domingo, 23 de março de 2008

Dia de São Vapor

Era um dia de festa o “Dia de S. Vapor”. Nas diversas cidades ou vilas onde aportavam quinzenalmente (em Ponta Delgada e Angra os barcos passavam, ou na vinda de Lisboa ou no regresso das Ilhas, normalmente todas as semanas), aos portos das Ilhas, muitos dos seus habitantes juntavam-se nas imediações do cais de desembarque para verem se chegava alguma pessoa conhecida. Mas o mesmo acontecia em Lisboa quando os barcos da Insulana partiam ou regressavam das Ilhas. Quantos açorianos – em Lisboa não se destinguiam as ilhas – residentes na Capital, só se encontravam nesses dias!… Era um saber de notícias da terra, um matar saudades…
Quando os barcos chegavam aos portos das ilhas, alguém trazia para terra um jornal publicado quinzenalmente por açorianos residentes em Lisboa, intitulado, “Portugal, Madeira e Açores”, onde se divulgavam notícias as mais variadas e sobretudo o movimento oficial do funcionalismo público, extraído do “Diário do Governo”, tais como: nomeações, transferências, aposentações, etc.
Conta-se que o Conselheiro António José Vieira Santa Rita, que esteve à frente do distrito da Horta como Governador Civil, entre os anos de 1834 e 1877, tinha por hábito, deslocar-se ao Cais de Santa Cruz, na Horta, para aguardar as notícias vindas nos vapores de Lisboa e que eram trazidas de bordo por um indivíduo que a isso se dedicava. Em certa viagem, o citado arauto, ainda no barquinho, ao aproximar-se do cais, levanta o “Portugal, Madeira e Açores” e grita: “O Governador Santa Rita foi demitido”. Parece que Santa Rita, montado numa burrinha, seu meio de transporte, - pois era defeituoso das pernas – ao ouvir o “pregão”, lhe deu uma síncope e caiu da burrinha abaixo. Certo ou não, referindo-se ao Governador Santa Rita, escreve o historiador Marcelino de Lima nos “Anais do Município da Horta”, (1943, pág. 368/9): “ Não era faialense; mas é como se fosse, pelo muito que viveu na ilha do Faial, administrando sempre muito zelosa e inteligentemente o distrito, durante largos anos, em tempos dos mais difíceis, 1834 a 1877, com três pequenas interrupções.)… Por fim, porque não servia a política como queriam, foi exonerado, recolhendo de vez a casa…”
Para quem vivia em Angra, era agradável chegar ao mês de Maio e aguardar que o facho, colocado no Pico Alto, do Monte Brasil, desse sinal da aproximação de uma embarcação vinda das “Ilhas de Baixo”. Nos anos em que vivi naquela cidade era a “Calheta”, pertencente ao porto da Calheta de Nesquim, do Pico que, durante a época estival, ligava semanalmente as ilhas do Faial, Pico, São Jorge e Terceira. Que óptimos serviços prestou às populações destas quatro ilhas! Em Angra era recebida como se se tratasse de um dos barcos da Insulana. Principalmente os picoenses e jorgenses residentes na Cidade, corriam para o Cais e raro era aquele que não recebesse um caixote ou um cabaz da família com lembranças da ilha. E tudo era desejado e apreciado! Mas o melhor seria mudar de tema. Todavia, quase um século é decorrido e, durante estes longos anos, tanta coisa se modificou que, por vezes, torna-se difícil recordar o passado, pela mágoa que causa. No entanto vale a pena recordar…
No “Lima”, que mensalmente passava no Porto das Lajes, vinham, além dos passageiros, que não eram muitos, a mala postal e a carga diversa principalmente para o comércio, porque quase tudo era importado . O mesmo acontecia no Cais do Pico com o “Carvalho Araújo”. Algumas vezes sucedia, normalmente no inverno, vir o barco atrasado e a mala só chegar à Estação Telégrafo – Postal, a altas horas da noite. Mas nem por isso deixava de ser distribuída, porque os funcionários diligenciavam para que a correspondência, especialmente as cartas, fossem entregues aos destinatários com a maior brevidade, permitindo a muitos responder no regresso do barco. Um serviço dedicado, e sem o pagamento de quaisquer horas extraordinárias, pois elas não eram nem exigidas nem conhecidas…
Com a entrada do “Funchal” ao serviço do continente e ilhas, e, nos Açores dos “Carvalhinhos” – “Cedros” e “Arnel” - o progresso resultou num atraso bastante danoso para a economia destas ilhas. As chamadas “Ilhas Secundárias” sofreram um golpe quase mortal no desenvolvimento das respectivas economias. O sistema pode ter sido benéfico para os armadores e para as cidades, então capitais de distrito, mas foi altamente prejudicial para as restantes ilhas, que ainda hoje sofrem os pérfidos resultados desse “progresso”.

Vila das LAJES,
13 de Março de 2008
Ermelindo Ávila

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