domingo, 26 de março de 2017

ANTIGOS MANJARES

NOTAS  DO MEU CANTINHO


         Quando os primeiros povoadores aqui chegaram, mais de quinhentos anos são decorridos, devem ter vivido horas amargas, “procurando soluções, improvisando, suprindo tudo quanto o isolamento lhes negava”.
         E o historiador, que venho de citar, continua: “ À falta de forno, cozeram na laje o pão rudimentar das suas refeições frugais, e mais tarde o bôlo, (...) assavam a carne no borralho, o funcho substituiu a hortaliça que ainda não houvera tempo de cultivar, ou de que faltavam sementes, (...) inventaram molhos gratos ao paladar, para suprir a falta de azeite de oliveira, tardia em frutos, costume que perdura, pois só recentemente se começou a tentar a sua cultura.
         No entanto, poucos anos decorridos, o Rei Dom Manuel, por carta passada em 31 de Maio de 1509 a favor do primeiro Donatário, Józ de Utra, regulamentava o uso de moinhos, com excepção de “mós de braço”, ou atafona de mão, que muitas houve, bem como fornos de pão. Nestes não inclua “fornalhas para seu pão que as faça e não para outro nenhum.” (1)
         Hoje é tudo tão diferente. Desapareceram os moinhos e as atafonas. A farinha de trigo é importada e o milho é moído em moagens a motor.
         O pão é cozido quase somente em fornos electrificados. Os molhos são muitas vezes importados e os manjares confeccionados por cozinheiros  diplomados e especializados.
         Presentemente, há uma diferença colossal nas cozinhas e nas mesas dos remediados e ricos, que os pobres continuam com suas mazelas a sofrer da “carestia da vida”.
          Nas festas principais sempre se procurou melhorar a “mesa”, com “pratos” diferentes. É muito antiga a “carne de caçoilha”, só usada em dias festivos. Pelos casamentos, os padrinhos, normalmente, ofereciam o “pão leve”, um grande bolo que só “especialistas” sabiam  fabricar.
           Nos baptizados à mesa dos padrinhos, eram  apresentadas as “fatias douradas” (nalguns lugares chamam-lhe sopas fritas).  Os pudins e outras  “iguarias”, que hoje se adquirem diariamente nas Pastelarias, quase não eram conhecidos.
          Os pratos vulgares eram as sopas de funcho (ainda), de couves, de nabos, de feijão ou de ervilhas, com batata branca. A condimentá-las, carne de porco, quando a havia.
           Raramente havia o prato de sobremesa, de carne de vaca ou até mesmo de peixe. Este era usado nos almoços, fresco ou seco. Se fresco era muitas vezes apresentado frito com molho cru: vinagre e água, pimenta (malagueta), alho,  salsa e sal (quanto baste). 
         Para o peixe seco, bonito, cavala, chicharro, e outras espécies, usava-se o “molho fervido”: água, banha de porco, cebola, alhos, malagueta, salsa, colorau e pouco mais. Tudo era fervido na sertã e servido quente.
         Verdadeiras “especialidades” da cozinha rural, que todos apreciavam.
         Enquanto durava a carne de porco na “salgadeira”, as sopas eram acompanhadas de toucinho e carne daquele animal, principalmente  em dias especiais.
         Não se usava o café, mas uma mistura de cevada e milho torrados e moídos, “temperados”com leite de cabra ou de vaca.
Quando o leite era abundante, os rurais, principalmente, faziam refeições com aquele produto, adicionando-lhe sopas de bolo de milho cozido no forno. E que  apreciadas eram.
         O bolo de milho era cozido no forno de lenha e, geralmente, durava uma semana.
         Havia um regime de vida muito singular, que hoje está praticamente esquecido: na quinta-feira ia-se à mercearia (venda) comprar  os géneros necessários para a semana. Quase sempre era feito por troca de géneros caseiros: milho, ovos, batatas, cebolas, etc.
         Na sexta-feira cozia-se no forno de lenha o bolo para a semana. Algumas famílias já usavam o pão de milho ou de duas farinhas, como lhe chamavam (milho e trigo). No sábado era para a limpeza da casa para poderem descansar no domingo, dia em que a generalidade das famílias era escrupulosa no cumprimentos dos seus deveres religiosos. E os de mais longe eram os que melhor cumpriam.
         Uma vida difícil mas, em certa medida, pacata e feliz. E muito mais se podia dizer da vida de nossos avós.  Deixemos para outros esse encargo e fiquemos hoje por aqui, prestando homenagem àqueles que nos antecederam e viveram com tamanhas dificuldades e carestias para nos legarem o extraordinário “modus vivendi” que agora se usufrui. 

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1)        Machado, F.S. Lacerda. História do Concelho das Lages. 1936, pág.75.

     Lajes do Pico,
27-1-2017

Ermelindo Ávila

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