Longe vão os tempos em que a época do Natal era vivida com entusiasmo e fervor litúrgico. Em todas as Paróquias realizavam-se as novenas do Menino Jesus, cantadas e com larga assistência de fieis. Antes, as novenas eram de madrugada com Missa privilegiada, o que permitia uma assistência mais alargada.
Os trabalhadores dos campos iam para a Novena já preparados para os trabalhos agrícolas levando as respectivas alfaias. Deixavam-nas no adro para assistir aos actos litúrgicos. Terminados estes seguiam para os campos, alegres e felizes.
Na antevéspera do Natal reuniam-se os amigos na “noite da Calhandra”. E a vítima era, normalmente, um carneiro ou um galo. Qualquer animal ou ave servia para a pantagruélica ceia. Por vezes acontecia desaparecer ao vizinho um bicho mas ele não deixava de ser convidado para o rústico repasto. E quando sabia, raramente se amofinava.
Nos últimos dias de novena iam-se preparando os diversos acepipes, ou uma frugal refeição, conforme as possibilidades de cada qual, mas normalmente era a caçoilha o grande prato da ceia do Natal. Os açougues preparavam-se com antecedência e quase sempre a carne no talho faltava.
Não se conhecias o bolo de Natal, “importado” dos Estados Unidos. Além da caçoilha, prato obrigatório, os doces reduziam-se a uns figos passados vindos do Algarve ou preparados durante o verão, das figueiras da casa. E não havia brinquedos nem árvores do Natal, uma inovação americana que só por cá apareceu com o retorno de alguns emigrantes.
Uma época diferente mas que não deixava de ser feliz.
Ninguém faltava à Missa do Galo, mesmo muitos daqueles que não tinham por hábito frequentar a Igreja. A capela preparava as melhores partituras, algumas velhas de anos, quer para as matinas quer para a Missa solene.
Acontecia virem à Matriz das Lajes pessoas de outras paróquias, para assistirem às Matinas. E isso igualmente sucedia pela Páscoa, pois eram habituais as Matinas da Quinta-Feira e Sexta-feira santas.
As capelas eram agrupamentos musicais que reuniam os melhores músicos da paróquia, alguns com excelentes vozes e lendo as partituras como verdadeiros artistas.
A iluminação era frouxa. Não havia electricidade. Candeeiros de petróleo faziam a iluminação do templo, cujos altares eram adornados com muitas flores e “bancadas” com círios. Nos trajectos serviam os lampiões de azeite de baleia e, mais tarde, os de petróleo ou de velas de estearina. E bastavam para conduzir os grupos até à igreja ou de regresso às respectivas habitações. Mais tarde apareceram os candeeiros incandescentes. Um luxo, que poucos podiam utilizar.
No presépio da igreja era colocado um foco eléctrico para ser aceso no momento do “Glória in excelsis Deo” a imitar a estrela que conduziu os pastores a Belém.
Coisas simples mas que não deixavam de ter o seu significado, com certa pureza evangélica. E o povo aceitava e acorria aos actos litúrgicos, com devoção e piedade. É caso para se dizer: “santos tempos!”
A vida moderna não permite estas singelezas. Talvez se ria quando ler estas reminiscências do passado. Um passado que não está muito distante mas que foi vertiginosamente substituído por um modernismo ateu e pouco dignificante.
A Liturgia teve de adaptar-se aos tempos modernos, simplificando os respectivos actos, para que não se tornassem longos e fastidiosos. Mesmo assim, as igrejas vão-se despovoando por razões diversas, que não vale a pena trazer aqui. Na generalidade, todas as pessoas conhecem as causas do indiferentismo e do abandono dos templos.
Dezembro de 2010.
Ermelindo Ávila
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