segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

Ao que chegámos!

NOTAS DO MEU CANTINHO



Atravessei o século XX com as suas altas e baixas. Vivemos anos de crise depois da primeira guerra mundial e, passados poucos anos, a economia da ilha principiou a desenvolver-se, em parte por beneficiar das obras públicas que por cá foram executadas: a muralha de defesa e, a seguir, a estrada Lajes - Piedade. Depois, a da Piedade - Prainha. A seguir foi a transversal Lajes - São Roque, embora esta fosse executada, dizia-se, para justificar a extinção do Julgado Municipal das Lajes. Entretanto, chegou a fábrica de conservas e, por arrastamento, a construção de traineiras de pesca do atum. Anote-se que, em dado momento, o concelho das Lajes tinha trinta e seis traineiras, construídas nos estaleiros das Lajes e de Santo Amaro. Mas, encerrada esta, por razões pouco compreensíveis e nada justificadas, ainda nos restou a indústria de lacticínios, explorada pela firma continental Martins e Rebelo que, durante mais de três décadas, deu grande incremento à actividade agro-pecuária.
Todavia, já então principiava o declínio económico com a instalação da Autonomia. O novo sistema governativo que, inicialmente, aplaudimos, iniciou o esvaziamento governativo do concelho; esvaziamento que parece estar a avolumar-se com a anunciada extinção dos serviços de finanças. Nas Lajes, a meados do século, extinguiram os serviços judiciais. Depois foi a extinção dos serviços aduaneiros, com a abolição das chamadas “barreiras alfandegárias”. Mais tarde, a retirada da navegação do porto das Lajes e a transferência da Guarda Fiscal para S. Roque. (O prédio onde estava instalada aquela corporação, pertença do Estado, se não lhe acudirem ou ocuparem, em pouco, cairá em ruínas...)
Levaram daqui a Lota para a instalarem em outros sítios. O peixe capturado pelos marítimos lajenses, tem de viajar setenta quilómetros, para aqui poder ser adquirido, para consumo da população, num contentor adaptado “a pesqueira”. (A antiga casa da pesqueira, construída pelo Município foi demolida para dar lugar a uma rampa de varagem).
Instalam-se novos serviços nos outros concelhos ou transferem-se os que aqui existiam e abandona-se o concelho das Lajes, que fica praticamente reduzido à Câmara Municipal e Polícia de Segurança Púbica. E, por enquanto, aos Serviços de Finanças.
Até a EDA que foi fundada com o património dos serviços eléctricos dos Municípios picoenses, retirou daqui os Serviços Administrativos, quando, no protocolo de transferência, (segundo creio) ficara estabelecido que a sede continuaria nesta Vila. Deixaram cá, até ver, um posto de atendimento.
Agora são os estaleiros navais, deixando Santo Amaro na penúria. E já correm notícias de que a repartição de Finanças vai ser extinta, como aliás aconteceu com a Tesouraria que agora lhe está anexa.
E deixa-se para trás os serviços agrícolas que, contra natura, se instalou fora da zona... E até já se suprimiu a Direcção dos Serviços Agrícolas instala no Posto Agrícola Matos Souto. Nas Lajes ficou um serviço de atendimento instalado num antigo “barracão”!...
Do mar resta a actividade “Whale Whacting” porque as baleias por aqui é que passam e o seu trajecto nem o homem nem o governo pode modificá-lo, talvez com pena de alguns...
Com a construção da muralha de defesa, aliás uma obra indispensável à segurança das pessoas e seus haveres, instalou-se um simulacro de porto de recreio, que nem capacidade tem para receber a navegação internacional que aqui aporta, fornecer-lhes combustível e água e possuir instalações de higiene, o que provoca a sua imediata retirada... Felizmente, verdade seja, voltou a funcionar, cumulativamente com a de S. Roque, a antiga Delegação Marítima.
Constrói-se um novo centro de saúde, junto do Canal, como antecâmara do hospital da Horta, mas sem as valências indispensáveis à ilha – refiro ao menos a maternidade, parece que a conselho dos “técnicos”. Certo, porém, queiram ou não, alguns dos meninos do Pico vão continuar a nascer, ou nos transportes terrestres ou aéreos, ou nas lanchas do canal!... Um excelente progresso!... E quando lhe perguntarem, “onde nasceste”? Responderão, como o “outro”: De meio canal p'rà terra.
Tudo vai desaparecendo do concelho das Lajes do Pico. Até quando?
A concentração que se está a operar, arrastando para o extremo da ilha a totalidade dos serviços públicos regionais, é a grande responsável pela “fuga” da juventude e a desarticulação económica do resto da ilha, a viver uma situação trágica, agravada com a crise dos lacticínios.
Tivemos e temos o Ensino Secundário porque foi uma iniciativa dos próprios lajenses que o instalaram, sem mira em quaisquer lucros, mas somente no natural desejo de proporcionar à sua juventude a faculdade de usufruir dessa indispensável preparação cultural.
Hoje, praticamente, não temos juventude. A que nos restava, abalou para seguir estudos superiores e/ou conseguir colocação em outros sítios, pois, naturalmente, com o atrofiar da economia local, foram desaparecendo os postos de trabalho.
E não deixa de referir-se a emigração que, levando daqui a juventude, não deixou de ser responsável, em parte, pelo envelhecimento da população.
E os jovens formados não voltam. Aqui não existem serviços onde possam arranjar colocação.
As habitações vão ficando vazias e estão a desmoronar-se, irremediavelmente. Afinal, uma terra em extinção para gáudio de alguns que sempre se opuseram – quando ele existiu – ao progresso desta secular terra.
Tudo isto porque é necessário criar um burgo citadino, ficando o resto da ilha para seara de passarinhos...
Este o progresso que, a estes lados da ilha, trouxe a autonomia que nos governa.
O inventário das tropelias é extenso. Regista-se somente algo, que poderia ser melhor aclarado, se o espaço que nos reservam fosse mais avantajado.

Lajes do Pico,
19-Nov-2013.

Ermelindo Ávila

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