domingo, 12 de novembro de 2017

NA ÉPOCA DAS COLHETAS

RESPINGOS


Não havia estradas pelo lado Sul da Ilha do Pico. Os terrenos, os melhores da ilha – diziam - eram explorados normalmente pelo sistema braçal. Quando a colheita era maior utilizavam-se carros “tirados”1 por um ou dois bovinos, no mês nas colheitas dos milhos.
Agradável era o trânsito dos carros de dois bois, atravessando as ruas da vila das Lajes, carregados, geralmente, de maçarocas de milho, das colheitas das Terras de Baixo, Granja, Estreito, ou mesma da Canada de Jorge Dutra, onde se situavam os melhores terrenos dos proprietários da Silveira, Almagreira ou Ribeira do Meio, pois era junto das respectivas habitações ou em terrenos próximos que tinham as “casas de atafona” ou de albegoaria.
E era um gosto o passar dos carros, ao anoitecer, a chilrear, enquanto a autoridade municipal não proibiu esse sistema, pois, diziam, era incómodo principalmente para as pessoas doentes.
Quando em 1943 foi inaugurada a estrada regional, a ligação entre a Vila das Lajes e o centro da freguesia da Piedade passou a ser feita em veículos motorizados, e “ficaram para o lado” os carros de bois. Estes animais, “gado da porta” como era conhecido, praticamente, era utilizado em atafonas e nos trabalhos de lavoura nos prédios “da casa”. Hoje, praticamente desapareceram e quase só existe o “gado de leite”. Trata-se, afinal, de um sistema quase prejudicial, dado que se alterou substancialmente a utilização do gado bovino e o sistema de praticar a antiga agricultura.
Nas casas do lavrador já não há, ao que creio, as noites de desfolhada, como tão bem a descreveu o Escritor Júlio Dinis. Hoje, se vivo fosse, outros assuntos encontraria para as suas saborosas crónicas.
Costumes antigos, vindos de nossos avós, que não se repetem. E tantos eles eram. Relacionavam-se entre si, constituindo “um todo” dos hábitos e costumes das gentes antigas, aquelas que foram nossos Avós.
A quase totalidade dos picoenses tinha cédula marítima para poder ir ao mar, em qualquer barco de pesca: “chata”, lancha, embarcação de pesca costeira, ou mesmo do mar alto, pescar o peixe para o inverno ou, quando profissional, fazer a “soldada” para o sustento da Família, pois esse seu quinhão, como também era conhecido, era a “moeda de troca” dos géneros, tecidos, e o mais necessário com que se mantinha a Família.
O Homem do Pico tanto exercia a profissão de agricultor de braço, como à tarde ia às vejas, ao serão aos sargos, ou, na época própria, ia ao “mar do limpo ”deitar o estremalho para apanhar o chicharro que recolhia ao amanhecer. Nessa altura, feitas as divisões, as mulheres levavam-no numa cesta até ao campo (aldeia vizinha) para trocar por milho, batatas ou outros géneros. Não se passava fome, muito embora houvesse épocas de algumas dificuldades. E quem não se lembra da matança de porco e do dia alegre que era?!...
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Em certos anos, era costume os barcos de pesca deslocarem-se para outras ilhas e fazer ”pescas de fundo”, ou até mesmo nos bancos “Dom João de Castro” e “Princesa Alice”. Preparavam-se com “bordas falsas”- aumento do costado – e na companhia das Lanchas “Lourdes” ou “Hermínia”. E por lá estavam cerca de uma semana, se a pesca era boa.
Quando se deslocavam para os mares de S. Jorge, normalmente, iam para o Norte Pequeno, outros para os Biscoitos da Terceira e outras mais ilhas, onde o peixe abundava. Esse sistema terminou, creio, com a pesca da albacora e a instalação de fábricas de conservas.
Quando a caça à baleia estava no seu auge os baleeiros lajenses eram contratados como mestres ou trancadores pelos armadores e aproveitavam as horas de vazio para a apanha de peixe para seu sustento, da família que o acompanhava, ou para venda...
Hoje tudo não passa de um sonho…
Lajes do Pico - Vila Capital da Cultura da Baleia,

Ermelindo Ávila.

1Puxados, (expressão popular)

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