sábado, 26 de dezembro de 2015

A FESTA QUE O GUIDO NÃO TEVE


          Guido foi um menino feliz na sua infância e adolescência. Os pais eram pessoas da sociedade, na cidade em que viviam. Eles e os irmãos tinham uma vida sem dificuldades. Na escola distinguiam-se pelo seu trajar, pelos utensílios que utilizavam. Eram, mesmo, bastante considerados e estimados pelos professores e companheiros. Pois se nada lhes faltava...
          Viviam numa das cidades mais prósperas do seu País. O pai era um industrial rico e a Mãe professora num colégio estrangeiro. Viviam numa excelente moradia, ricamente mobilada e a mesa era abundante e servida por pessoal especializado.
Mas um dia, sem saber como, a infelicidade bateu-lhes à porta. Tudo se transformou e o Guido viu-se numa situação muito triste: um atentado terrorista levou-lhe os pais e os irmãos.
Na cidade rebentou, entretanto, uma revolta entre os diversos partidos políticos. Reforçou-se a Polícia, mas foi incapaz de suster os revoltosos. Vieram reforços do Exército e começaram a bombardear a cidade para repor a ordem. Os canhões, as metralhadoras, as armas ligeiras, os carros de assalto, toda a máquina de guerra foi posta a funcionar. A pouco e pouco foram atingidos edifícios, os habitantes foram sendo mortos e as ruas ficaram intransitáveis com os escombros das casas demolidas pelo fogo da artilharia. O fogo começou a propalar-se e não houve corporação de bombeiros que fosse capaz de extingui-lo.
Os que escaparam, conseguiram fugir para os campos. Separaram-se e nunca mais se encontraram.
Guido, encontrando-se sozinho, caminhou por terra dentro. Há dias que andava a divagar, sem encontrar alguém que o acolhesse. As roupas iam ficando esfrangalhadas. A fome era muita e valia-se da fruta que, aqui e ali, encontrava em alguns campos de fruta, por onde passava. Certo dia, porém, ao cair da noite, achou-se numa pequena povoação.
Aproximou-se de uma casa modesta, bateu à porta e gritou que o acudissem. Não tardou o socorro da velha dona da casa, uma senhora, já entrada em idade, que vivia só, pois o marido tinha falecido e os filhos haviam emigrado. Recebeu o pobre pedinte e indagou da sua vida. Ficou triste e condoída com a situação calamitosa que o Guido lhe contou. Acolheu-o com carinho, lavou-o, arranjou-lhe umas roupinhas que ainda guardava dos filhos e preparou-lhe uma singela refeição quente.
Quando o Guido se encontrava algo reconfortado, a Senhora quis aprofundar a “história”. A custo, emocionado e muito saudoso dos pais e irmãos, contou-lhe como tudo acontecera.
Estava-se na semana do Natal. A mãe já havia preparado a casa, armado o Presépio e coberto de luzes e outros adereços, a tradicional árvore do Natal. Tudo, porém, desaparecera com os bombardeamentos. A casa transformou-se num montão de ruínas, sem nada que se aproveitasse, e os pais e irmãos, aqueles que não puderam fugir, cadáveres cobertos pelos escombros do prédio. E outras mais famílias havia naquele triste estado. Até a igreja da sua paróquia fora atingida. Uma grande parte da cidade estava no chão.
Os que escaparam à tremenda tragédia, diziam que eram actos de terrorismo, praticados por pessoas estranhas à cidade. Mas ele, pequeno como era, nem sabia o que era o terrorismo.
A Senhora, ouviu a triste e horripilante narração e tudo procurou fazer para que o Guido esquecesse um pouco o seu drama e tivesse uma festa de Natal, com algum conforto.
E assim aconteceu. Na noite de Natal o Guido, ao ir deitar-se, encontrou, no quarto onde havia sido albergado, um pequeno altar com a imagem do Menino Jesus, ao lado Sua Mãe e S. José, e, junto da janela, uma arvorezinha enfeitada com fitas coloridas. Debaixo dela, no chão, uma pequena caixa com um carrinho de corrida e dentro dele um bilhete onde alguém, naturalmente a senhora que o acolhera, havia escrito: Presente do Menino Jesus.

          Nesta Festa que se aproxima quantos mais Guidos, não haverá por esse mundo que se diz civilizado? Encontrarão eles uma mãe adoptiva que os acolha maternalmente ?

Natal de 2015


Ermelindo Ávila

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