domingo, 18 de outubro de 2015

OS FERREIROS

NOTAS DO MEU CANTINHO


Quando os povoadores cá chegaram, com eles vieram operários dos diversos ofícios. Não aparece porém, na primeira lista de moradores, nenhum que exercesse a profissão de ferreiros. Resolveram, daí, fazer uma postura para trazerem um ferreiro para a ilha. A postura é datada de 23 de Março de mil quinhentos e seis e foi subscrita por Pedro Alvares, juiz ordinário, Diogo Gonçalves Galeão, vereador da Câmara e Pedro Enes, procurador.

Contrataram com o ferreiro Gonçalo Enes, para vir para a ilha e morar nela durante quatro anos, dando-lhe em pagamento dois moios de trigo, fazerem-lhe uma casa igual à casa do concelho e pagarem-lhe o frete dele e do seu fato (família) no valor de quinhentos reis. (1)

Naturalmente que Diogo Gonçalves por cá ficou e ensinou a arte a outros residentes, visto ser uma arte que se espalhou pela ilha e quase, ou todas as freguesias passaram a ter um ou mais artistas.

Recordo haver na vila das Lajes o mestre Manuel Inácio Fagundes cujos filhos Manuel e Francisco continuaram a actividade numa oficina que ainda existe e que, actualmente, está adaptada a garagem de recolha de veículos.

Na Silveira, houve vários ferreiros e serralheiros, como passaram a ser denominados. No ano de 1888, a Silveira tinha seis ferreiros, todos eles da mesma família, o mais velho dos quais, Manuel Pereira Domingos Sénior, era viúvo, tinha 82 anos e vivia só. Nesse ano, na freguesia havia mais três ferreiros.

Os ferreiros, além das ferramentas para uso dos agricultores, ferros de arados, alviões e sachos, foices e foicinhos, “caliveiras” ou arados de ferro semelhantes aos que, anteriormente, vinham dos Estados Unidos da América, trazidos pelos antigos emigrantes retornados, passaram a fazer todos os utensílios da caça à baleia: arpões, lanças, “espeiros” e outros. E construíam também outros mais, especialmente fogões de cozinha em que alguns eram de uma perfeição notável. Nas ferramentas de corte: arpões e lanças da baleação ou foices de diversos tipos utilizadas na lavoura, alguns artistas eram mais experientes pela “têmpera” que davam ao instrumento.

Anteriormente, porém, uma das especialidades dos ferreiros era o fabrico de pregos para a construção civil. Daí, talvez, a necessidade dos homens bons do século XVI trazerem um ferreiro para a ilha, pago pelos cofres públicos.

Conta-se até que certo indivíduo, ao construir a respectiva moradia, contratou um ferreiro para o fabrico dos pregos a utilizar. Contou quantas pancadas do malho, na bigorna, eram necessárias para fazer um prego. Depois, deu-se ao trabalho de contar as pancadas que o ferreiro dava diariamente e, ao fim do dia, contava os pregos para saber se o artista levava alguns consigo. Uma autêntica esperteza saloia. Hoje seria tarefa escusada.

A profissão de ferreiro era uma das mais desejadas, pois não lhes faltava trabalho, e até pode ser considerada uma arte nobre. Alguns dos ferreiros eram artistas de verdade, chegando a fundir instrumentos de cobre, e ainda hoje, alguns – os poucos que existem – fazem trabalhos em alumínio.
Hoje a arte de ferreiro quase desapareceu. Os jovens acham-na um ofício menor e, que eu saiba, apenas na Ribeirinha existem mestres que continuam a trabalhar com dedicação e esmero, se bem que haja desaparecido a indústria baleeira e a agricultura esteja praticamente limitada à pecuária.

O Museu dos Baleeiros incorporou nas suas instalações a oficina de ferreiro de Manuel António Macedo, “Piloto”, tal como o artista a deixou ao falecer. E ela lá se encontra equipada com todas as ferramentas utilizadas por um dos melhores ferreiros no fabrico de ferramentas de corte. Mas falta ainda uma nota indicativa: a identificação do antigo proprietário. No entanto ainda é tempo de remediar o esquecimento. Os visitantes apreciariam.

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1) Frei Diogo das Chagas “Espelho Cristalino em Jardim de Várias Flores”,(1646) edição de 1989, pag.
518.

Lajes do Pico,
7-Outubro-2015

Ermelindo Ávila

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