NOTAS DO MEU CANTINHO
A água foi
sempre um elemento vital para o homem.
Quando os
povoadores aqui aportaram, meteram-se por terra dentro à procura de
poços de água. Só a encontraram nos poços das ribeiras. Daí,
Fernão Alvares Evangelho, quando ficou abandonado na ilha, caminhou
por entre montes e valados e descobriu a ribeira que havia de ficar
denominada “ribeira de Fernão Alvares”, até que mais tarde foi
designada por “ribeira da burra”, ali ao saínte da vila, e no
princípio da Ribeira do Meio.
“Confirmando
esta tradição, conservou sempre o nome de Ribeira de Fernando
Alvares a que, desde algumas dezenas de anos, estupidamente se chama
da
burra fazendo-se desaparecer da
toponímia local uma expressão que representava apreciável vestígio
histórico e veneração em memória do primeiro povoador, fundador
da vila.” (1)
“Como
a ilha é falha de água nativa, colhiam-na das árvores, praticando
um sulco em volta do tronco, com certa obliquidade relativamente ao
eixo e no ponto mais baixo, com uma folha de árvore, improvisavam
uma bica, por onde a água da chuva corria em cabaças e tinas.(...)
As quartas de água, as bilhas, cântaros e infusas, foram
substituídas pelos potes, canecas e canequinhas de cedro, ainda em
uso...”(2) Isso
hoje não seria possível, pela inexplicável proibição do uso do
cedro que continua a abundar na ilha...
A
partir de certa época, apareceram os oleiros a utilizar o barro,
importado de Santa Maria.
Mais
tarde, todas ou quase todas as habitações passaram a ter cisternas
onde era recolhida a água para uso doméstico. Se construídas no
campo eram providas com eirado. Algumas tinham os eirados com
elevação ao centro. Daí serem conhecidos como “tanques
de burra”. A maioria era junto das
habitações e recebia a água que caía nos telhados.
Mas
a carestia da água foi sempre um sério problema até meados do
século passado. Utilizava-se nas cozinhas a água salobra extraída
dos poços que, entretanto, se foram abrindo. Na vila das Lajes,
quase todas as casas de moradia tinham poços de maré, como eram
conhecidos. Havia-os, e ainda existem alguns poços públicos: na
Maré, junto da ermida de S. Pedro e na Rochinha, junto ao actual
Jardim da Baleia, na Pesqueira. Mas o mais procurado era o poço da
Ribeira do Meio donde se extraía, com certas marés, água bebível
que até servia para a lavagem de roupas. O mesmo acontecia com a
água que brotava do muro da Mouraria.
Na
vila das Lajes ainda existe uma rua vulgarmente conhecida por “Rua
do Poço”. Mas o poço desapareceu “milagrosamente”, absorvido
por uma construção efectuada no século XIX... Ficou a
denominação...
Em
outros lugares, como nas Terras, quase até às pastagens,
utilizava-se a água que ficava nas ribeiras, quando estas corriam,
depois de grandes chuvadas.
Depois
veio-se a descobrir algumas fontes, nas zonas altas, que passaram a
ser aproveitadas para uso culinário, e das quais ficou, junto à
costa da Silveira, a Fonte, cuja análise laboratorial indica ter
composição medicinal. A do Lendroal, que existia num terreno baldio
adquirido, em leilão, por um particular, veio a ser expropriada pelo
Município, nos anos sessenta, para ser utilizada na rede pública
domiciliária que, entretanto, foi instalada.
No
interessante trabalho As Lavadeiras, Suas
Lidas e Maluqueiras a sua autora informa
quais eram os locais, neste lado Sul da Ilha, que as populações
utilizavam para a lavagem de roupas:
“...a
freguesia das Ribeiras, assim chamada por ser notório grande número
de ribeiras ali existentes... Nas Lajes, recordo-me da Mouraria...
Próximo do Portinho, durante a maré baixa, também corre um torno
de água doce. Na Maré, ao lado do poço, havia uma pia que era
outro local de lavar. Na Ribeira do Meio havia o poço de água
salobra com uma área de lavar ao lado. Ainda
lá existe. Na Silveira havia a Fonte ...e
muito próximo o pólo do Rego. (3)
O
Poço da Aguada, junto da casa do Beleza, na Silveira, ainda existe.
E tantos outros poços, por esse Pico fora, cuja água servia,
igualmente, para a lavagem de roupas.
Nos
primeiros tempos do povoamento, recolhia-se, como atrás se indica,
transcrevendo Lacerda Machado, a água da chuva. Ainda conheci
grandes talhões de barro onde ela era armazenada somente para ser
utilizada em casos de doença, como me dizia minha bisavó: Quando
queríamos fazer um chá de ervas para algum doente, íamos a casa do
Sr. Joaquim Maria, pois ela tinha grandes talhões onde guardava a
água da chuva. Ainda conheci dois desses
talhões.
Felizmente
que tudo se modificou na década de sessenta do século passado.
Estudos preliminares permitiram abrir furos artesianos, de dezenas de
metros de profundidade, e colher a água que passou a ser distribuída
pelas redes subterrâneas, entretanto instaladas. E hoje todas as
habitações da ilha, salvo erro, dispõem de água canalizada,
própria para consumo.
___________
1)
Machado, D.S. Lacerda Machado, na “História do Concelho
das
Lages”. 1936, pag.s 79/80
2)
Ibidem
3)
Simões, Maria Fernanda, “As Lavadeiras, Suas Lidas e
Maluqueiras” E.U.A. 2008, pág.13-14
Lajes
do Pico, 30-09-2014
Ermelindo
Ávila
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