quinta-feira, 30 de abril de 2015

PLANO DIRECTOR MUNICIPAL

NOTAS DO MEU CANTINHO


Andou em “discussão pública” o Plano Director Municipal. O segundo, porque o primeiro foi elaborado e aprovado há anos.
Trata-se, afinal, de um documento de interesse para os munícipes pois através dele se acautelam os valores patrimoniais do concelho, o que bastante importante é. Mas, nem sempre os documentos dessa natureza são respeitados, alterando-se, aqui e ali, os princípios basilares.
Aqui há anos, era o Plano de Urbanização de cada localidade que os Municípios elaboravam para que as construções não fossem implantadas a capricho dos seus proprietários e não ficassem, aqui e ali, autênticos monstrengos que ainda hoje existem.
Durante vários anos, esteve no salão e sala das sessões da Câmara, um projecto de modernização da vila onde o seu autor, entre outras sugestões, indicava um arruamento que, ligando a rua do Saco com a rua da Miragaia, vinha sair no centro da vila, permitindo, além da possibilidade de construções urbanas, que houvesse um “escoamento” das pessoas em ocasiões de “enchentes de mar”, vulgares naqueles recuados anos. Além disso, propunha a urbanização da zona do Juncal onde, durante muitos anos, esteve instalado o campo de jogos. Mas isso não aconteceu. Só nos últimos anos se procedeu ao arranjo daquele largo espaço. Mas parece que algo mais há ainda a fazer.
O projecto da autoria de Lacerda Machado, que estava exposto em quadro, desapareceu há vários anos. Nem dele me lembro. E, em vez do arruamento previsto, foi permitida a construção de prédios urbanos nas entrada e saída, impossibilitando-se que mais uma rua valorizasse o traçado urbano da vila.
Há prédios urbanos, na antiga Rua Direita que, pela sua antiguidade, deviam ter sido classificados como imóveis de interesse público, e que acabaram por ser abandonados, caindo em ruínas. Um deles vem do século XVIII e é o prédio mais antigo da vila. Os outros são do século XIX. (Segundo a tradição, para a construção de um desses prédios o proprietário contratou um ferreiro e, no fim do dia, contava os pregos que ele havia feito, pois sabia quantas pancadas do martelo na bigorna eram precisas para fazer um prego...)
Mas, segundo informações que vieram a público, a vila parece que vai deixar de ser o centro urbano, tal como aconteceu há anos, com a vila de S. Roque, que transferiu a sede para o Cais. O mais antigo centro urbano da ilha e com melhor traçado arquitectónico, na opinião de urbanistas consagrados que por aqui hão passado, vai tornar-se um simples subúrbio?
Em artigo publicado no antigo jornal “As Lages”, o articulista que se acoberta com as iniciais F.C. (Fernando Castro ?) escreve: “O assunto de que vamos tratar hoje, refere-se à execução da planta feita e oferecida à câmara municipal deste concelho, pelo nosso ilustre patrício, capitão Francisco S. de Lacerda Machado, sobre a projectada avenida que acompanha o muro que circunda a vila. É certo que as vereações transactas se descuraram no embelezamento da vila, mas também não convém que estas e as outras que virão, sigam pelo mesmo trilho.1) E no jornal de 15 de Novembro de 1914 - um século é decorrido ! – escreve Lacerda Machado: “Não se trata de aprovar este ou aquele projecto, mas um qualquer, que seja maduramente ponderado e que dê unidade de sequencia a tudo o que de futuro se construir ou modificar”. E depois de referir o alinhamento da avenida marginal e a arrematação dos terrenos sobrantes, propõe: A verba proveniente da venda dos terrenos poderia ser aplicada, por exemplo, na abertura das Ruas do Saco e da Miragaia, ligando-as com a rua Nova e no alinhamento da Rua Direita “. 2)
O próprio jornal, a 15 de Março de 1915, (ocorrem hoje cem anos) em artigo da Redacção, analisa o assunto de maneira contundente, escrevendo: “É inacreditável que nada de bom se pode fazer, no intuito de modificar e melhorar as deficiências da planta actual da nossa vila, sem que tudo obedeça a plano conscienciosamente elaborado. Fora desta norma, nunca se poderá atingir o grau de beleza tão desejado para a nossa vila, que como sede do concelho, de que tem o nome¸ é merecedora de mais alguns benefícios e atenções.” 3)
Como disse, um século é decorrido. Verdade que os municípios viveram horas atribuladas, sem receitas e com dificuldades diversas, incluindo as alterações políticas que os atingiram. Mas esse tempo já passou há muito.
Será que, decorridos estes anos todos, o PDM vai permitir um cuidado mais atempado da mais antiga povoação da Ilha e sede de concelho ou, pelo contrário, abandoná-la para criar outros centros urbanos? A ver vamos.
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  1. As Lages”, nº13, de 13-10-1914
  2. Ibidem, nº 15 de 15-11-1914
  3. Ibidem, nº 23 de 15-3-1915

Lajes do Pico,
15-Março-2015
Ermelindo Ávila


A CAÇA AO BOTO

A MINHA NOTA


Ernesto Rebello, escritor faialense dos finais do século XIX, deixou-nos uma interessante narrativa da caça ao boto na vila das Lajes.
Escreve o douto faialense sobre “Botos e pombas”, uma excelente crónica sobre a visita que fez à Vila das Lagens (sic) e narra uma caçada ao boto a que assistiu.
Na costa a multidão era enorme, homens, mulheres, creanças, todos com verdadeira ancia esperando o bom ou mau succedimento da pesca. – O cardume de bôtos, afinal já perto da estreita passagem que o queriam obrigar a transpôr, pareceu ter consciencia do perigo que o ameaçava e tentava retroceder, levantando uma grandiosa salseirada. – As lanchas, porém, à força de remos, de gritos e de pedras, conseguiram tornar a reunir os peixes, que ainda assim, temerosos, pararam à entrada do canal, que ladeado de rochedos conduzia para o interior da grande bacia. As pedras choveram então com mais força sobre os resistentes cetaceos. / Afinal um dos maiores peixes, medindo talvez quatro metros de comprimento, possante e luzidio, como uma lamina de aço, encaminhou-se bufando de desespero, para o começo da garganta da Lagôa, e deixando um sulco de escuma na sua passagem, desapareceu, em breve, na direcção da terra. / (...) A pesca estava bem segura, tanto pela disposição dos rochedos, como pela estreiteza da passagem. A este tempo na Matriz soava meio dia.(...) Os lajenses dão certa solemnidade a esta pesca.
E depois de descrever a rendosa caça e a transformação do toucinho em azeite, narra uma caçada aos pombos da costa, onde não foi menor a colheita.
Realmente, era um autêntico espectáculo que atraía toda a população às cercanias da lagoa o arpoar dos botos. Ainda me lembro de uma ou duas caçadas, depois de rodeados os botos, ou moleiros, para o “poção”. Era um trabalho árduo pois exigia valentia e esforço por parte daqueles que arpoavam os animais como, antes, dos que os rodeavam para o poção onde eram “guardados” com redes até serem arpoados e mortos, aproveitando-se as capas de toucinho para azeite de iluminação. O petróleo era de preço elevado e ainda cá não chegara a electricidade. Mas a operação do derretimento só se podia fazer durante a noite, dado o insuportável mau cheiro que exalava. Havia um edital do Administrador do Concelho que regulamentava essa operação.
No fim de dois dias, regressou Ernesto Rebello à sua ilha. Havia empreendido uma viagem longa e temerosa. Ele próprio a narra no princípio da crónica: “Depois de nove horas de jornada, de haver atravessado a serra, subido e descido muitas ladeiras e cruzado os grandes descampados de pedra roliça e requeimada, entremeada aqui e além por moutas de rasteiras faias, descampados a que se dá o nome de mysterios, por serem estes os sítios por onde passaram as ribeiras de refervente lava das antigas erupções vulcânicas do Pico, chegamos, ao cair da noite, à Vila das Lajes.” E acrescenta: “Os nossos companheiros de jornada eram um rapaz da vila, que tinha ido ao Fayal, donde regressava, por causa do recrutamento, um homem da Magdalena, que tinha a seu cargo os dois péssimos burros que montávamos e um cão, rateiro, de raça ordinaríssima, que durante todo o caminho matara, na serra, dois coelhos, dos quais o arrieiro logo se apoderara, e pela estrada vários ratos de enormes proporções.” (1)
Uma descrição viva e interessante a revelar-nos o que era a ilha do Pico, há quase duzentos anos.
O Pico hoje tem estradas, tem transportes colectivos e dezenas de carros ligeiros, mas por aí ficou. O progresso parece que estagnou e os que nela habitam quase só vegetam...
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l) Arquivo dos Açores, Vol. VIII, pág.295

Vila das Lajes,
Abril de 2015

Ermelindo Ávila

O VIVER DE OUTROS TEMPOS

Notas do meu cantinho



Notas do meu cantinho

       

                                        Em pescado, o porto das Lajes era o mais importante do Sul do Pico. Os pescadores muitos, e os batéis de pesca, quando em terra, enchiam o antigo varadoiro.
Parte da população só vivia do mar. E a actividade marítima, quase bastava para a subsistência das respectivas famílias.
Quando o mar permitia, os batéis - barcos e lanchas, saíam ao amanhecer, a pescar garoupas nas “marcas” que ficavam perto pois, ao meio dia, estavam de volta com o peixe para o jantar. O horário das refeições era diferente do de hoje.
O pescado era quase só a garoupa, conhecida por “galinha do mar”, a abrótea, o rocaz e poucas espécies mais. Polvo e lagosta só para “especialistas”-.
Se o tempo não permitia a saída do porto, e por vezes era difícil devido à agitação na “Carreira”, alguns pescadores iam à noite ou de madrugada para a costa, ou mesmo para o “caneiro”, na entrada da Lagoa interior, pescar sargos, que eram vendidos logo de manhã a fregueses habituais. No inverno, uma ou outra vez, deitava-se a rede na Maré, onde abundava o peixe miúdo.
No Outono apanhava-se, de rede, o chicharro. A pesca, normalmente abundante, permitia a venda imediata ou a salga, para ser consumido no Inverno.
Descarregado o peixe era retirado o “dízimo” e dividido em soldadas pelos pescadores. O “dízimo” era leiloado pelo Guarda-fiscal, sempre presente à chegada dos barcos. Havia Guardas-fiscais em S. João, S Cruz das Ribeiras, Calheta e Calhau da Piedade, que viviam em casas do Estado. Nas Lajes estava fixada a secção da G.F. sob o comando de um sargento que, após a extinção das chamadas “barreiras alfandegárias”, passou a viver no antigo edifício da Alfandega. Depois a Secção foi transferida para o Cais do Pico e incorporada na Guarda Republicana. Ficaram abandonadas, nas Lajes a casa da Alfandega e nas freguesias indicadas os respectivos postos da G.F., propriedade do Estado. Quer a casa da alfândega quer os antigos postos estão hoje abandonados, incompreensivelmente, quando podiam ter sido entregues a outro serviço público ou distribuídos por casais carenciados. Em pouco serão ruínas a remover...
 Voltando ao pescado, algum era levado pelos familiares dos pescadores, ao interior da ilha, quase só para ser trocado por produtos da terra. Mas verdade, um viver simples que, mesmo assim, garantia a subsistência de muitas famílias. 
Não há muitos anos, várias famílias das zonas agrícolas viviam da troca de produtos. Até mesmo nos pequenos estabelecimentos de mercearia, que sempre os houve, os géneros eram trocados por milho, batatas, cebolas, hortaliças ou ovos, que depois eram vendidos a outros fregueses. Era um estilo de vida autenticamente comunitário e que não deixava de ser útil e proveitoso.
Os lavradores trabalhavam as terras com as ajudas de uns e outros companheiros pois não havia dinheiro para salários. 
Até nas roças, ou limpeza das pastagens isso acontecia e, nesses terrenos do alto, muitos ficavam em abrigos improvisados durante a noite, para evitarem as longas caminhadas e haver mais horas para o trabalho.
Mas, há três ou quatro décadas os Serviços Florestais foram instalados na ilha e abriram cerca de 275 quilómetros de caminhos florestais e de penetração, depois de construídas a estrada de volta da ilha e as transversal e longitudinal, melhoramentos pelos quais a ilha esperou mais de cinco séculos!
 Não deve esquecer-se a caça da baleia que, embora iniciada a meados do século XIX, teve o seu período de maior desenvolvimento nas décadas de trinta/quarenta do século passado para, pouco depois, terminar abruptamente, sem outra actividade que a substituísse, pois aquela que apareceu a seguir está limitada a dois ou três industriais locais sem grandes ou notórios efeitos económicos no meio. Não se esquece o período em que aqui foi instalada e funcionou a indústria de conserva de peixe. Uma actividade que foi algo florescente mas que não resistiu, por razões várias e que importa esquecer.            E referindo a baleação, não eram somente os pescadores profissionais que se dedicavam a ir à baleia, mas todos aqueles que conseguiam uma “cédula marítima”: carpinteiro, ferreiro ou pedreiro, ou mesmo (e até) funcionário público, que alguns havia... A baleação proporcionou certo bem-estar a uma parte da população, embora nem um século durasse. Tarde virá outra que a ela se iguale.
Apesar da vida modesta dos anos passados, o concelho das Lajes caiu numa verdadeira penúria e a juventude, que adquiriu outros hábitos de vida mais modernos, não encontra aqui ocupações. Vê-se por isso obrigada a emigrar para outros meios nacionais ou para o estrangeiro.
Uma tristeza de vida dir-me-ia um velho amigo aqui há uns anos passados...
Presentemente transformado quase só em porto de recreio, o porto das Lajes do Pico nem mesmo assim oferece as condições indispensáveis à permanência de embarcações de outros portos e muito menos estrangeiras.

Lajes do Pico.
13 de Abril de 2015

 Ermelindo Ávila

quinta-feira, 2 de abril de 2015

O JOGO DO PIÃO

A MINHA NOTA


       O jogo do pião tinha a sua época, como qual qualquer outro jogo. Mas este era considerado de maneira especial, para se respeitar as épocas litúrgicas que, aliás, toda a gente nesta ilha cumpria, cinquenta anos atrás...
       Não havia trânsito nas ruas, cujos pavimentos eram de simples bagacina, ou macadame, embora nos últimos anos prensada. Depois vieram os automóveis e a seguir a asfaltagem das estradas e ruas e tudo se modificou. As pessoas já não podem permanecer nos leitos das ruas e estas, actualmente, estão calcetadas, embora por vezes com um piso algo irregular...
       O jogo do pião só se realizava após o toque dos sinos a anunciar a Ressurreição de Cristo, no sábado de Aleluia.
E tinha um “cerimonial” próprio. Normalmente, isso acontecia ao meio-dia e aqueles que não iam às cerimónias ficavam-se pela vila a aguardar o sinal do sino, já com os piões enfileirados para iniciarem os jogos.
       Jogar o pião, antes daquele momento festivo, era ofensivo para os crentes, pois, diziam os pais aos filhos, era picar a cara de Nosso Senhor. Na realidade, outros tempos em que a religião católica era, para os açorianos, quase todos, a orientadora de toda a vida social, que não somente religiosa. E não era um atraso de vida, como hoje diriam.
       Até os homens jogavam, na frente das mercearias e tabernas, nas tardes dos domingos, o pião e, depois, o “vinte e cinco”, porque a malha era uma antiga moeda de vinte e cinco reis, já fora de uso.
       Durante a época da Páscoa o jogo do pião era o entretenimento quase exclusivo dos adolescentes e jovens.
       Os miúdos usavam um pião pequeno. Os mais crescidos um pião pouco maior e os adultos tinham piões de oito e dez centímetros de diâmetro.
       Quando algum miúdo perdia o jogo, o pião era sujeito a umas tantas “ferroadas” que, muitas vezes o inutilizavam, provocando um choro inconsolável ao seu dono.
       Sistemas de uma vida simples que, nestes tempos actuais, não seriam realizáveis ou até mesmo algo ridicularizados.
       Hoje, nem o pião se joga. Há outros sistemas de divertimento. Ninguém se lembra do pião, da “caça à baleia”, da “barra”, do “esconder”, do jogo de “apanhar outro” em longas correrias; e até do “jogo do botão” este que algumas vezes levava os miúdos a retirar às mães os botões que ela guardava para substituírem os que os vestuários perdiam, quando, algumas vezes, não se arrancavam do próprio vestuário para pagar “a dívida” ao ganhador...
       Mais tarde, apareceu o jogo do “belamente”, mas já esse recordei em uma destas talvez incipientes notas.
       Fico por aqui, desejando ao possível leitor uma Páscoa alegre e feliz.

Lajes do Pico,
Março de 2015

Ermelindo Ávila 

sábado, 21 de março de 2015

AS LADEIRAS...

A MINHA NOTA


... estão aí na nossa frente. No entanto, ninguém as descobre. Um matagal imenso as cobre, de baixo a cima, não permitindo que se possam vêr ainda os “serrados” que outrora eram férteis na produção de milho, o cereal principal da alimentação familiar.
Aos socalcos, as ladeiras estendiam-se dos quintais das habitações até lá ao lado da encosta que rodeia o velho burgo. São restos do escoamento das lavas que formaram a fajã, cá em baixo, junto ao mar, onde se assentou o velho burgo. Ainda existem restos inaproveitados da antiga planície onde se desenvolve o junco que outrora era utilizado e que hoje ninguém utiliza ou admira, a não ser os cientistas que andam à cata de novas espécies.
As ladeiras, que daqui de baixo, da planície, caminhavam em socalcos – os serrados, suportados por paredes de encosto, trabalhados com grande esforço, mas sempre produtivos, - estão hoje repletas de arvoredo selvagem: faias, incensos, canavial, que tudo cobre e nada permite que se aproveite.
Aqui, há meio século, o arvoredo só se desenvolvia no cimo das ladeiras e era cortado periodicamente, fornecendo as lenhas que era o combustível para os lares que cozinhavam a fogo directo as refeições diárias, e para os fornos onde se cozia o pão e o bolo e neles, também, se secavam os milhos que eram produzidos nas ladeiras e em outros terrenos do casal.
Hoje não se cultiva nem milho nem trigo. Importa-se a farinha ou compra-se o pão fabricado nas padarias.
Dos serrados das ladeiras já não se colhem as couves, os nabos, os funchos, nem as batatas doces ou “brancas”.
Os terrenos anexos às habitações – os chamados quintais - tudo produziam: além das hortaliças, os feijões, as ervilhas, as favas, as cebolas, os alhos e até o açaflor ou açafrão, as batatas brancas de inverno, e tantos outros produtos. E até neles existiam as figueiras e, aos cantos, as bananeiras, as parreiras de vinha... Em algumas casas não faltavam os belos jardins com sécias, craveiros, roseiras e outras plantas aromáticas e medicinais. Em alguns as camélias.
Actualmente tudo está abandonado. Desapareceu a mão de obra. Os trabalhadores rurais embarcaram.
Deixou de haver quem pudesse trabalhar, de foice e alvião ou sacho, os terrenos. Já não existem por cá os chamados “homens a dias”, que, normalmente, tinham a seu cuidado os quintais. Os animais “da porta” que puxavam os arados e as grades, foram substituídos pelos tractores e outras máquinas, incapazes de subirem as ladeiras. O abandono dos terrenos foi a única solução.
Causa pena ver o estado selvagem que agora nos rodeia. Uma saudade nasce ao recordar os molhos ou feixes de lenha que, ao fim do dia, presos a roldanas, eram enviados em fios, do alto das ladeiras, onde existiam as lenhas, até aos quintais, para serem utilizados nas cozinhas. O contacto das roldanas no fio provoca, ao anoitecer, faíscas que iluminavam e que eram o encanto da miudagem. Mas isso já não se pratica.
O uso do gás e da electricidade veio substituir as achas que os carreiros de São João traziam diariamente aos “fregueses” da vila, ou iam, através dos barcos da Fronteira para o Faial, conjuntamente com os cacetes para as fornalhas das caldeiras da central eléctrica E lembrando a freguesia de S. João, nem o célebre “queijo do Pico” aparece. Outras qualidades de leite, outros sistemas de fabrico, outros tipos de queijo, embora alguns classificados de “queijo do Pico”...
Para exportação resta o vinho mas não aquele que chegou às mesas dos czares. Outras castas e outras qualidades.
Hoje é tudo tão diferente! Todavia, recordar é viver.

Lajes do Pico,
3-3-2015

Ermelindo Ávila

A BALEAÇÃO

NOTAS DO MEU CANTINHO


Desapareceu a actividade baleeira mas falta fazer a sua história. Não pretendo fazê-la, pois é tarefa impossível para quem esta nota rabisca. Outros, melhor, o poderão fazer e é tempo de empreender esse importante estudo.
O Museu dos Baleeiros é a história viva da baleação, todavia há que passar ao papel, para “ad perpetuam rei memoriam” e enquanto é tempo, para não se perder um século de história económica e social desta ilha.
Verdade que, em 1788, já 200 barcos ingleses andavam pelos nossos mares à caça do cachalote, mas os lajenses só por volta de 1870 iniciaram a baleação, com os emigrantes americanos retornados.
Pouco mais de um século durou a actividade baleeira nestas ilhas dos Açores. No entanto, é vasta a bibliografia que a baleação nos deixou, portuguesa e estrangeira. Recordo, muito rapidamente, as Ilhas desconhecidas (1926) de Raul Brandão, Mau Tempo no Canal, o romance mais consagrado do emérito escritor Vitorino Nemésio, cujo tema básico anda à volta da Margarida e dos baleeiros do Guindaste, um suposto porto de baleação do Pico. A notável obra literária do escritor picoense Dias de Melo tem, quase exclusivamente, como tema único a baleação e as “estórias” que dela ficaram Na Memória das Gentes, cerca de três dezenas de livros alguns em segunda edição e até um com tradução japonesa.
Muitos outros escritores andaram por aqui a recolher elementos para os trabalhos que nos deixaram, versando a baleação. Lembro dos estrangeiros, o The hand of God –Whaling in the Azores, de Trevor Housby, inglês, e Daniel and the Whale Hunters, de Bernard Wolf, traduzido para português em edição da Câmara Municipal das Lajes do Pico. Muitos outros se publicaram, como o Moby Dick de Herman Melville.
Mais recentemente, podemos registar Robert Clarke, a quem se deve, na douta opinião do Coronel José Agostinho, o vocábulo “baleação”.
O estudo científico do Dr. Mousinho de Figueiredo, Introdução ao Estudo da Indústria Baleeira Insular (1946), deu a denominação da sociedade que instalou nas Lajes do Pico a fábrica de aproveitamento do cachalote – SIBIL e um outro estudo do Comandante Zolá da Silva, da mesma época, serviu de base à publicação da legislação sobre as Zonas Baleeiras, que não usufruíram os efeitos desejados.
O período áureo da baleação deu-se a meados do século passado. As Lajes do Pico passaram a ser conhecidas no Mundo e beneficiaram de um turismo especial que aqui aportou no desejo de conhecer a pesca artesanal do monstro marinho. E eles vieram da América, do Canadá e do Brasil; das diversas nações europeias e do Oriente ou, melhor dito, do Japão (mais especificadamente da Televisão Japonesa). Deixaram-nos excelentes testemunhos escritos, desde o espanhol ao japonês, cerca de oitenta (80), que arquivo, muito ciosamente. De 1970 a 1982.
E foi talvez a passagem dessas individualidades que mais valorizou a baleação nas Lajes do Pico.
Da baleação, a que muitos assistiram no alto mar, ficaram largas colecções de fotografias, livros e vários filmes, alguns deles adquiridos, mais tarde, pelo Museu dos Baleeiros que os exibe com regularidade, como é o filme “The last whalers”, de William Neufeld (Bill), um nova-iorquino, que aqui andou diversos verões.
As Lajes – Vila Baleeira- continua a ser o “santuário das baleias”, e foi por isso que aqui foi lançada a simpática actividade “whale watching “ pelo francês Serge Viallelle.
Para a grande maioria das famílias lajenses, a exploração da indústria baleeira representava uma estabilidade económica que nunca mais foi alcançada. A grande maioria dos baleeiros emigrou.
Depois multiplicaram-se as empresas exploradoras da nova actividade que servem para trazer ao porto das Lajes a maioria dos visitantes e levá-los a alojamentos distantes, depois da visita às baleias. Com raras excepções...
As canoas foram dispersas pelos diversos portos dos Açores e são utilizadas em regatas. Nas casas de recolha foi instalado – e muito acertadamente – o Museu dos Baleeiros. Outro grupo de armazéns recolhe as canoas que por cá ficaram e o Clube Náutico. As “vigias” são hoje utilizadas pelos operadores de “whale watching” para lhes darem a posição das baleias. A fábrica, embora conservando todo o equipamento, foi transformada em Centro de Artes e Ciências do Mar.
Desapareceram os estaleiros onde se construíam as canoas, e foi pena! Não pode nem deve esquecer-se que foi um artista lajense – Francisco José Machado – que, por volta de 1894, iniciou a construção da canoa baleeira no seu estilo actual, ainda hoje considerada a mais bela embarcação do mundo. Foi registada na Delegação Marítima com a denominação de São José.
O nome de Francisco José Machado passou ao esquecimento e bem merecia que fosse recordado.
Lajes do Pico,
10 de Março de 2015


Ermelindo Ávila

segunda-feira, 16 de março de 2015

SACERDOTES LAJENSES I I I

Notas do meu cantinho

Na vila das Lajes nasceu o Pe. José Garcia Pedro. Em 1925, foi para o Seminário de Angra, completando o curso, em 1936, e nesse ano foi ordenado, celebrando a Missa Nova a 26 de Julho. De seguida, foi nomeado pároco da Calheta de Nesquim. Decorrido um ano é colocado nas Velas de São Jorge, onde exerceu os cargos de vigário e ouvidor até 1978, ano em que passou à situação de manência. Cerca de quatro dezenas de anos depois, veio residir para a sua casa nesta vila. Faleceu, subitamente, no domingo de Páscoa, 30 de Março de 1986. Na vila das Velas, onde era muito querido e estimado, além de Pároco e Ouvidor, foi director e professor do Externato Cunha da Silveira, desde a sua fundação até à vinda para esta vila.
Podemos registar aqui o Pe. Dr. Fernando Herberto Leal Maciel que, embora não tendo nascido nas Lajes, mas na Horta, aqui viveu, com a família, desde a adolescência. Iniciou os estudos secundários no Seminário de Angra e depois transferiu-se para o Seminário de S. José de Macau. Licenciou-se em Filosofia na Universidade Gregoriana de Roma. Na Igreja de São Francisco das Lajes do Pico foi ordenado pelo então Bispo de Macau, Cardeal Costa Nunes e celebrou a Missa Nova. Faleceu em Macau.
Padre Dr. Manuel da Rosa Quaresma nasceu na Ribeira do Meio, subúrbio desta Vila, em 7 de Outubro de 1937. Fez o curso do Seminário de Angra e foi ordenado sacerdote, em 4 de Junho l961 e, a seguir, celebrou a Missa Nova na igreja de S. Francisco desta vila. Depois seguiu para Roma e na Universidade Gregoriana licenciou-se em Filosofia e Direito Canónico. Decorria o Concílio Vaticano II e o Dr. Manuel da Rosa tomou parte, como secretário do Cardeal picoense Dom José da Costa Nunes.
Depois seguiu para os Estados Unidos onde foi professor da Universidade Católica de Washington. Além disso, era igualmente um artista, deixando na sua residência pessoal, em Washington, numerosas obras dignas de museu sobretudo peças de mobília artística e originalmente elaboradas.
Faleceu, a 30 de Outubro de 2011, naquela cidade norte-americana.
Aquando do seu falecimento escreveu o antigo colega, Doutor Caetano Valadão Serpa1: Era um filósofo genuíno (o Doutor Manuel da Rosa) que nunca se cansava de salientar, com mestria, aspectos da filosofia clássica e moderna ou contemporânea. Sempre muito bem informado e enquadrado na problemática de uma visão actual. Realmente um intelectual de calibre pela sua maneira de ser e de carácter pessoal se manteve bastante isolado. Dotado de uma memória prodigiosa, recitava de cor grande parte dos Lusíadas e outros poemas de poetas de sua preferência. Mesmo antes de entrar na Universidade tinha seus filósofos preferidos que declamava com gosto, sendo estes os seus momentos mais extrovertidos que até lhe mereceram o cognome de “Descartes”.
*
E termino estas notas com uma referência especial ao Diácono Pedro Aguiar. Nasceu nas Lajes do Pico, a 27 de Novembro de 1989. Fez o curso secundário na Escola Secundária das Lajes do Pico e, no ano lectivo de 2009-2010, ingressou no curso teológico do Seminário de Angra. Foi ordenado Diácono, em 8 de Dezembro de 2014, e será ordenado sacerdote, em 21 de Junho próximo. Tem calendarizada a Missa Nova para o dia doze de Julho na Matriz desta Vila.
É o primeiro sacerdote da Paróquia da Matriz da Santíssima Trindade a ordenar-se no presente século XXI.
Auguramos-lhe as maiores felicidades materiais e espirituais.

*
Por último uma referência devida aos Ouvidores que, brilhantemente, exerceram sua actividade jurisdicional neste concelho.
A Ouvidoria das Lajes do Pico foi criada pelo Bispo D. Frei Jorge Santiago, 3º Bispo da Diocese (1552-1561), o qual criou também as ouvidorias de Vila Franca, Ponta Delgada, Vila do Porto, Angra, Praia, S. Cruz da Graciosa, Velas, Horta, e Santa Cruz das Flores. (Em parêntesis registo que só a das Lajes mereceu ser extinta!...)
O último Ouvidor foi o falecido Vigário das Lajes do Pico, P. Manuel Pereira Garcia, aquando da sua transferência para S. Caetano. Ingloriamente, deixou de ser provida de sacerdote titular. Um erro crasso que em nada serviu para glorificar o Senhor, de quem, talvez, nem sempre teve o discernimento necessário para administrar uma diocese dispersa por nove ilhas no meio do Atlântico...


Lajes do Pico
16-2-2015
Ermelindo Ávila

1 Jornal “Portuguese Times”, edição de 16 de Novembro de 2011

sábado, 7 de março de 2015

A propósito das Solenidades Quaresmais

NOTAS DO MEU CANTINHO


A Quaresma é o tempo litúrgico que a Igreja Católica reserva para recordar anualmente a Paixão e Morte do Redentor.
E fá-lo com solenidade e de maneira que os fiéis se compenetrem do grandioso acontecimento.
Da Misericórdia e das Procissões de Passos e de Penitência que na Matriz da Santíssima Trindade se realizavam anualmente já tratei em anterior escrito.(1) Mas, mesmo assim, vale a pena uma vez ainda recordar o solene acto litúrgico que se realizava no primeiro domingo de Quaresma. E foi nesse domingo, a 14 de Fevereiro de 1864, que a Filarmónica saiu a primeira vez para abrilhantar o cortejo processional da Penitência, no qual iam os andores com as imagens dos santos Penitentes: São Francisco de Assis, Santa Isabel Rainha da Hungria, Santo Elisiário e Santa Delfina, que o povo denominava “os Bem Casados”, porque ocupavam ambas as imagens um só andor. Na procissão era levada também a imagem do Senhor Amarrado à Coluna.
Outra procissão bastante concorrida, como aliás era a de Penitência, era a do Senhor dos Passos, promovida pela Irmandade da Misericórdia, cujos irmãos, trajando balandraus, é que conduziam o andor e insígnias. O Provedor levava a respectiva vara.
A procissão percorria as ruas do burgo, onde se situavam os “Passos”. Aí havia paragem e uma curta oração. Três deles ainda existem. Dois desapareceram com a construção, nos locais, de prédios urbanos. Para a procissão os passos eram e ainda são preparados pelos respectivos vizinhos.
A mesma procissão se realizava na freguesia da Piedade, onde igualmente existiam passos. Daí resulta, se denominarem alguns sítios daquela freguesia de “Passos Novos” e “Passos Velhos”. Alguns ainda lá existem.
Durante muitos anos, foi provedor da Misericórdia o comerciante João de Deus Macedo. Dele me lembro. Era uma figura simpática mas, por vezes, um tanto telhudo. E tanto assim que, quando estava nervoso, negava-se a vender alguns géneros que estavam expostos no estabelecimento. Fazia-o algum tempo depois.
No entanto, cumpria as suas funções com respeito e dignidade. Tanto assim que, por vezes, exercia o cargo de Administrador do Concelho. Na véspera da festa de S. Pedro, v. g., ia para o largo da Maré. Levava uma caixa com alfarrobas e aliciava o rapazio para fazer a limpeza do largo. Não lhe faltavam, com mira nas alfarrobas.
No seu estabelecimento vendia mercearia e louças, que importava de Lisboa. Uma das casas fornecedoras era a Jerónimo Martins que, julgo, ainda existe.
A louça vinha em grandes barricas e muito bem empalhada, para evitar os quebres. João de Deus (JD) guardava as barricas de madeira pobre e a palha e com elas fazia as grandes fogueiras de São João e São Pedro, em frente ao seu estabelecimento, situado às “Casas Velhas”, hoje Largo Edmundo Machado Ávila.
Havia nascido no Caminho de Baixo da Silveira e, desde novo, dedicou-se ao comércio. Depois adquiriu o prédio onde actualmente está instalado o “Lar da Terceira Idade” e aí montou o seu estabelecimento. Poucos anos antes de falecer trespassou-o ao comerciante Manuel da Rosa.
Na véspera das Procissões de Penitência e de Passos, que saíam da igreja de S. Francisco, onde permaneciam os Santos, preparavam-se os andores e as Imagens que eram e são “de roca”, e, na capela mor, o “calvário”. JD ia até lá para assistir aos trabalhos preparatórios. Levava normalmente uma caixa com bolachas e uma garrafa com licor, para servir àqueles que lá estavam.
Era, na realidade, uma pessoa muito especial, mas muito dedicado às missões de que era encarregado.
E todo este arrazoado vem somente a propósito do antigo provedor da Misericórdia, cuja Irmandade ainda hoje é a promotora da solenidade de Passos e Calvário.
______________
  1. Ávila, E. “Figuras e Factos – Notas Históricas”, 1993, I Vol, pág.s 156 e 217.

Lajes do Pico,
16-Fevereiro-2015.

Ermelindo Ávila

SACERDOTES LAJENSES II

Notas do Meu Cantinho


O Pe. Manuel Moniz Madruga, filho de José Joaquim Madruga e de Josefa do Carmo Moniz nasceu nas Lajes, a 8 de Novembro de 1855. Foi ordenado sacerdote, em 20 de Setembro de 1884, e, depois de frequentar o Seminário de Angra, foi cura do Capelo, no Faial, depois, vice - vigário da Candelária, em 1887, e, por fim, em 1889, foi nomeado Pároco colado da Feteira, Faial, onde veio a falecer, em 7 de Novembro de 1957, com 102 anos de idade.
No princípio do século XX, vários sacerdotes das Lajes se ordenaram. E diziam que muito havia contribuído para que frequentassem o Seminário o então vice-reitor Dr. João Paulino de Azevedo e Castro e o irmão, vice-vigário da Matriz das Lajes e que os havia preparado para o Ensino Primário, Pe. Francisco Xavier de Azevedo e Castro.
Pe. Francisco Soares, nasceu nesta vila, em 17 de Fevereiro de 1877, frequentou o Seminário de Angra e ordenou-se em 1900. Depois de estar no Lagedo das Flores, foi colocado na Piedade onde exerceu o seu munus até ao falecimento, em 1966.
Pe. José Vieira Soares, natural desta vila frequentou o Seminário de Angra e ordenou-se, em 1 de Setembro de 1901. Possuidor de uma voz maravilhosa, e de extraordinários dotes musicais, no penúltimo ano do Seminário foi nomeado capelão oficial do coro da Sé de Angra. E ainda seminarista pregou numa das novenas de Lourdes, nesta vila, no ano de 1900, por concessão especial do Prelado.
Após a ordenação, foi colocado na Fajã Grande das Flores, donde foi transferido, meses passados, para a Calheta de Nesquim. Dali veio para a Matriz das Lajes, como cura, assumindo as funções de Vigário, com o falecimento do P. Manuel José Lopes, em 6 de Maio de 1912, e de ouvidor com o falecimento do Pe. Francisco Xavier de Azevedo e Castro, em 1914. Faleceu, de doença grave que lhe provocou grandes sofrimentos, em 12 de Abril de 1948.
O Pe. Manuel Vieira Feliciano nasceu nesta Vila, em 10 de Agosto de 1879. Foi aluno do Pe. Xavier e frequentou o Seminário de Angra, vindo a ordenar-se em 29-12-190l. Foi colocado inicialmente nos Rosais de S. Jorge, sendo transferido para o então curato da Silveira, quando faleceu o antigo cura P. Jerónimo, em 25 de Março de 1905. Aquando do falecimento do Pe. José Vieira Soares, foi nomeado Vigário e ouvidor das Lajes do Pico. A ele se deve o restauro da Igreja da Silveira, destruída totalmente por um pavoroso incêndio, na noite de 24 de Junho de 1923, bem como a elevação do curato a Paróquia, por decreto de D. Manuel Afonso de Carvalho de 8 de Janeiro de 1957, sendo então o P. Feliciano nomeado Vigário com o título de Reitor. Faleceu em 26 de Março de 1962. Na igreja da Silveira foi colocada, com grande solenidade, em 13 de Agosto de 1930, a primeira Imagem de Nossa de Fátima, trazida para a Ilha do Pico.
Pe. João Vieira Xavier Madruga nasceu nas Lajes, em 1 de Junho de 1883. Ordenado em 1 de Novembro de 1905, ficou no Seminário como prefeito e professor, sendo colocado, após o encerramento do Seminário com a implantação da República, em 1911, como vigário e ouvidor do Topo, S. Jorge. Ali fundou o jornal “O DEVER”, em 1 de Junho de 1917. Em 1927 foi transferido como Vigário para a Candelária do Pico e, poucos anos decorridos, fica na situação de manente, passando a residir na sua casa nesta vila, para onde trouxe, em 1939, o seu “O Dever”. Durante dois anos, de 1946 a 1948, esteve nos Estados Unidos de visita a familiares, desempenhando ali uma acção missionária de muito relevo, principalmente na pregação das diversas festividades promovidas pelas comunidades portuguesas. Dessa visita escreveu em “O Dever” uma série de crónicas sob o título “Cartas da América” que, apesar de ter em vida autorizado, ainda aguardam publicação. Na Nação Americana “Deu-se por inteiro a missões paroquiais, retiros, novenas, tríduos, sermões de festas, conferências, entrevistas na rádio e imprensa luso - americanas, etc.”1 Em l925 tomou parte na peregrinação portuguesa a Roma e, depois, escreveu no seu jornal diversas crónicas de viagem que, em 1930, reuniu em livro sob o título “Dos Açores a Roma”; e em 1938 fez parte da Peregrinação portuguesa a Budapeste para tomar parte no Congresso Eucarístico Internacional. No dia destinado à Peregrinação portuguesa, foi um dos três conferentes, versando “A Eucaristia, laço de caridade nas relações entre os povos, na vida internacional”, de que se fizeram éco os órgãos da Comunicação Social. Foi então que o Arcebispo de Mitilene, D. Ernesto Sena de Oliveira, lhe dirigiu o convite para ficar no Patriarcado, em Lisboa, que o Pe. X.M. recusou. No seu jornal publicou, a seguir, uma série de 95 crónicas que, mais tarde, em 1955, reuniu em volume sob o título “... até ao Danúbio”. Antes de falecer, transferiu para a Paróquia a propriedade de “O Dever”, que havia dirigido durante 53 anos. Faleceu repentinamente nesta vila, em 3 de Março de 1971.
O P. Francisco Vieira Soares nasceu nesta vila, em 26 de Julho de 1902. Frequentou o Liceu de Angra e, depois, o Seminário, sendo ordenado, em 29 de Junho de 1927. Ainda no Seminário, fundou com outros colegas a revista “Prelúdios”, na qual deixou brilhante colaboração poética. Celebrou a Missa Nova, no dia 31 de Julho de 1927, na freguesia da Piedade, onde fora criado pelo tio P. Francisco Soares, após o falecimento da mãe, ainda jovem.2 Colocado como cura na freguesia dos Cedros, aí fundou, conjuntamente com um grupo de professores, a revista “O Eco Cedrense”, que dirigiu até 25 de Janeiro do ano seguinte. Foi, a seguir, transferido para a Horta, para a Redacção do antigo jornal “A Democracia” que passara a pertencer à Diocese, acumulando com o cargo de capelão do Hospital da Horta. Com o encerramento de “A Democracia”, o Pe. Soares esteve algum tempo na Prainha do Norte e, a seguir, foi colocado na freguesia da Lomba, nas Flores. Ali construiu o Passal e fundou a Filarmónica e, quando ia desfrutar de um merecido descanso, é transferido para Ponta Delgada daquela Ilha, e lá voltou a fundar uma filarmónica. Depois vem colocado para S. Caetano do Pico. Algum tempo depois, houve intenção de o colocar novamente nas Flores, mas o Pe. Soares preferiu ir para a Piedade auxiliar o Tio Pe. Francisco Soares e por lá se manteve. Na Piedade adquiriu uma casa para salão paroquial e fundou a Filarmónica. Sempre empreendedor e activo, jornalista e poeta de iluminada inspiração, realizou outros trabalhos na própria igreja paroquial. Vítima de um ataque de angina pectoris, faleceu, bastante novo, a 24 de Agosto de l963.

Lajes do Pico,
16 de Fevº de 2015.
Ermelindo Ávila

1 Carlos, Padre José, “Daqui houve Missionários até aos confins do Mundo”, 2000, pág-73.

2 De “O Eco Cedrense”,19-3-19829 : Quando eu era pequenino / Antes de adormecer / Minha mãe tinha o costume / de me ensinar a benzer/ (...) Depois, minha Mãe morreu! / Agora pobre de mim... / Deus me dera ter morrido, / Enquanto sonhava assim” – Amâncio Victor ( P. Francisco Vieira Soares)

SACERDOTES LAJENSES - I

NOTAS DO MEU CANTINHO

Aqui há meses, recordei, neste semanário, os Sacerdotes naturais da actual Paróquia de S. Bartolomeu. Hoje trago aqui aqueles Sacerdotes que nasceram na Paróquia da Matriz da Santíssima Trindade, deixando de referir os que à Silveira se referem, por os já ter lembrado.
Não posso ir muito atrás, pois os elementos históricos só se referem, praticamente, aos sacerdotes que frequentaram o Seminário de Angra, após a sua instalação, em 9 de Novembro de 1862.
Sabe-se que o primeiro pároco das Lajes foi Frei Pedro Gigante, capelão da nau que aqui trouxe os primeiros povoadores e a ele se deve a ermida dedicada ao Apóstolo S. Pedro, seu Santo onomástico.
Em “Espelho Cristalino...” o autor diz que, a Vila das Lajes, é do Orago Trindade (sic), tendo como Vigário o Padre Belchior Machado, Beneficiados os Padres Manoel Rodrigues, António D´Utra e Mathias Soarez e sendo Cura o Padre Domingos Gonçalves. O Pico tinha ao todo, 23 clérigos pagos pelo Rei. E Frei Diogo das Chagas diz ainda : “O primeiro Vigário que acho haver servido nesta Vila e Ilha se chamou Frei Pedro Alvarez Gigante (...) O segundo Vigário foi Jorge Affonso; o Terceiro Gonçalo de Lemos; 4º o licenciado Gaspar Fernanddez Noraes(...) O 5º foi António Rodriguez Teixeira que muiitos anos foi Cura da Sé (...) O 6º o Licenciado em Teologia António Pacheco Tilheiro natural de Angra (...) O 7º foi Roque de Melo (...) o 8º foi Bartolomeu Moreira de Viveiros(...) o 9º foi Belchior Machado natural da mesma ilha e Vila, que hoje a serve e é o primeiro natural, que nela entrou por Vigário. Estava-se no ano de 1645, salvo erro.1
Embora somente um fosse natural da Vila das Lajes, referem-se somente porque foram seus primeiros párocos e de toda a ilha do Pico.
A História fala-nos do Vigário Gonçalo de Lemos, vigário da igreja da Vila das Lajes, Pico, (atrás referido) o qual foi exceptuado do Perdão concedido aos açorianos, por Decreto de 14 de Julho de 1586, de Filipe de Castela, por ser partidário de D. António, Prior do Crato. É esse o motivo porque o Município lajense lhe dedicou o largo do Cruzeiro, desta vila.2(2)
Natural da freguesia da SS. Trindade era o Pe. João de Deus Madruga. Nasceu em 1785. Estudou com os frades franciscanos no convento desta vila. Foi ordenar-se a Lisboa e voltou para cura da Matriz desta vila, onde faleceu em 1874.
Outros mais se seguiram sem que a História, deles nos desse notícia.
No século XIX, com a criação do Seminário diocesano e o estabelecimento do Registo Paroquial, sabe-se que o Pe. António Ribeiro Homem da Costa, natural desta vila (nasceu e viveu na antiga Rua do Poço) foi aqui vigário e ouvidor até ao falecimento, em 1887, com 59 anos de idade. Sucedeu-lhe o P. Manuel José Lopes, embora natural de Santa Cruz das Ribeiras, onde nasceu a 19 de Fevereiro de 1856, aqui foi criado e, depois de frequentar o Seminário diocesano, foi aqui vigário colado, desde 8 de Setembro de 1888, até ao falecimento em 6 de Maio de 1912. A ele se ficou a dever a construção da nova igreja Matriz que não viu concluída, pois só foi inaugurada em 28 de Maio de 1967.
Registe-se que, no primeiro ano do Seminário, dos 26 alunos matriculados, oito eram da ilha do Pico, 14 da ilha Terceira, l da Graciosa, l das Flores, 2 do Faial, e l de S. Jorge. Não constava nenhum de S. Miguel nem de Santa Maria, mas a explicação não é dada. De todos eles conheci o cónego Luís Coelho de Barcelos, falecido em Angra, em Abril de 1930.
Do Pico requereram a admissão no Seminário, como referi, oito alunos que vieram, depois, a exercer a sua actividade sacerdotal na ilha. Entre eles conta-se o P. António Lúcio Ribeiro, que foi para o Seminário com 58 anos, depois de viúvo, ordenando-se em 17 de Julho de 1864. Voltando à Lajes, onde regia a cadeira de Latim e Latinidade, reassumiu as funções de professor com as de cura da Matriz. Faleceu em 8 de Abril de 1868.
O P. José Moniz Barreto nasceu nesta vila, em 1 de Julho de 1843. Foi pároco colado na Prainha do Norte, desde 6 de Junho de 1881, até à aposentação em 1913. Continuou a residir na Prainha até ao falecimento, em 14 de Setembro de 1919.
Aqui nasceu, em 4 de Fevereiro de 1852 o Bispo D. João Paulino de Azevedo e Castro que, depois de cursar a Universidade de Coimbra, foi vice-reitor do Seminário e Bispo de Macau, onde faleceu a 17 de Fevereiro de 1918. O irmão, P. Francisco Xavier de Azevedo e Castro nasceu nesta vila, em 27 de Janeiro de 1844, e ordenou-se sacerdote depois de viúvo. Celebrou a Missa Nova no mesmo dia do irmão. Foi Vice-vigário da Matriz e Ouvidor Eclesiástico. Faleceu em Lisboa, onde tinha ido a consulta médica, em 28 de Maio de 1914.
Professor do Seminário foi o Pe. João Silveira Madruga, nascido nas Lajes a 11 de Setembro de 1861. Ordenado em 29 de Março de 1884, passou a exercer, no próprio Seminário, além do cargo de prefeito, a regência da aula de Latim, até emigrar para o Brasil, em 1901, ali falecendo, em 7 de Outubro de 1921, atropelado por um vagão de minério.
Nas Lajes nasceu, a 1 de Julho de 1843, o Pe. José Moniz Barreto, que viria a ordenar-se sacerdote em 15 de Março de 1868. Faleceu na Prainha do Norte, onde fora pároco e se encontrava manente, em 14 de Setembro de 1919. Seus pais foram José Moniz Barreto e Bárbara da Conceição, também naturais desta vila.

Lajes do Pico,
Fevereiro de 2015.
Ermelindo Ávila


1 Chagas, Frei Diogo, “Espelho Cristalino em Jardim de Várias Flores”, 1989, pág 526.

2 Macedo, António Lourenço S., “História das Quatro Ilhas que formam o Distrito da Horta”, I Vol. 1871, pág 372.