NOTAS
DO MEU CANTINHO
OS ANTIGOS TRAJOS
Os
picoenses – ou picarotos, como queiram -
sempre usaram, no decorrer dos tempos, um trajo característico, mas não
tanto como alguns passaram por vezes, exageradamente, a descrevê-lo.
Os irmãos Joseph e Henry Bullar, que por aqui andaram
a meados do século XIX, deixaram uma
descrição algo picaresca do homem do Pico que
ao Faial se deslocava a negociar os produtos da terra.
E assim o descrevem: Alguns aldeões do Pico vestem-se inteiramente de vermelho. Usam jaqueta
curta de estamenha, vermelha, colete e calções do mesmo tecido e cor, com
polainas abotoadas sobre os pés. Estes andam descalços ou cobertos de sandálias
de coiro (onde não raras vezes ficaram restos do pelo do boi) por sobre o dedo
grande. Todavia não deixaram de lhes
dar o trato de “gentleman da velha guarda”.
Andarem os trabalhadores da terra, ou agricultores, de
sandálias ou “albarcas” de coiro de boi mal curtido ou, mais tarde, de
“albarcas” de borracha de pneu, quando começaram a aparecer os automóveis já a
meio do primeiro quartel do século XX,
conheci-os eu, mas nunca de trajos de cor vermelha.
Os agricultores vestiam , geralmente, calças de cotim
e camisas e casacos (sueras ou frocas) de cor cinzenta, tecidos de lã de
ovelha, nos teares domésticos.
Depois, quando começaram a vir da América do Norte as
“sacas de roupa”, enviadas pelos parentes (irmãos, filhos, amigos ou
conhecidos,) passaram a usar as calças ou alvaroses (calças com uma pala a
cobrir o peito) de angrim, que hoje são um luxo para as senhoras.
Curioso que os trabalhadores rurais, quando andavam
pelos campos, amarravam um atilho na altura dos joelhos, como medida de
precaução, para evitar que o pó da terra lhe subisse pelas pernas.
A camisola de lã não era dispensada, mesmo no verão,
embora provocasse grande calor, pois absorvia a transpiração e evitava as
constipações.
Para assistir aos actos religiosos o picoense, de
qualquer categoria social, vestia o seu fato preto e punha gravata – o fato
domingueiro como diziam.
O trajo da mulher era bastante diferente daquele que
agora usam. Durante a semana trajava
saia abaixo do joelho e, normalmente, calçava galochas com piso ou sola de
madeira de cedro por ser leve e nada porosa, Vestia uma blusa de tecido leve
com manga a cobrir todo o braço, e, na cabeça, usava lenço de qualquer cor ou
chapéu de palha no verão. Sobre os ombros um xaile de qualquer cor, conforme as
circunstâncias.
Ao domingo, as mais jovens, usavam vestido de tecido
leve, para o que havia costureiras em quase todas as freguesias, e punham
chapéu, de diversos feitios conforme a moda corrente. À igreja nenhuma pessoa
do sexo feminino ia sem ter a cabeça coberta. Hoje é ao contrário: as mulheres
baniram o chapéu e os homens, com chapéu ou boné entram em qualquer parte.
Se estava de luto ou tinha marido ausente (nesses
tempos o marido emigrava por poucos anos) o xaile era de cor preta. O luto
durava meses ou ano, conforme o grau de parentesco com o falecido, mas se era
marido ou mulher o luto durava a vida inteira a menos que mudasse de estado.
Uma das minhas bisavós - faleceu no ano em que
atingiria um século – dizia-me que usava sete saias, que iam dos joelhos aos
pés. A saia de fora era provida de algibeiras. Quando estas não existiam, tinha
uma bolsa pequena, ou matrona, que ligava à cintura, onde guardava os “cobres”
e pequenos objectos.
De registar que, normalmente, quando algum indivíduo
das freguesias, durante a semana, descia à Vila para tratar de qualquer
assunto, ou até pagar as contribuições ao Estado, vinha com trajo domingueiro,
pelo respeito que lhe mereciam as repartições públicas e os respectivos
funcionários.
As pessoas cumprimentavam-se quando se cruzavam na via
pública, e os mais novos tinham por obrigação ou hábito tirar o chapéu ou boné
quando se cruzavam com qualquer mais idoso e não só.
Os hábitos e costumes eram bastante diferentes e o
respeito pelos parentes e/ou mais idosos uma obrigação.
Com certeza que
os irmãos Bullar veriam os picoenses e açorianos de maneira diferente...
Lajes
do Pico,
22-XI-2015
Ermelindo
Ávila
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