NOTAS DO MEU
CANTINHO
Quando
os povoadores cá chegaram, com eles vieram operários dos diversos
ofícios. Não aparece porém, na primeira lista de moradores, nenhum
que exercesse a profissão de ferreiros. Resolveram, daí, fazer uma
postura para trazerem um ferreiro para a ilha. A postura é datada de
23 de Março de mil quinhentos e seis e foi subscrita por Pedro
Alvares, juiz ordinário, Diogo Gonçalves Galeão, vereador da
Câmara e Pedro Enes, procurador.
Contrataram
com o ferreiro Gonçalo Enes, para vir para a ilha e morar nela
durante quatro anos, dando-lhe em pagamento dois moios de trigo,
fazerem-lhe uma casa igual à casa do concelho e pagarem-lhe o frete
dele e do seu fato (família)
no valor de quinhentos reis. (1)
Naturalmente
que Diogo Gonçalves por cá ficou e ensinou a arte a outros
residentes, visto ser uma arte que se espalhou pela ilha e quase, ou
todas as freguesias passaram a ter um ou mais artistas.
Recordo
haver na vila das Lajes o mestre Manuel Inácio Fagundes cujos filhos
Manuel e Francisco continuaram a actividade numa oficina que ainda
existe e que, actualmente, está adaptada a garagem de recolha de
veículos.
Na
Silveira, houve vários ferreiros e serralheiros, como passaram a ser
denominados. No ano de 1888, a Silveira tinha seis ferreiros, todos
eles da mesma família, o mais velho dos quais, Manuel Pereira
Domingos Sénior, era viúvo, tinha 82 anos e vivia só. Nesse ano,
na freguesia havia mais três ferreiros.
Os
ferreiros, além das ferramentas para uso dos agricultores, ferros de
arados, alviões e sachos, foices e foicinhos, “caliveiras” ou
arados de ferro semelhantes aos que, anteriormente, vinham dos
Estados Unidos da América, trazidos pelos antigos emigrantes
retornados, passaram a fazer todos os utensílios da caça à
baleia: arpões, lanças, “espeiros” e outros. E construíam
também outros mais, especialmente fogões de cozinha em que alguns
eram de uma perfeição notável. Nas ferramentas de corte: arpões e
lanças da baleação ou foices de diversos tipos utilizadas na
lavoura, alguns artistas eram mais experientes pela “têmpera”
que davam ao instrumento.
Anteriormente,
porém, uma das especialidades dos ferreiros era o fabrico de pregos
para a construção civil. Daí, talvez, a necessidade dos homens
bons do século XVI trazerem um ferreiro para a ilha, pago pelos
cofres públicos.
Conta-se
até que certo indivíduo, ao construir a respectiva moradia,
contratou um ferreiro para o fabrico dos pregos a utilizar. Contou
quantas pancadas do malho, na bigorna, eram necessárias para fazer
um prego. Depois, deu-se ao trabalho de contar as pancadas que o
ferreiro dava diariamente e, ao fim do dia, contava os pregos para
saber se o artista levava alguns consigo. Uma autêntica esperteza
saloia. Hoje seria tarefa escusada.
A
profissão de ferreiro era uma das mais desejadas, pois não lhes
faltava trabalho, e até pode ser considerada uma arte
nobre. Alguns dos ferreiros eram artistas de
verdade, chegando a fundir instrumentos de cobre, e ainda hoje,
alguns – os poucos que existem – fazem trabalhos em alumínio.
Hoje
a arte de ferreiro quase desapareceu. Os jovens acham-na um ofício
menor e, que eu saiba, apenas na Ribeirinha existem mestres que
continuam a trabalhar com dedicação e esmero, se bem que haja
desaparecido a indústria baleeira e a agricultura esteja
praticamente limitada à pecuária.
O
Museu dos Baleeiros incorporou nas suas instalações a oficina de
ferreiro de Manuel António Macedo, “Piloto”, tal como o artista
a deixou ao falecer. E ela lá se encontra equipada com todas as
ferramentas utilizadas por um dos melhores ferreiros no fabrico de
ferramentas de corte. Mas falta ainda uma nota indicativa: a
identificação do antigo proprietário. No entanto ainda é tempo de
remediar o esquecimento. Os visitantes apreciariam.
_________
1) Frei
Diogo das Chagas “Espelho Cristalino em Jardim de Várias
Flores”,(1646) edição de 1989, pag.
518.
Lajes do
Pico,
7-Outubro-2015
Ermelindo
Ávila
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