NOTAS DO MEU CANTINHO
Quando
os primeiros povoadores aqui chegaram, mais de quinhentos anos são decorridos,
devem ter vivido horas amargas, “procurando soluções, improvisando, suprindo
tudo quanto o isolamento lhes negava”.
E o historiador, que venho de citar,
continua: “ À falta de forno, cozeram na laje o pão rudimentar das suas
refeições frugais, e mais tarde o bôlo,
(...) assavam a carne no borralho, o funcho substituiu a hortaliça que ainda
não houvera tempo de cultivar, ou de que faltavam sementes, (...) inventaram
molhos gratos ao paladar, para suprir a falta de azeite de oliveira, tardia em
frutos, costume que perdura, pois só recentemente se começou a tentar a sua
cultura.
No entanto, poucos anos decorridos, o
Rei Dom Manuel, por carta passada em 31 de Maio de 1509 a favor do primeiro
Donatário, Józ de Utra, regulamentava o uso de moinhos, com excepção de “mós de
braço”, ou atafona de mão, que muitas houve, bem como fornos de pão. Nestes não
inclua “fornalhas para seu pão que as faça e não para outro nenhum.” (1)
Hoje é tudo tão diferente.
Desapareceram os moinhos e as atafonas. A farinha de trigo é importada e o
milho é moído em moagens a motor.
O pão é cozido quase somente em fornos
electrificados. Os molhos são muitas vezes importados e os manjares
confeccionados por cozinheiros
diplomados e especializados.
Presentemente, há uma diferença
colossal nas cozinhas e nas mesas dos remediados e ricos, que os pobres
continuam com suas mazelas a sofrer da “carestia da vida”.
Nas
festas principais sempre se procurou melhorar a “mesa”, com “pratos”
diferentes. É muito antiga a “carne de caçoilha”, só usada em dias festivos.
Pelos casamentos, os padrinhos, normalmente, ofereciam o “pão leve”, um grande
bolo que só “especialistas” sabiam
fabricar.
Nos baptizados à mesa dos padrinhos, eram apresentadas as “fatias douradas” (nalguns
lugares chamam-lhe sopas fritas). Os
pudins e outras “iguarias”, que hoje se
adquirem diariamente nas Pastelarias, quase não eram conhecidos.
Os
pratos vulgares eram as sopas de funcho (ainda), de couves, de nabos, de feijão
ou de ervilhas, com batata branca. A condimentá-las, carne de porco, quando a
havia.
Raramente havia o prato de sobremesa, de carne de vaca ou até mesmo de
peixe. Este era usado nos almoços, fresco ou seco. Se fresco era muitas vezes
apresentado frito com molho cru: vinagre
e água, pimenta (malagueta), alho, salsa
e sal (quanto baste).
Para o peixe seco, bonito, cavala,
chicharro, e outras espécies, usava-se o “molho fervido”: água, banha de porco,
cebola, alhos, malagueta, salsa, colorau e pouco mais. Tudo era fervido na
sertã e servido quente.
Verdadeiras “especialidades” da cozinha
rural, que todos apreciavam.
Enquanto durava a carne de porco na
“salgadeira”, as sopas eram acompanhadas de toucinho e carne daquele animal,
principalmente em dias especiais.
Não se usava o café, mas uma mistura de
cevada e milho torrados e moídos, “temperados”com leite de cabra ou de vaca.
Quando o leite era abundante, os rurais, principalmente,
faziam refeições com aquele produto, adicionando-lhe sopas de bolo de milho
cozido no forno. E que apreciadas eram.
O bolo de milho era cozido no forno de
lenha e, geralmente, durava uma semana.
Havia um regime de vida muito singular,
que hoje está praticamente esquecido: na quinta-feira ia-se à mercearia (venda)
comprar os géneros necessários para a
semana. Quase sempre era feito por troca de géneros caseiros: milho, ovos,
batatas, cebolas, etc.
Na sexta-feira cozia-se no forno de lenha
o bolo para a semana. Algumas famílias já usavam o pão de milho ou de duas
farinhas, como lhe chamavam (milho e trigo). No sábado era para a limpeza da
casa para poderem descansar no domingo, dia em que a generalidade das famílias
era escrupulosa no cumprimentos dos seus deveres religiosos. E os de mais longe
eram os que melhor cumpriam.
Uma vida difícil mas, em certa medida,
pacata e feliz. E muito mais se podia dizer da vida de nossos avós. Deixemos para outros esse encargo e fiquemos
hoje por aqui, prestando homenagem àqueles que nos antecederam e viveram com
tamanhas dificuldades e carestias para nos legarem o extraordinário “modus
vivendi” que agora se usufrui.
~~~~~~~
1)
Machado, F.S. Lacerda. História do Concelho das Lages. 1936, pág.75.
Lajes do Pico,
27-1-2017
Ermelindo
Ávila
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