Atravessei o século XX com as suas altas e baixas. Vivemos anos de crise depois da primeira guerra mundial e, passados poucos anos, a economia da ilha principiou a desenvolver-se, em parte por beneficiar das obras públicas que por cá foram executadas: a muralha de defesa e, a seguir, a estrada Lajes - Piedade. Depois, a da Piedade - Prainha. A seguir foi a transversal Lajes - São Roque, embora esta fosse executada, dizia-se, para justificar a extinção do Julgado Municipal das Lajes. Entretanto, chegou a fábrica de conservas e, por arrastamento, a construção de traineiras de pesca do atum. Anote-se que, em dado momento, o concelho das Lajes tinha trinta e seis traineiras, construídas nos estaleiros das Lajes e de Santo Amaro. Mas, encerrada esta, por razões pouco compreensíveis e nada justificadas, ainda nos restou a indústria de lacticínios, explorada pela firma continental Martins e Rebelo que, durante mais de três décadas, deu grande incremento à actividade agro-pecuária.
Todavia, já então principiava o
declínio económico com a instalação da Autonomia. O novo sistema
governativo que, inicialmente, aplaudimos, iniciou o esvaziamento
governativo do concelho; esvaziamento que parece estar a avolumar-se
com a anunciada extinção dos serviços de finanças. Nas
Lajes, a meados do século, extinguiram os serviços judiciais.
Depois foi a extinção dos serviços aduaneiros, com a abolição
das chamadas “barreiras alfandegárias”. Mais tarde, a retirada
da navegação do porto das Lajes e a transferência da Guarda
Fiscal para S. Roque. (O prédio onde estava instalada aquela
corporação, pertença do Estado, se não lhe acudirem ou ocuparem,
em pouco, cairá em ruínas...)
Levaram daqui a Lota para a
instalarem em outros sítios. O peixe capturado pelos marítimos
lajenses, tem de viajar setenta quilómetros, para aqui poder ser
adquirido, para consumo da população, num contentor adaptado “a
pesqueira”. (A antiga casa da pesqueira, construída pelo Município
foi demolida para dar lugar a uma rampa de varagem).
Instalam-se novos serviços nos
outros concelhos ou transferem-se os que aqui existiam e abandona-se
o concelho das Lajes, que fica praticamente reduzido à Câmara
Municipal e Polícia de Segurança Púbica. E, por enquanto, aos
Serviços de Finanças.
Até a EDA que foi fundada
com o património dos serviços eléctricos dos Municípios
picoenses, retirou daqui os Serviços Administrativos, quando, no
protocolo de transferência, (segundo creio) ficara estabelecido que
a sede continuaria nesta Vila. Deixaram cá, até ver, um posto de
atendimento.
Agora são os estaleiros
navais, deixando Santo Amaro na penúria. E já correm notícias
de que a repartição de Finanças vai ser extinta, como aliás
aconteceu com a Tesouraria que agora lhe está anexa.
E deixa-se para trás os serviços
agrícolas que, contra natura, se instalou fora da zona... E até
já se suprimiu a Direcção dos Serviços Agrícolas instala no
Posto Agrícola Matos Souto. Nas Lajes ficou um serviço de
atendimento instalado num antigo “barracão”!...
Do mar resta a actividade “Whale
Whacting” porque as baleias por aqui é que passam e o seu
trajecto nem o homem nem o governo pode modificá-lo, talvez com pena
de alguns...
Com a construção da muralha de
defesa, aliás uma obra indispensável à segurança das pessoas e
seus haveres, instalou-se um simulacro de porto de recreio, que
nem capacidade tem para receber a navegação internacional que aqui
aporta, fornecer-lhes combustível e água e possuir instalações
de higiene, o que provoca a sua imediata retirada... Felizmente,
verdade seja, voltou a funcionar, cumulativamente com a de S. Roque,
a antiga Delegação Marítima.
Constrói-se um novo centro de
saúde, junto do Canal, como antecâmara do hospital da Horta,
mas sem as valências indispensáveis à ilha – refiro ao menos a
maternidade, parece que a conselho dos “técnicos”. Certo, porém,
queiram ou não, alguns dos meninos do Pico vão continuar a nascer,
ou nos transportes terrestres ou aéreos, ou nas lanchas do canal!...
Um excelente progresso!... E quando lhe perguntarem, “onde
nasceste”? Responderão, como o “outro”: De meio canal
p'rà terra.
Tudo vai desaparecendo do
concelho das Lajes do Pico. Até quando?
A concentração que se está
a operar, arrastando para o extremo da ilha a totalidade dos serviços
públicos regionais, é a grande responsável pela “fuga” da
juventude e a desarticulação económica do resto da ilha, a viver
uma situação trágica, agravada com a crise dos lacticínios.
Tivemos e temos o Ensino
Secundário porque foi uma iniciativa dos próprios lajenses que o
instalaram, sem mira em quaisquer lucros, mas somente no natural
desejo de proporcionar à sua juventude a faculdade de usufruir dessa
indispensável preparação cultural.
Hoje, praticamente, não temos
juventude. A que nos restava, abalou para seguir estudos superiores
e/ou conseguir colocação em outros sítios, pois, naturalmente, com
o atrofiar da economia local, foram desaparecendo os postos de
trabalho.
E não deixa de referir-se a
emigração que, levando daqui a juventude, não deixou de ser
responsável, em parte, pelo envelhecimento da população.
E os jovens formados não voltam.
Aqui não existem serviços onde possam arranjar colocação.
As habitações vão ficando
vazias e estão a desmoronar-se, irremediavelmente. Afinal, uma terra
em extinção para gáudio de alguns que sempre se opuseram –
quando ele existiu – ao progresso desta secular terra.
Tudo isto porque é necessário
criar um burgo citadino, ficando o resto da ilha para seara de
passarinhos...
Este o progresso que, a estes
lados da ilha, trouxe a autonomia que nos governa.
O inventário das
tropelias é extenso. Regista-se somente algo, que poderia ser melhor
aclarado, se o espaço que nos reservam fosse mais avantajado.
Lajes do Pico,
19-Nov-2013.
Ermelindo Ávila
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