sábado, 26 de dezembro de 2015

OS ANTIGOS TRAJOS

NOTAS DO MEU CANTINHO

OS ANTIGOS TRAJOS

          Os picoenses – ou picarotos, como queiram -  sempre usaram, no decorrer dos tempos, um trajo característico, mas não tanto como alguns passaram por vezes, exageradamente, a descrevê-lo.
Os irmãos Joseph e Henry Bullar, que por aqui andaram a meados do século XIX,  deixaram uma descrição algo picaresca do homem do Pico que  ao Faial se deslocava a negociar os produtos da terra.
E assim o descrevem: Alguns aldeões do Pico vestem-se inteiramente de vermelho. Usam jaqueta curta de estamenha, vermelha, colete e calções do mesmo tecido e cor, com polainas abotoadas sobre os pés. Estes andam descalços ou cobertos de sandálias de coiro (onde não raras vezes ficaram restos do pelo do boi) por sobre o dedo grande. Todavia não  deixaram de lhes dar o  trato de “gentleman da velha guarda”.
Andarem os trabalhadores da terra, ou agricultores, de sandálias ou “albarcas” de coiro de boi mal curtido ou, mais tarde, de “albarcas” de borracha de pneu, quando começaram a aparecer os automóveis já a meio do  primeiro quartel do século XX, conheci-os eu, mas nunca de trajos de cor vermelha.
Os agricultores vestiam , geralmente, calças de cotim e camisas e casacos (sueras ou frocas) de cor cinzenta, tecidos de lã de ovelha, nos teares domésticos.
Depois, quando começaram a vir da América do Norte as “sacas de roupa”, enviadas pelos parentes (irmãos, filhos, amigos ou conhecidos,) passaram a usar as calças ou alvaroses (calças com uma pala a cobrir o peito) de angrim, que hoje são um luxo para as senhoras.
Curioso que os trabalhadores rurais, quando andavam pelos campos, amarravam um atilho na altura dos joelhos, como medida de precaução, para evitar que o pó da terra lhe subisse pelas pernas.
A camisola de lã não era dispensada, mesmo no verão, embora provocasse grande calor, pois absorvia a transpiração e evitava as constipações.
Para assistir aos actos religiosos o picoense, de qualquer categoria social, vestia o seu fato preto e punha gravata – o fato domingueiro como diziam.
O trajo da mulher era bastante diferente daquele que agora usam.  Durante a semana trajava saia abaixo do joelho e, normalmente, calçava galochas com piso ou sola de madeira de cedro por ser leve e nada porosa, Vestia uma blusa de tecido leve com manga a cobrir todo o braço, e, na cabeça, usava lenço de qualquer cor ou chapéu de palha no verão. Sobre os ombros um xaile de qualquer cor, conforme as circunstâncias.
Ao domingo, as mais jovens, usavam vestido de tecido leve, para o que havia costureiras em quase todas as freguesias, e punham chapéu, de diversos feitios conforme a moda corrente. À igreja nenhuma pessoa do sexo feminino ia sem ter a cabeça coberta. Hoje é ao contrário: as mulheres baniram o chapéu e os homens, com chapéu ou boné entram em qualquer parte.
Se estava de luto ou tinha marido ausente (nesses tempos o marido emigrava por poucos anos) o xaile era de cor preta. O luto durava meses ou ano, conforme o grau de parentesco com o falecido, mas se era marido ou mulher o luto durava a vida inteira a menos que mudasse de estado.
Uma das minhas bisavós - faleceu no ano em que atingiria um século – dizia-me que usava sete saias, que iam dos joelhos aos pés. A saia de fora era provida de algibeiras. Quando estas não existiam, tinha uma bolsa pequena, ou matrona, que ligava à cintura, onde guardava os “cobres” e pequenos objectos. 
De registar que, normalmente, quando algum indivíduo das freguesias, durante a semana, descia à Vila para tratar de qualquer assunto, ou até pagar as contribuições ao Estado, vinha com trajo domingueiro, pelo respeito que lhe mereciam as repartições públicas e os respectivos funcionários.
As pessoas cumprimentavam-se quando se cruzavam na via pública, e os mais novos tinham por obrigação ou hábito tirar o chapéu ou boné quando se cruzavam com qualquer mais idoso e não só.
Os hábitos e costumes eram bastante diferentes e o respeito pelos parentes e/ou mais idosos uma obrigação.
 Com certeza que os irmãos Bullar veriam os picoenses e açorianos de maneira diferente...



Lajes do Pico,
22-XI-2015

Ermelindo Ávila

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