segunda-feira, 31 de agosto de 2015

REGATAS BALEEIRAS

NOTAS DO MEU CANTINHO


Há muito que a baleação terminou. A recordá-la ficaram o Museu dos Baleeiros e as artísticas e elegantes canoas que um antigo calafate lajense idealizou e construiu. Bastante jovem tinha a vontade forte de construir uma canoa bem melhor do que aquelas que vinham importando dos Estados Unidos e que mais não eram do que pequenas embarcações que navegavam a bordo dos antigos barcos baleeiros. (Isto já foi escrito e reescrito mas importa recordar, para conhecimento daqueles que teimam ignorá-lo). E recordo que estive a bordo da última baleeira que restava da numerosa frota, em Mistic Port, nos Estados Unidos da América, são decorridos mais de trinta anos.
Com as antigas canoas baleeiras importadas da América do Norte, nunca se fizeram regatas nos mares dos Açores. Tinham de ser reservadas para a caça a baleia, a que eram destinadas. No entanto, com a visita régia aos Açores, em 1904, realizou-se na baía da Horta a primeira de que reza a História. Venceram as canoas das Lajes que já então eram, na quase totalidade, construídas pelo calafate lajense, Francisco José Machado – o Experiente. E tão bem se houveram os baleeiros lajenses nos seus excelentes botes que o Rei Dom Carlos ofereceu um bote baleeiro às armações do porto das Lajes. Note-se que tudo isto aconteceu há mais de um século.
A caça à baleia acabou. As canoas baleeiras foram adquiridas pelo Governo Regional para compensar os sócios das armações dos prejuízos sofridos, e distribuídas pelo portos açorianos. O porto das Lajes ficou deveras prejudicado com a saída de algumas canoas, não digo as melhores porque a diferença entre essas esbeltas embarcações era quase nula.
Agora são utilizadas nas regatas promovidas durante o verão e fazendo parte dos programas das principais festas. E por lá andam as canoas lajenses que, no decorrer da baleação, enquanto ela foi praticada, fizeram história.
Trazem os nomes primitivos com que foram registadas nos Serviços Marítimos e baptizadas, pois era normal qualquer canoa, após a construção e antes de entrar em actividade, ser benzida ou, como se dizia, baptizada pelo pároco que tinha jurisdição eclesiástica no porto de baleação. E até os nomes ou denominações têm uma origem particular. Normalmente, as canoas tomavam o nome de uma criança, filha ou parente do gerente da armação proprietária, ou de algum santo da devoção de qualquer armador. A canoa que está exposta no Museu dos Baleeiros, porque foi construída para a armação de Joaquim José Machado, Lda. quando a jovem Santa de Lisieux passou a ser uma das de maior devoção dos lajenses. E ainda existem a “Maria Armanda”, a “Celina, a ”Ester” e outras mais.
Em 1897, estavam registadas nos Serviços Marítimos dezasseis canoas pertencentes ao porto das Lajes do Pico. Era a “Aurora”, a “Amélia”, mas também o “Santo Cristo”, o “Espírito Santo” ou a “Águia” e o “Capricho”... A Ilha do Pico possuía naquela ano, além das Lajes, quatro canoas em São Roque, quatro nas Ribeiras, e 3 na Calheta de Nesquim. A fugir um pouco à tradição, chamavam-se “Pátria”, “Democrata” e “Calhetense”. E eram todas construídas seguindo o modelo criado pelo Mestre Francisco José o “Experiente”. Algumas canoas foram desaparecendo com o “envelhecimento”, outras vendidas para portos de outras ilhas e algumas ficaram.
Hoje as canoas baleeiras, de estilo único, elegante, “airosas” como dizem, umas melhores para andar de vela, outras a remos, andam por aí, como já referi, a alegrar as festas em cujos programas se inclui uma regata. Seja na Semana do Mar, seja até na Festa do Bom Jesus.
As canoas lajenses, ou picoenses, criaram fama e ficaram na história marítima Foram até aos Estados Unidos onde, aliás, nasceu a baleação, para ficarem no espólio dos Museus Baleeiros daquele país. E é ainda um calafate picoense que as constrói cá, ou vai construi-las a New Bedford, como é o caso do Mestre João Tavares que agora se dedica à construção dessa invejável rainha dos mares.
É acontecimento que a História regista: a emigração dos quarenta casais de picoenses que, após a crise sísmica de 1718 e 1720, emigraram para Santa Catarina, no Brasil. Eles por lá ficaram e os seus descendentes, que hoje ocupam as mais distintas posições culturais e sociais, têm muito orgulho das suas raízes e mantém respeitosamente a tradição dos hábitos, das festas tradicionais, e dos costumes dos seus antepassados. Lá celebram com todo o esplendor as Festas do Espírito Santo e outras mais e, nos portos, conservam os barcos e batéis no estilo dos botes baleeiros introduzidos por seus avoengos. Até nas pinturas dos cascos e das cintas...
Será maldosa e cretina ideia querer agora, que a faina baleeira terminou, chamar a outros lugares a autoria da criação de um tipo de canoa, que não passou de uma iniciativa falhada. A canoa baleeira criada e construída nas Lajes do Pico por Francisco José Machado, foi e é única e a mais bela embarcação do mundo, repito, uma vez mais!

Vila Baleeira dos Açores.
Agosto de 2015

Ermelindo Ávila

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