NOTAS DO MEU CANTINHO
Há muito que a baleação
terminou. A recordá-la ficaram o Museu dos Baleeiros e as artísticas
e elegantes canoas que um antigo calafate lajense idealizou e
construiu. Bastante jovem tinha a vontade forte de construir uma
canoa bem melhor do que aquelas que vinham importando dos Estados
Unidos e que mais não eram do que pequenas embarcações que
navegavam a bordo dos antigos barcos baleeiros. (Isto já foi escrito
e reescrito mas importa recordar, para conhecimento daqueles que
teimam ignorá-lo). E recordo que estive a bordo da última baleeira
que restava da numerosa frota, em Mistic Port, nos Estados Unidos da
América, são decorridos mais de trinta anos.
Com as antigas canoas
baleeiras importadas da América do Norte, nunca se fizeram regatas
nos mares dos Açores. Tinham de ser reservadas para a caça a
baleia, a que eram destinadas. No entanto, com a visita régia aos
Açores, em 1904, realizou-se na baía da Horta a primeira de que
reza a História. Venceram as canoas das Lajes que já então eram,
na quase totalidade, construídas pelo calafate lajense, Francisco
José Machado – o Experiente. E tão bem se houveram os baleeiros
lajenses nos seus excelentes botes que o Rei Dom Carlos ofereceu um
bote baleeiro às armações do porto das Lajes. Note-se que tudo
isto aconteceu há mais de um século.
A caça à baleia
acabou. As canoas baleeiras foram adquiridas pelo Governo Regional
para compensar os sócios das armações dos prejuízos sofridos, e
distribuídas pelo portos açorianos. O porto das Lajes ficou deveras
prejudicado com a saída de algumas canoas, não digo as melhores
porque a diferença entre essas esbeltas embarcações era quase
nula.
Agora são utilizadas
nas regatas promovidas durante o verão e fazendo parte dos programas
das principais festas. E por lá andam as canoas lajenses que, no
decorrer da baleação, enquanto ela foi praticada, fizeram história.
Trazem os nomes
primitivos com que foram registadas nos Serviços Marítimos e
baptizadas, pois era normal qualquer canoa, após a construção e
antes de entrar em actividade, ser benzida ou, como se dizia,
baptizada pelo pároco que tinha jurisdição eclesiástica no porto
de baleação. E até os nomes ou denominações têm uma origem
particular. Normalmente, as canoas tomavam o nome de uma criança,
filha ou parente do gerente da armação proprietária, ou de algum
santo da devoção de qualquer armador. A canoa que está exposta no
Museu dos Baleeiros, porque foi construída para a armação de
Joaquim José Machado, Lda. quando a jovem Santa de Lisieux passou a
ser uma das de maior devoção dos lajenses. E ainda existem a “Maria
Armanda”, a “Celina, a ”Ester” e outras mais.
Em 1897, estavam
registadas nos Serviços Marítimos dezasseis canoas pertencentes ao
porto das Lajes do Pico. Era a “Aurora”, a “Amélia”, mas
também o “Santo Cristo”, o “Espírito Santo” ou a “Águia”
e o “Capricho”... A Ilha do Pico possuía naquela ano, além das
Lajes, quatro canoas em São Roque, quatro nas Ribeiras, e 3 na
Calheta de Nesquim. A fugir um pouco à tradição, chamavam-se
“Pátria”, “Democrata” e “Calhetense”. E eram todas
construídas seguindo o modelo criado pelo Mestre Francisco José o
“Experiente”. Algumas canoas foram desaparecendo com o
“envelhecimento”, outras vendidas para portos de outras ilhas e
algumas ficaram.
Hoje as canoas
baleeiras, de estilo único, elegante, “airosas” como dizem, umas
melhores para andar de vela, outras a remos, andam por aí, como já
referi, a alegrar as festas em cujos programas se inclui uma regata.
Seja na Semana do Mar, seja até na Festa do Bom Jesus.
As canoas lajenses,
ou picoenses, criaram fama e ficaram na história marítima Foram
até aos Estados Unidos onde, aliás, nasceu a baleação, para
ficarem no espólio dos Museus Baleeiros daquele país. E é ainda um
calafate picoense que as constrói cá, ou vai construi-las a New
Bedford, como é o caso do Mestre João Tavares que agora se dedica à
construção dessa invejável rainha dos mares.
É acontecimento que
a História regista: a emigração dos quarenta casais de picoenses
que, após a crise sísmica de 1718 e 1720, emigraram para Santa
Catarina, no Brasil. Eles por lá ficaram e os seus descendentes, que
hoje ocupam as mais distintas posições culturais e sociais, têm
muito orgulho das suas raízes e mantém respeitosamente a tradição
dos hábitos, das festas tradicionais, e dos costumes dos seus
antepassados. Lá celebram com todo o esplendor as Festas do Espírito
Santo e outras mais e, nos portos, conservam os barcos e batéis no
estilo dos botes baleeiros introduzidos por seus avoengos. Até nas
pinturas dos cascos e das cintas...
Será maldosa e cretina
ideia querer agora, que a faina baleeira terminou, chamar a outros
lugares a autoria da criação de um tipo de canoa, que não passou
de uma iniciativa falhada. A canoa baleeira criada e construída nas
Lajes do Pico por Francisco José Machado, foi e é única e a mais
bela embarcação do mundo, repito, uma vez mais!
Vila Baleeira dos Açores.
Agosto de 2015
Ermelindo Ávila
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