segunda-feira, 26 de dezembro de 2016

NOITE DE NATAL

                                                                                                          
NOTAS DO MEU CANTINHHO

  
         Estava-se na véspera do Natal. Os miúdos andavam num contínuo desassossego em volta da Mãe ajudando-a a preparar o Presépio do Menino Jesus.
         Nuns anos era armado um altarzinho – trono, onde se colocava uma pequena imagem do Menino que durante o ano estava recolhida no oratório, onde outras pequenas imagens da devoção da família – S. José, Nossa Senhora de Lourdes e de Fátima, Santo António e qualquer outra que aparecia como oferta a algum dos miúdos.
         O altar era constituído por dois ou três degraus, forrados com uma toalha branca, onde se colocavam alguns castiçais com velas, por vezes de cor, vasos com flores, pratinhos com o trigo que havia sido posto e grelar no dia 13 – dia de Santa Luzia – duas ou três pequenas imagens dos santos de devoção da família, além das de Nossa Senhora e S. José, colocando-se no topo a antiga imagem do Menino Jesus, herança dos avós mas ornamentada com um vestidinho de seda braça e adornado com fios de tecido dourado. No altar eram colocadas laranjas “americanas” trazidas nesse mesmo dia do pomar.
         Arrumada a casa – nos tempos antigos não havia árvore, a chamada árvore do Natal – os miúdos eram postos a dormir para acordarem a tempo de ir para a Igreja assistir à Missa do Galo. E isso acontecia com a concordância de todos os que podiam acordar a tempo. Sucedia, naturalmente, que os mais pequenos não o podiam fazer e continuavam na cama, vigiados pelos avós impossibilitados pelos seus achaques de ir tomar parte na Missa do Galo.
         E era assim todos os anos. Mesmo quando os meninos eram mais crescidos e se tornavam rapazes vivos e homens feitos. Ninguém esquecia a Noite de Natal da sua infância.
         A igreja paroquial, antes de se dar começo às cerimónias do dia, estava numa quase penumbra. A maioria das pessoas que iam entrando para a Missa quase nem se conheciam. Uns pequenos candeeiros a petróleo iluminavam, frouxamente, o secular templo que fora preparado durante o dia anterior para aquela grande solenidade.
         Num dos altares laterais, havia sido armado um grande presépio, onde não faltavam montes e arruamentos, um pequeno lago, e, a um lado, o estábulo onde o Menino havia de nascer. Dispersos vários animais, com realce para as ovelhas nos montes e as vacas na pequena gruta.
         Ao alto, um foco eléctrico estava colocado de maneira a poder ser accionado no momento do Glória, a recordar a estrela de Belém.
         Um minúsculo Menino havia sido deitado na manjedoura e lá estavam Nossa Senhora e São José para o adorarem.
         Entoado o Glória in excelsis Deo, os sinos repicavam, as luzes acendiam-se, o Presépio ficava iluminado, a Capela, no coro alto, executava uma partitura já bastante conhecida, mas que era sempre escutada com muito gosto.
         Entretanto alguém, normalmente o sacristão, muito recatadamente, fazia descer dos montículos os animais que lá pastavam, para os colocar frente à “gruta” para eles também adorarem o Menino Recém-nascido.
         Terminada a Missa do Galo, a assistência cumprimentava-se, enquanto a miudagem corria para o Presépio a ver o Menino com seus Pais, na pequena cabana, e os cordeiros e as ovelhas com os pastores ajoelhados junto da gruta a adorar o Menino.
         Depois era o regresso a casa. E que alegria os assoberbava quando descobriam, debaixo do travesseiro, qualquer mimo e, acreditavam, que o Menino Jesus ali deixara, nem que fossem, somente, alguns figos passados. Nesses recuados tempos, mais não se esperava, pois a vida das famílias era muito precária.
         Não havia presentes do Natal, nem o Comércio, quase só, como agora se classifica de comércio tradicional, tinha à venda brinquedos ou objectos utilitários de qualquer natureza, a não ser aqueles que se usavam no serviço doméstico. Os de luxo, como se dizia, não existiam ainda. Uma vida modesta, mas feliz.
         No dia Natal não faltava, porém, o almoço de carne de caçoilha e o pão de trigo. Não se conheciam ainda os “bolos do Natal”, pois os primeiros vieram mais tarde dos Estados Unidos, enviados por familiares e amigos.
         A tarde do dia de Natal era destinada à visita aos avós e a outros familiares, principalmente aos velhos e doentes. E o dia terminava com o serão, junto do Presépio armado na sala ou em outro quarto principal, escutando “estórias” que os mais velhos contavam aos mais novos.
         Mas, em breve, a tradicional Noite e o Dia de Natal se modificaram. Não muitos anos decorridos, chegou a iluminação eléctrica, apareceram as “séries”, o comércio não demorou em pôr à venda bibelôs e outros enfeites para as árvores, além de diversos objectos para oferta.
         Então, não faltaram as lâmpadas e as figuras do Presépio. Uma transformação total que fez esquecer o passado e trouxe uma maneira modernista de festejar o Nascimento do Menino Jesus.          Hoje é tudo tão diferente! Até as zonas habitadas, embora um simples lugarejo, semanas anteriores ao dia de Natal, transformam-se em luzeiros multicolores de efeitos surpreendentes.
         As habitações, para além das árvores com intensa e colorida iluminação, decoram as respectivas janelas e salas, porque é uma época festiva, talvez sem ter a noção exacta de se comemorar o maior acontecimento da História Universal: o nascimento, há 2016 anos, do Menino que veio para salvar o Mundo.
         Como é tudo tão diferente!
         Mas é Natal e é isso que mais importa.

Boas Festas do Natal param todos!


Lajes do Pico,
Dezembro de 2016 

Ermelindo Ávila

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