirmando esta tradição, conservou sempre o nome de Ribeira de Fernando Alvares a que, desde algumas dezenas de anos, estupidamente se chama da burra fazendo-se desaparecer da toponímia local uma expressão que representava apreciável vestígio histórico e veneração em memória do primeiro povoador, fundador da vila.” (1)
Como a ilha é falha de água nativa, colhiam-na das árvores, praticando um sulco em volta do tronco, com certa obliquidade relativamente ao eixo e no ponto mais baixo, com uma folha de árvore, improvisavam uma bica, por onde a água da chuva corria em cabaças e tinas.(...) As quartas de água, as bilhas, cântaros e infusas, foram substituídas pelos potes, canecas e canequinhas de cedro, ainda em uso...”(2) Isso hoje não seria possível, pela inexplicável proibição do uso do cedro que continua a abundar na ilha...
A partir de certa época, apareceram os oleiros a utilizar o barro, importado de Santa Maria.
Mais tarde, todas ou quase todas as habitações passaram a ter cisternas onde era recolhida a água para uso doméstico. Se construídas no campo eram providas com eirado. Algumas tinham os eirados com elevação ao centro. Daí serem conhecidos como “tanques de burra”. A maioria era junto das habitações e recebia a água que caía nos telhados.
Mas a carestia da água foi sempre um sério problema até meados do século passado. Utilizava-se nas cozinhas a água salobra extraída dos poços que, entretanto, se foram abrindo. Na vila das Lajes, quase todas as casas de moradia tinham poços de maré, como eram conhecidos. Havia-os, e ainda existem alguns poços públicos: na Maré, junto da ermida de S. Pedro e na Rochinha, junto ao actual Jardim da Baleia, na Pesqueira. Mas o mais procurado era o poço da Ribeira do Meio donde se extraía, com certas marés, água bebível que até servia para a lavagem de roupas. O mesmo acontecia com a água que brotava do muro da Mouraria.
Na vila das Lajes ainda existe uma rua vulgarmente conhecida por “Rua do Poço”. Mas o poço desapareceu “milagrosamente”, absorvido por uma construção efectuada no século XIX... Ficou a denominação...
Em outros lugares, como nas Terras, quase até às pastagens, utilizava-se a água que ficava nas ribeiras, quando estas corriam, depois de grandes chuvadas.
Depois veio-se a descobrir algumas fontes, nas zonas altas, que passaram a ser aproveitadas para uso culinário, e das quais ficou, junto à costa da Silveira, a Fonte, cuja análise laboratorial indica ter composição medicinal. A do Lendroal, que existia num terreno baldio adquirido, em leilão, por um particular, veio a ser expropriada pelo Município, nos anos sessenta, para ser utilizada na rede pública domiciliária que, entretanto, foi instalada.
No interessante trabalho As Lavadeiras, Suas Lidas e Maluqueiras a sua autora informa quais eram os locais, neste lado Sul da Ilha, que as populações utilizavam para a lavagem de roupas:
...a freguesia das Ribeiras, assim chamada por ser notório grande número de ribeiras ali existentes... Nas Lajes, recordo-me da Mouraria... Próximo do Portinho, durante a maré baixa, também corre um torno de água doce. Na Maré, ao lado do poço, havia uma pia que era outro local de lavar. Na Ribeira do Meio havia o poço de água salobra com uma área de lavar ao lado. Ainda lá existe. Na Silveira havia a Fonte ...e muito próximo o pólo do Rego. (3)
O Poço da Aguada, junto da casa do Beleza, na Silveira, ainda existe. E tantos outros poços, por esse Pico fora, cuja água servia, igualmente, para a lavagem de roupas.
Nos primeiros tempos do povoamento, recolhia-se, como atrás se indica, transcrevendo Lacerda Machado, a água da chuva. Ainda conheci grandes talhões de barro onde ela era armazenada somente para ser utilizada em casos de doença, como me dizia minha bisavó: Quando queríamos fazer um chá de ervas para algum doente, íamos a casa do Sr. Joaquim Maria, pois ela tinha grandes talhões onde guardava a água da chuva. Ainda conheci dois desses talhões.
Felizmente que tudo se modificou na década de sessenta do século passado. Estudos preliminares permitiram abrir furos artesianos, de dezenas de metros de profundidade, e colher a água que passou a ser distribuída pelas redes subterrâneas, entretanto instaladas. E hoje todas as habitações da ilha, salvo erro, dispõem de água canalizada, própria para consumo.

___________
1) Machado, D.S. Lacerda Machado, na “História do Concelho
das Lages”. 1936, pag.s 79/80
2) Ibidem
3) Simões, Maria Fernanda, “As Lavadeiras, Suas Lidas e Maluqueiras” E.U.A. 2008, pág.13-14

Lajes do Pico, 30-09-2014

Ermelindo Ávila

Sem comentários: