segunda-feira, 14 de setembro de 2015

Turismo, próspera indústria da actualidade

A  minha nota

Quem viveu o século vinte assistiu, após a segunda guerra mundial, a uma evolução industrial notável, principalmente no sector turístico, indústria até então quase desconhecida.
Na vila das Lajes existia somente a Pensão da Maria José e era nela que se hospedavam os caixeiros viajantes que anualmente visitavam as diversas ilhas dos Açores, o cocheiro, condutor do carro da mala do correio entre a Madalena e Lajes e, anualmente, a Junta de Recrutamento Militar e pouco mais.
Idênticas situações existiam nas outras vilas picoenses e até nos Açores. Na Madalena mais tarde apareceu a do Estevão e, no Cais do Pico, a Gomes, e depois a do Garcia, em edifício próprio. Nesta os magistrados que eram colocados na comarca, cuja sede era no Cais do Pico, não se hospedavam porque o proprietário era funcionário judicial…
No princípio do século, foi fundada em Ponta Delgada, a sociedade Terra Nostra que assumiu a construção do Hotel das Furnas e a Pensão Terra Nostra na cidade.
Em Angra existia, salvo erro, a Pensão Lisboa, junto ao Cais da Alfandega e a Pensão Lourenço, em frente ao Jardim Público.
Na Horta, havia o Hotel Fayal que após legislação especial passou a denominar-se Pensão Continental – Antigo Faial Hotel.
A meados do século XX foi criada a Comissão Regional de Planeamento constituída por diversos grupos de trabalho. E lá surgiu o grupo de Trabalho de Turismo, do qual faziam parte e “pontificavam” os vogais das Comissões Distritais de Turismo. Uma maneira hábil de fazer vingar os seus projectos. 
Foi construído, na Horta, o Hotel Faial com a ajuda do Governo, embora, para o efeito, se fundasse uma sociedade por quotas ou semelhante. 
Na ilha do Pico o próprio governo veio a construir o Hotel Caravelas, na Vila da Madalena e por aí ficou.
Presentemente, o Pico possui alguns estabelecimentos hoteleiros embora não aqueles que necessita e que há muito vem reclamando.
Temos o hotel “Aldeia da  Fonte”, mas distante do  centro da Vila. 
Nas Lajes existe o Hotel do armador de whale-watching, Serge Viallele, mas praticamente destinado aos visitantes das baleias e o Alojamento Bela Vista, pertencente ao armador Camilo Simões 
Pela Ilha vai surgindo com alguma intensidade o agora denominado Turismo rural que está a ser bastante aproveitado pelo turismo estrangeiro. No verão vale aos jovens, principalmente em grupos, que aqui aparecem, o Parque de Campismo que presta óptimos serviços. Igualmente de assinalar a Pousada da Juventude instalada, acertadamente, no antigo convento franciscano, no Cais do Pico. Mas tudo isso não basta. 
Importa cultivar um turismo de qualidade, chamo-lhe assim, e para isso construir edifícios próprios para hotéis nas localidades centrais. Sem os hotéis centrados nas vilas picoenses o turismo não vingará nem será indústria do futuro.
Lajes do Pico, 8-9-2015
Ermelindo Ávila


CAPELAS E ERMIDAS

NOTA DO MEU CANTINHO



A Ilha do Pico tem diversas capelas dedicadas aos mais diversos santos da devoção dos seus habitantes. E vem de longe essa devoção.
A primeira que ainda existe e foi a Paroquial dedicada a São Pedro, talvez porque esse era o nome do capelão que acompanhou os povoadores, Frei Pedro Alvarez Gigante, ainda se conserva e hoje é considerada imóvel de interesse nacional. (Falta-lhe, porém, a placa indicativa).
Frei Diogo das Chagas, o mais antigo historiador açoriano, embora a sua obra se tivesse conservado quase inédita até 1989, regista no “Espelho Cristalino em Jardim de Várias Flores”, escrito por volta de 1646, indica, que a ilha do Pico possuía já treze freguesias das quais quatro eram curatos: “Santa Luzia, Boa Nova nas Bandeiras, Nossa Senhora da Candelária e São João em que administra um dos dois Curas que havia nas Lagens.”
No Relatório de 1867, o governador civil Santa Rita, refere as ermidas com confrarias: Imaculada Conceição, no Cabo Branco; Santa Ana, no lugar do Pesqueiro; Benditas Almas, no lugar dos Toledos.
Nas Bandeiras, também havia três ermidas: Nossa Senhora do Desterro, no Cais do Mourato; Nossa Senhora dos Milagres, no Cachorro; e S. Caetano, no Cabeço Chão. Na Criação Velha, uma dedicada a N.ª Senhora do Rosário, ”que dá nome ao sítio onde está edificada”.
Na Candelária, havia duas ermidas: uma dedicada a Nª Senhora da Conceição, no porto e outra à Senhora da Boa Nova, no porto do Guindaste.
A paróquia de S. Mateus possuía três ermidas: Nª Senhora da Conceição, junto ao porto; de S. Jerónimo, ao pé do porto, e S. Caetano, no porto da Prainha do Galeão.
Nas Lajes havia a igreja da Misericórdia, já caída, a de S. Pedro e a dos Remédios, já bastante deteriorada, como refere o relatório.
Na Silveira, a de S. Bartolomeu; a de S. Sebastião, na Ribeira do Meio e a de Santa Catarina. Não faz referência à igreja ou ermida de Nª Senhora da Conceição por estar anexa ao convento franciscano, onde já funcionavam as repartições públicas.
Em São João exista, e recentemente foi completamente restaurada, a ermida de Santo António, que serviu de paroquial após as erupções vulcânicas de 1720. Havia uma outra ermida por fora da qual foi construída a actual igreja paroquial, começada em 1829.
Nas Ribeiras havia as ermidas do Bom Jesus, actual igreja paroquial de S.ta Cruz e a de Nossa Senhora do Socorro, em S.ta Bárbara.
Na Calheta não existia qualquer ermida, enquanto na Piedade havia três: a de S. Tomé, na Manhenha, de Santo Antão, na Ribeirinha, hoje igreja paroquial, e a da Conceição da Rocha, no sítio do Calhau.
S. Roque possuía duas ermidas: S. Miguel Arcanjo e Nossa Senhora das Dores. Além da paroquial tinha a igreja de São Pedro de Alcântara, anexa ao extinto convento franciscano. Existia a ermida da Misericórdia em completa ruína e que há muito desapareceu.
Em Santo Amaro não existiam ermidas. A Prainha tinha três ermidas: A da Senhora das Dores, na Areia do Mouro, a da Prainha de Cima e a de S. Pedro no lugar de S. Pedro.
Em Santo António a ermida de Santa Ana, situada no lugar do mesmo nome; a de S. Domingos, no lugar das Almas; a de S. Vicente, situada no Ginjal; a da Madre de Deus, erguida no Areal.
Em Santa Luzia registou a ermida da Senhora da Pureza, no sítio do Lajido e a de São Mateus, no sítio do Cabrito.
Uma parte das ermidas situava-se em lugares de veraneio, tinha património próprio e como protectores certos titulares da antiga nobreza.
Algumas das ermidas desapareceram e outras foram construídas como é o caso da ermida da Almagreira, dedicada à Rainha S.ta Isabel; a do Coração de Maria, edificada no lugar das Terras; a Nª. Senhora de Fátima nas Pontas Negras; a de S. João, na Ribeira Grande; a de S.to António, nos Fetais da Piedade; a de Nª Senhora da Boa Viagem no caminho de Baixo; nas Ribeiras, e uma outra com a mesma invocação no Caminho de Baixo das Ribeiras. A de São João Paulo II, da Engrade, do Cais do Galego, na Piedade, e de S. Pedro, na Baixa, na Ribeirinha.
No sitio da Mirateca foi há anos construída uma Capela dedicada a S. Nuno Alvares Pereira; e, em S. Mateus foi também construída uma ermida, no lugar das Relvas, dedicada a Nª Senhora da Alegria.

Lajes do Pico,
25 de Agosto de 2015

Ermelindo Ávila

segunda-feira, 31 de agosto de 2015

REGATAS BALEEIRAS

NOTAS DO MEU CANTINHO


Há muito que a baleação terminou. A recordá-la ficaram o Museu dos Baleeiros e as artísticas e elegantes canoas que um antigo calafate lajense idealizou e construiu. Bastante jovem tinha a vontade forte de construir uma canoa bem melhor do que aquelas que vinham importando dos Estados Unidos e que mais não eram do que pequenas embarcações que navegavam a bordo dos antigos barcos baleeiros. (Isto já foi escrito e reescrito mas importa recordar, para conhecimento daqueles que teimam ignorá-lo). E recordo que estive a bordo da última baleeira que restava da numerosa frota, em Mistic Port, nos Estados Unidos da América, são decorridos mais de trinta anos.
Com as antigas canoas baleeiras importadas da América do Norte, nunca se fizeram regatas nos mares dos Açores. Tinham de ser reservadas para a caça a baleia, a que eram destinadas. No entanto, com a visita régia aos Açores, em 1904, realizou-se na baía da Horta a primeira de que reza a História. Venceram as canoas das Lajes que já então eram, na quase totalidade, construídas pelo calafate lajense, Francisco José Machado – o Experiente. E tão bem se houveram os baleeiros lajenses nos seus excelentes botes que o Rei Dom Carlos ofereceu um bote baleeiro às armações do porto das Lajes. Note-se que tudo isto aconteceu há mais de um século.
A caça à baleia acabou. As canoas baleeiras foram adquiridas pelo Governo Regional para compensar os sócios das armações dos prejuízos sofridos, e distribuídas pelo portos açorianos. O porto das Lajes ficou deveras prejudicado com a saída de algumas canoas, não digo as melhores porque a diferença entre essas esbeltas embarcações era quase nula.
Agora são utilizadas nas regatas promovidas durante o verão e fazendo parte dos programas das principais festas. E por lá andam as canoas lajenses que, no decorrer da baleação, enquanto ela foi praticada, fizeram história.
Trazem os nomes primitivos com que foram registadas nos Serviços Marítimos e baptizadas, pois era normal qualquer canoa, após a construção e antes de entrar em actividade, ser benzida ou, como se dizia, baptizada pelo pároco que tinha jurisdição eclesiástica no porto de baleação. E até os nomes ou denominações têm uma origem particular. Normalmente, as canoas tomavam o nome de uma criança, filha ou parente do gerente da armação proprietária, ou de algum santo da devoção de qualquer armador. A canoa que está exposta no Museu dos Baleeiros, porque foi construída para a armação de Joaquim José Machado, Lda. quando a jovem Santa de Lisieux passou a ser uma das de maior devoção dos lajenses. E ainda existem a “Maria Armanda”, a “Celina, a ”Ester” e outras mais.
Em 1897, estavam registadas nos Serviços Marítimos dezasseis canoas pertencentes ao porto das Lajes do Pico. Era a “Aurora”, a “Amélia”, mas também o “Santo Cristo”, o “Espírito Santo” ou a “Águia” e o “Capricho”... A Ilha do Pico possuía naquela ano, além das Lajes, quatro canoas em São Roque, quatro nas Ribeiras, e 3 na Calheta de Nesquim. A fugir um pouco à tradição, chamavam-se “Pátria”, “Democrata” e “Calhetense”. E eram todas construídas seguindo o modelo criado pelo Mestre Francisco José o “Experiente”. Algumas canoas foram desaparecendo com o “envelhecimento”, outras vendidas para portos de outras ilhas e algumas ficaram.
Hoje as canoas baleeiras, de estilo único, elegante, “airosas” como dizem, umas melhores para andar de vela, outras a remos, andam por aí, como já referi, a alegrar as festas em cujos programas se inclui uma regata. Seja na Semana do Mar, seja até na Festa do Bom Jesus.
As canoas lajenses, ou picoenses, criaram fama e ficaram na história marítima Foram até aos Estados Unidos onde, aliás, nasceu a baleação, para ficarem no espólio dos Museus Baleeiros daquele país. E é ainda um calafate picoense que as constrói cá, ou vai construi-las a New Bedford, como é o caso do Mestre João Tavares que agora se dedica à construção dessa invejável rainha dos mares.
É acontecimento que a História regista: a emigração dos quarenta casais de picoenses que, após a crise sísmica de 1718 e 1720, emigraram para Santa Catarina, no Brasil. Eles por lá ficaram e os seus descendentes, que hoje ocupam as mais distintas posições culturais e sociais, têm muito orgulho das suas raízes e mantém respeitosamente a tradição dos hábitos, das festas tradicionais, e dos costumes dos seus antepassados. Lá celebram com todo o esplendor as Festas do Espírito Santo e outras mais e, nos portos, conservam os barcos e batéis no estilo dos botes baleeiros introduzidos por seus avoengos. Até nas pinturas dos cascos e das cintas...
Será maldosa e cretina ideia querer agora, que a faina baleeira terminou, chamar a outros lugares a autoria da criação de um tipo de canoa, que não passou de uma iniciativa falhada. A canoa baleeira criada e construída nas Lajes do Pico por Francisco José Machado, foi e é única e a mais bela embarcação do mundo, repito, uma vez mais!

Vila Baleeira dos Açores.
Agosto de 2015

Ermelindo Ávila

O PICO EM FESTA

A MINHA NOTA


A ilha do Pico está em festa. Uma festa contínua que se iniciou na Madalena, passa por São Mateus, “salta” a São Roque e termina na Lajes. Sem referirmos as que se realizam no mês de Setembro em diversas freguesias, a começar pela de Nossa Senhora da Piedade.
Em anos passados a festa principal da Ilha era a do Bom Jesus, em São Mateus. É isso que nos diz o Bispo Dom João Paulino, numa série de artigos publicados no “Peregrino de Lourdes”, de Angra, em 1889. E começa o primeiro, referindo-se à origem da Festa de Lourdes:
Em 1881 no mês de Agosto passava pela freguesia de S. Mateus da ilha do Pico, por ocasião da festa que anualmente ali se celebra no dia 6 em honra do Bom Jesus um sacerdote da vila das Lajes da mesma ilha. Viu e admirou o entusiasmo religioso da imensa multidão de fiéis que de todos os pontos da ilha e de fora dela ali haviam concorrido impelidos pela devoção à imagem do Senhor Ecce Homo que sob aquela invocação se venera na igreja da freguesia. E, depois, acrescenta: Há trinta anos ainda não havia ali a imagem do Senhor que dela é objecto.
E é o mesmo articulista que escreve:
Numa das primeiras entrevistas que teve com o seu inolvidável amigo o Padre António Ribeiro Homem da Costa, ouvidor das Lajes e vigário da matriz daquela vila, propôs-lhe o seu pensamento, (...) o Padre Ribeiro, longe de oferecer a menor hesitação imediatamente acolheu o pensamento do seu amigo apenas este lho comunicou. – O estabelecimento do culto de Nossa Senhora de Lourdes na vila das Lajes era da máxima oportunidade. E realmente foi o aconteceu. As primeiras festas realizaram-se em Setembro de 1883, pela chegada tardia da Imagem. (...) Festa de tamanho luzimento jamais fora vista dentro dos muros daquele templo.
Desde 1884, porém, a festa tem lugar no último domingo de Agosto. E já são decorridos cento e trinta e um anos.
A Madalena celebra (já celebrou no ano corrente) a sua festa principal no dia 22 de Julho, dia liturgicamente designado para a comemoração da Padroeira, Santa Maria Madalena. A festa religiosa sempre se celebrou com grande esplendor litúrgico. Os festejos externos são de realização mais recente. Por volta de 1965 a festa foi notoriamente solene e bastante concorrida. O Município havia conseguido que o feriado municipal se celebrasse no dia da Padroeira. A vila foi engalanada a preceito e uma feérica iluminação eléctrica cobriu a parte central do burgo. Para isso veio de Angra o técnico electricista Fausto. E assim tem continuado, felizmente.
São Roque, porque houve mudança inadvertida e prejudicial da sede do Município, passando de S. Roque para o antigo convento franciscano, extinto por decreto de D. Pedro em 1823, deixou de interessar-se um pouco pela festa do Padroeiro. E tanto assim que, actualmente, os festejos principais são aqueles que se realizam no Cais do Pico e se designam por “CaisAgosto”.
Uma festa assinalável e que decorreu com brilho foi a que se realizou em 16 de Agosto de 1940, integrada nas comemorações do Duplo Centenário da Independência e Restauração de Portugal. Na ocasião, com a presença do Governador do Distrito e outras autoridades distritais, foi inaugurada nas imediações do porto do Cais do Pico a estátua do Rei Dom Dinis, que lá se encontra. Depois seguiu-se a solenidade religiosa na Matriz de São Roque, na qual foi orador o Ouvidor das Lajes, P. José Vieira Soares. Uma festa realmente brilhante e bastante concorrida.
Hoje São Roque continua a celebrar a festa do Padroeiro na sua igreja Matriz, a mais antiga da ilha e que ainda conserva a Capela mor oferecida, aquando da construção do templo, pelo Rei Dom João V. Uma relíquia que muito valoriza aquele templo e que merece ser acautelada com todo o carinho.
E, a propósito das festas de S. Roque, escreveu o saudoso P. José Idalmiro (Património Religioso – Concelho de S. Roque do Pico, pág.3): Em tempos não muito remotos assumiu a festa do Padroeiro que também o é do Concelho, esplendor assinalável. – Balões à veneziana emolduravam espectáculo atraente a iluminar o adro e a rua adjacente. Nesta, o célebre fogo de artifício que Tomé Mamede armava na sua oficina do Cais, era forte motivo de atracão dado o ineditismo do facto.”
E as Festas continuam. São indispensáveis para, na parte religiosa, afervorar a fé dos crentes, e na parte externa, pelo convívio ameno que proporciona a quantos nela tomam parte.
Não é possível, neste simples arrazoado, mais dizer.

Lajes do Pico,
24 de Julho de 2015

Ermelindo Ávila

domingo, 21 de junho de 2015

PESCA ARTESANAL

NOTAS DO MEU CANTINHO


Em 1878, decorridos que são cerca de 140 anos, a freguesia da Santíssima Trindade, actualmente Lajes do Pico, tinha 3157 habitantes, quase tantos como hoje o próprio concelho.
Havia profissões que desapareceram praticamente, pois deixou de haver quem se interessasse por exercê-las. Basta atentar em algumas: sapateiros 16, carpinteiros 13, serradores 7, pedreiros e cabouqueiros 18 e ferreiros 12. Mas uma profissão era a mais exercida: quase só na vila havia 145 indivíduos que se dedicavam à pesca. A baleação ainda não estava em plena actividade.
No porto das Lajes, existiam diversos barcos e lanchas (barcos mais curtos e de popa traçada) que se utilizavam exclusivamente na pesca. No verão acontecia os marítimos das Lajes irem pescar para portos de ilhas vizinhas: Topo e Velas de S. Jorge, e Biscoitos da Terceira, além de outros. Iam nos próprios barcos e para que eles pudessem levar toda a palamenta e bagagens eram-lhes colocadas “bordas falsas”: alteavam o costado com tábuas suplementares. Na bagagem iam sempre sacos de “bolo de milho torrado”, para as sopas dos caldos de peixe. E este prato era normalmente cozinhado com o melhor peixe apanhado no dia.
Sempre que o mar permitia, os barcos da vila iam pescar, para as baixas conhecidas, o chamado “peixe de fundo”.
Lembro, no entanto, o Mestre Bento que saía à pesca, no seu barco, todas as manhãs para voltar cerca do meio dia com o peixe que servia para o jantar dos compradores. E não faltavam. Outros mestres iam nos seus barcos, com as respectivas companhas, durante a noite, para a pesca do “peixe de fundo”: abróteas, congros. gorazes, moreias e, quando calhava, lagostas. E muito mais.
Nas épocas próprias, era a cavala, o bonito (cachorra), o chicharro esta espécie apanhada no Limpo, (um extenso areal submerso em frente dos Biscoitos,) com uma rede, ou “enxelavar”. Quando a pesca era abundante e no porto não havia compradores, normalmente as mulheres dos marítimos levavam o pescado restante, em celhas à cabeça, para os lugares afastados, Terras ou Silveira e Almagreira, e aí faziam a troca de peixe por géneros da agricultura. Outras preparavam o peixe para salgar e secar, para ser utilizado no Inverno, ou vendido ou trocado no Pico, ou na ilha vizinha.
Com a instalação da fábrica de conservas, nos anos quarenta do século passado, surgiram as traineiras, tipo San Diego, que passaram a pescar, no mar alto, a albacora e o bonito, para serem industrializados. Nos tempos altos, o concelho das Lajes chegou a ter trinta e seis traineiras, pois em todas as freguesias se organizaram sociedades para a exploração da pesca do atum. Mas tudo desapareceu quando da falência da sociedade proprietária da fábrica. As traineiras foram vendidas para outras paragens e hoje, com o desaparecimento do pescado (bonito e albacora) nenhuma por cá existe. Por essa razão a pesca para uso doméstico desceu um pouco.
Com a proibição da caça da baleia e o encerramento da indústria conserveira, a vida do Mar diminuíu bastante, agora agravada com a criação de uma entidade que nenhum proveito trouxe a estas bandas da ilha. Refiro o serviço da Lota, organismo que praticamente aqui não existe. Depois de demolida a “Pesqueira”, - poucos anos havia que fora construída pela Câmara Municipal, - o peixe para consumo passou a ser vendido num contentor, transformado em posto de venda, sob a administração da associação de pescadores do Pico, que somente funciona nos dias úteis das 7 às 11 da manhã, vendendo o peixe trazido da Lota, pois todo o pescado tem de ser concentrado naquele serviço instalado a 35 Km, para ser distribuído refrigerado pelos postos de venda da ilha. Deixámos assim de poder saborear o “peixe fresco”, como antigamente, uma vez que os nossos marítimos têm de entregar o seu pescado naquela Lota. Afinal, uma inovação aberrante que em nada beneficiou nem a qualidade, nem o preço do pescado.
Diz-se e escreve-se que as várias espécies do peixe existente nos mares destas ilhas são da melhor qualidade. Mas quem disso beneficia?
Passando nas imediações do porto recordam-se com alguma saudade os barquinhos e o pescado vário que, quando o tempo permitia, era trazido todas as manhãs, espalhado no areal, e dividido: o “dízimo”, as “soldadas” do barco e pescadores e, por vezes, o “monte-mor”. Com o “dízimo” ali leiloado pelo guarda - fiscal, ficava pago o único imposto devido ao Estado. As “soldadas” constituíam o ganho de cada pescador e da própria embarcação. O “monte-mor” quando retirado, revertia em benefício de toda a companha...
Todos os portos de pesca tinham um membro da Guarda-Fiscal, que habitava em edifício pertencente ao Estado, junto do porto. Exercia também as funções de cabo do mar, onde esse funcionário não existia. Actualmente, os edifícios dos postos da Guarda-Fiscal estão desocupados e quase em ruínas.
Como diz o povo, “tudo o vento levou” !...


Lajes do Pico,
2-06-2015.

Ermelindo Ávila

SANTOS POPULARES

A MINHA NOTA


Chegamos ao mês de Junho tradicionalmente conhecido como o mês dos Santos Populares, pois celebram-se Santo António no dia 13, São João no dia 24 e São Pedro a 29.
Santo António de Lisboa, assim conhecido, é o feriado municipal de Lisboa e o dia dos casamentos patrocinados pelo Município da Capital.
São João é festejado, de diversos modos, em várias ilhas açorianas e no continente. Igualmente com S. Pedro. Além de ser o feriado municipal das Lajes é dia em que a cidade da Ribeira Grande celebra, com pompa e entusiasmo, as tradicionais Cavalhadas, e não sei se em outras localidades.
São João é o mais popular, tanto assim é que cerca de meia dúzia de concelho açorianos escolheram esse dia para feriado municipal.
Desde remotas eras, a Horta festeja o São João, com romaria à Caldeira e “merendas” nas matas sobranceiras. Por essa razão, foi ali construída uma ermida dedicada ao Santo Precursor.
Mas, na realidade, as maiores festas realizam-se em Angra – as festas da cidade – com cortejos, marchas e danças que atraem à cidade património mundial milhares de forasteiros e emigrantes.
Iguais danças ou marchas realizam-se em Vila Franca do Campo, embora hajam sido transferidas para um dia mais próximo.
Em anos passados o São João era festejado, de modo diferente, em todas as ilhas. Predominavam as “fogueiras”, na noite da véspera, que a rapaziada percorria a saltar, mesmo que elas estivessem bem “espertas”. Havia comerciantes que guardavam as embalagens desse dia para as fogueiras. As ruas eram térreas e nada impedia que nelas se fizessem as “fogueiras”. Depois de passar a ser utilizado o asfalto na sua cobertura, tornou-se impossível fazer fogueiras.
No dia de S. João, normalmente, as famílias ou grupos de amigos reuniam-se nas adegas, na costa – quando o tempo permitia - ou nos montes sobranceiros à respectivas localidades para as “merendas” abundantes e apetitosas.
Hoje não há fogueiras nem merendas. Nem as moças fazem as “advinhas” durante a noite para saber o noivo que lhes caberia. Não se torna necessário recorrer ao santo casamenteiro...
Vale a TV a transmitir o que em outras terras se realiza com as danças e marchas, aliás, por vezes bastante artísticas e coloridas.
Elas já principiaram no ano corrente e são de molde a agradar aos mais exigentes, que muitos e de diversas terras são.
Em anos passados, a noite de S. Pedro era festejada com arraial na Maré. João de Deus Macedo tinha isso a seu cuidado e nas vésperas do dia da festa aliciava o rapazio com alfarrobas para irem limpar o areal da Maré do lixo que ali se acumulava durante o ano, quando o mar bravo não vinha fazer “essa limpeza”, para que o sítio estivesse aprazível para o dia da festa. Presentemente, a festa tomou um cariz diferente com a realização do “Império”, no largo da Matriz, antes conhecido por “Meio da Vila” e que, actualmente, tem a denominação de “Largo General Lacerda Machado”.
E deixo um voto: Que as festas decorram com ordem, paz e harmonia e que todos as gozem, alegremente.

Lajes do Pico,
Junho de 2015

Ermelindo Ávila

QUOTAS LEITEIRAS

NOTAS DO MEU CANTINHO



Bem longe vão os tempos em que era agradável ver passar pela rua principal da vila, grupos de moças da Silveira e Almagreira, levando à cabeça ou aos ombros, como era então usual, grandes canecas com leite, tirado das vacas que pastavam nos terrenos da Queimada e Terras.
Caminhavam aos grupos, normalmente ocupando a largura da rua, pois nessa época não havia trânsito que as impedisse, nem existia a estrada que mais tarde veio a ser construída entre esta vila e a freguesia da Piedade e que afastou o trânsito da artéria principal da vila.
Normalmente, paravam a descansar junto ao Passo que existia em frente da rua nova e que foi ocupado por construções urbanas. Aí vendiam algumas canadas de leite a quem o procurasse e o restante era levado para casa.
O leite colhido, diariamente, era utilizado na alimentação doméstica e no fabrico de queijos, o celebérrimo queijo do Pico, como era conhecido. O soro que era apurado do fabrico do queijo era, normalmente, aproveitado na alimentação de suínos. No tempo não existiam fábricas onde o leite pudesse ser laborado.
Em 10 de Julho de 1930, foi publicado o decreto que criou a Comissão de Fomento dos Lacticínios do Distrito da Horta, que tudo alterou e nada trouxe de benéfico. Um ano não era decorrido e essa comissão propunha ao governo a regulamentação do fabrico de queijo e manteiga, o qual, em decreto n.º 19.669, de 30 de Abril de 1931, estabeleceu: “À indústria caseira da ilha do Pico é permitido o fabrico de queijo completo, tipo Pico (São João).
E no parágrafo único do artº 4º decreta ainda: A comissão de fomento de lacticínios do distrito da Horta indicará à indústria caseira da Ilha do Pico o local para o fabrico do referido queijo e bem assim o limite da quantidade de leite que pode empregar nesse fabrico.
Foi o que de pior podia ter acontecido. Alguns lavradores, principalmente da freguesia de S. João, onde estava mais desenvolvido o fabrico do queijo caseiro, chegaram a preparar compartimentos das respectivas residências para funcionarem exclusivamente como pequenas fábricas, mas sem grandes resultados. Daí surgiram as fábricas de Manuel de Brum Bett., Bernardo e Furtado e, depois, a Sociedade de Produção de Lacticínios, que se manteve alguns anos e creio que ainda funciona. Mas o fabrico do apreciado queijo do Pico praticamente desapareceu.
Anos decorridos, estabeleceu-se na Silveira a firma continental Martins & Rebello que aproveitou uma fábrica já ali existente e prosperou. Laborou durante vários anos o leite recolhido, duas vezes ao dia, em toda a ilha.
Com o desaparecimento de M. & R. surgiram, por iniciativa já então do governo regional, as queijarias, cerca de uma dúzia em toda a ilha, mas algumas acabaram por encerrar. Praticamente o típico e histórico queijo do Pico desapareceu. Aquele produto que se adquire no mercado livre está longe de ter a qualidade do antigo que, sem fiscalização nem exigências de local de fabrico, criou fama pela excelente qualidade.
Sobre o queijo do Pico escreve o Dr. Manuel Alexandre Madruga:
A indústria do queijo, originária da própria freguesia, pois foi ali que se fabricou o primeiro queijo do Pico, deve ter-se desenvolvido paralelamente à tecelagem por serem ambas produto da actividade pastoril tão do gosto daquele povo. (...)No fabrico do queijo havia, e ainda há, segredos próprios e especiais cuidados higiénicos (um simples argueiro encontrado num queijo desacreditava uma casa por muito tempo). Mercê do seu sabor inconfundível e da sua apresentação cuidada, o queijo de S. João (ou do Pico como também é conhecido) conseguiu merecida fama por quase todas as ilhas dos Açores e até no Continente.”(1) E até do estrangeiro, acrescento.
O desenvolvimento das manadas provocou, naturalmente, e até satisfatoriamente, a grande produção de leite que actualmente não possui as qualidades naturais devido, ao que parece, à alimentação dos animais produtores. E isso não pode deixar de ter grande influência no sistema industrializado que foi introduzido no fabrico.
O Pico possui, actualmente, uma unidade fabril com moderno equipamento de notável valor industrial, que produz manteiga e queijo de boa qualidade. Mas para que tal continuasse era indispensável que as quotas leiteiras, criadas pela UE se mantivessem pois, só assim, a qualidade do leite produzido poderia ser assegurada.
Quanto ao antigo queijo do Pico, tipo S. João, esse pertence ao passado.

Lajes do Pico,
Junho - 2015
Ermelindo Ávila

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1) Madruga, Manuel Alexandre, “A Freguesia de S. João da Ilha do Pico na Tradição Oral dos seus Habitantes”, in Boletim do Núcleo Cultural da Horta Vol.1, Nº2, 1957.



DIAS SANTOS E FERIADOS

NOTAS DO MEU CANTINHO



Estamos no mês de Junho. A meio do ano. Já. Em poucos dias chega a estação calmosa – o verão.
Igualmente, no mês dos feriados por excelência.
Hoje, porém, não tantos como antigamente. Mesmo assim alguns dos feriados são assinalados como feriados municipais. É o caso de Santo António, a 13, em Lisboa, e de São João, a 24, em diversos concelhos do continente e dos Açores. Nas ilhas, contam-se mais de meia dúzia de feriados municipais no mês de Junho.
Antes da Concordata com a Santa Sé, existiam nove dias santos de guarda, além dos domingos: 1 e 6 de Janeiro, 19 de Março, 30 de Maio, 29 de Junho, 15 de Agosto, 1 de Novembro, 8 e 25 de Dezembro, respectivamente: da Circuncisão do Senhor, Reis Magos, S. José, Ascensão, S. Pedro e S. Paulo, Assunção da Virgem, Todos os Santos e Natal.
Eram seis os feriados nacionais: 1 de Janeiro, Dia Mundial da Paz, 31 de Janeiro, consagrado aos Precursores e Mártires da Pátria, 3 de Maio, da Descoberta do Brasil, 10 de Junho, dia de Portugal, 5 de Outubro comemorativo da Implantação do Regime Republicano, 1 de Dezembro, da Restauração de Portugal em 1640, e 25 de Dezembro consagrado à família.
Com a Concordata de 1940 entre Portugal e a Santa Sé, os dias santos de guarda foram considerados feriados nacionais mas reduzido o seu número. E com a nova concordata, depois da Revolução do 25 de Abril, mais se alteraram os feriados e dias santos de guarda. Actualmente, não são considerados dias santos, o dia da Epifania, o de S. José, o do Corpo de Deus, o de São Pedro e São Paulo e Todos os Santos, cujas comemorações passaram para o domingo seguinte.
Os feriados nacionais foram também alterados. Desapareceram o 31 de Janeiro e 3 de Maio. A partir de 2013, ficaram somente dez: 1 de Janeiro, 25 de Abril, 6ª feira Santa e Domingo de Páscoa, 1 de Maio, 10 de Junho, 15 de Agosto, 5 de Outubro, 8 e 25 de Dezembro.
No entanto, em cada concelho resta o feriado municipal escolhido pela respectiva Câmara Municipal.
No concelho das Lajes do Pico, antes da Concordata de 1940, era feriado municipal o 15 de Agosto dedicado à Assunção da Virgem Maria. Nesse dias o Curato (hoje Paróquia) da Silveira celebrava a festa da Mãe de Deus. Os residentes na vila, que sempre mantiveram grandes afinidades com os da Silveira, iam até ali, onde aliás alguns conservavam casas de verão, para

tomar parte na festa. Daí a razão do feriado. Todavia, como a Concordata de 1940 considerou feriado os dias santificados, e o dia de São Pedro deixou de ser dia santo de guarda, a Câmara Municipal, num sentido histórico de que o primeiro templo da ilha fora dedicado ao Apóstolo S. Pedro, cuja festa se celebra todos os anos com Império de distribuição de rosquilhas, deliberou que o feriado municipal passasse a ser comemorado nesse dia, o que ainda hoje acontece.
Iguais deliberações tomaram os municípios de São Roque e da Madalena, passando os feriados municipais daqueles concelhos a celebrar-se a 16 de Agosto e 22 de Julho, respectivamente, dias em que acontecem as festas dos Padroeiros.
De estranhar a abolição de alguns feriados nacionais, que assinalavam feitos históricos de relevância como é o primeiro de Dezembro, dia em que, no ano de 1640, Portugal voltou a ser independente, abolindo o domínio castelhano. É triste que haja quem isso ignore. Revela somente um desconhecimento crasso da história pátria ou, então, um alheamento dos feitos extraordinários dos nossos antepassados que, “entre perigos e guerras esforçados” legaram aos seus compatriotas, um “novo reino que tanto sublimaram”, como nos narra o Épico.
No corrente mês o concelho das Lajes do Pico, o mais antigo porque o primeiro foi a ser povoado, celebra o seu feriado municipal na última segunda-feira, dia 29, em que, na sua antiga ermida, primeiro templo da ilha, se festeja o patrono, São Pedro, nome do primeiro pároco, frei Pedro Alvares Gigante. Depois do almoço, já tradicional, servido a centenas de irmãos e convidados, haverá a procissão e o arraial para a distribuição das rosquilhas, à semelhança do que se faz nos impérios do Espírito Santo.


LAJES DO PICO
Junho de 2015-
Ermelindo Ávila


domingo, 7 de junho de 2015

WHALE WATCHING

NOTAS DO MEU CANTINHO


Depois da inopinada proibição da caça à baleia que, afinal, os lajenses não inventaram mas que destemidamente souberam continuar, depois de alguns deles haverem andado por esses mares, nunca dantes navegados, surgiu a observação dos cetáceos ou o Whale Watching.
Foi ontem, mas já decorreu quase um quarto de século. Precisamente em 1991, Serge Viallelle chegou a esta vila para estabelecer a nova actividade de ver baleias. Anos, bem poucos haviam decorrido, quando se tentou montar a actividade que os baleeiros lajenses recusaram em sessão pública realizada no salão nobre dos Paços do Concelho. Muitos se devem lembrar ainda, pois foi grande a afluência a esse acto, promovido pelo Deputado Europeu, de então, Doutor Vasco Garcia. Não sortiu efeitos, mas aquele citado cidadão francês soube aproveitar o “vazio”, salvo erro.
Hoje a “observação de baleias” está bastante desenvolvida, e, no porto das Lajes, exercem essa actividade dez empresas que, algumas, nem sedeadas cá estão...
Mesmo assim o Whale Watching traz a esta vila – que conserva o epíteto de “Vila Baleeira”, - notável número de estrangeiros interessados, principalmente, em ver, bem de perto, a vida calma dos monstros marinhos. É por isso que a Baía das Lajes e o sul da Ilha já são considerados o santuário das baleias, tantas são as que, quase diariamente, aqui “vivem”, muito calmamente, sem receio que alguém se lembre de as perseguir...
E por aqui não aparece somente o cachalote. Outras mais espécies por cá andam a despertar a curiosidade dos amantes do mar.
Pode dizer-se que o Whale Watching constitui hoje uma
atracção turística, mas por enquanto só interessa aos empresários que exploram essa actividade, quando algo mais se podia desenvolver, quer na restauração, quer em actividades de animação. Chegar às Lajes e aguardar o sinal da Vigia para ir ver os golfinhos e as baleias, é pouco ainda. Importa algo mais criar para dar emprego à juventude e interessar uma população quase inactiva.
Não posso acompanhar nem esta, nem outras actividades. Limito-me a tomar conhecimento, aliás bastante superficial, do que por aí vai ocorrendo. Trago aqui somente algo das informações, julgo que fidedignas, que chegam a este cantinho onde permaneço muitos dias, sem vêr ou conviver com as pessoas que por aí passam. Todavia dou “graças a Deus” de ainda por cá andar, quando outros de muito menos idade, partem, quantas vezes inesperadamente...
Estou, porém, certo que há muita gente interessada pela sua e nossa terra e que vai estudando, criteriosamente, a maneira adequada de fazer progredir as potencialidades naturais que por aí existem. Demais, pensar hoje em emigrar é uma autêntica utopia, pois a crise económica que nos atinge não anda apenas por cá. Ela abarca o mundo nos seus diversos sectores de actividade e desenvolvimento. Seja na Grécia, na Turquia, ou em outras mais...
Repito o que já algumas vezes lembrei. Importa ao Governo fomentar, aturadamente, o desenvolvimento de todas as ilhas, que não apenas de duas ou de três. E não apenas numa ou em duas áreas ou sectores; ou, o que é mais dramático, privar algumas ilhas de serviços públicos. E não os refiro hoje.
O ar que respiramos não está, felizmente, inquinado, nem as moléstias crónicas ou eventuais por aqui têm passado. Há idosos e doentes, como em qualquer parte, mas isso não será motivo de afastamento de estranhos. Os que por cá aparecem creio que não se dão mal...
A emigração não é meio adequado, nos tempos que decorrem, para a juventude procurar emprego. O desemprego atinge todas as nações, mesmo aquelas que se conhecem como importantes centros económicos – comerciais e/ou industriais.
Há muita juventude que vai e volta, porque foram frustrantes os projectos que levava...É bom que se pense, maduramente, no futuro e se tomem as melhores soluções para os momentos incertos que a todos atingem.
Fiquemos por aqui...

Lajes do Pico,
20 de Maio de 2015

Ermelindo Ávila

sábado, 9 de maio de 2015

VEREDAS, CAMINHOS E ESTRADAS

NOTAS DO MEU CANTINHIO


Há dias, citando o escritor faialense Ernesto Rebelo, fiz referência à primitiva ligação terrestre que havia entre as vilas da Madalena e Lajes. Nove horas levou o dito faialense a percorrer a distância entre Madalena e Lajes, subindo e descendo montes e vales, por atalhos e veredas que só era possível atravessar de burro, péssimo burro que montava, o classificou.
Referindo-se à estrada, escreve Lacerda Machado: Quem conhece a morosidade ritual das obras públicas, enche-se de pasmo perante a actividade prodigiosa com que o reduzido número dos primeiros povoadores conseguiu, em poucos anos, realizar tal intento ( a ligação da Vila com o porto da futura freguesia da Madalena) construindo o caminho dos ilhéus que, prolongado, deu a volta completa à ilha. E passados cinco séculos de dízimos, fintas e contribuições, há ainda (em 1936) o caminho feito pelos infatigáveis colonos de Fernando Alvares o único que serve grande parte da ilha, a partir da mesma vila, da ermida de S. Pedro para a Piedade, a mais importante freguesia do concelho.(1) Em nota de roda pé refere o distinto lajense a nova estrada pela qual muito se interessou e cuja construção estava já a concurso.
Na realidade, a estrada Lajes-Piedade, como ficou conhecida, veio a ser inaugurada em 1943. Seguiu-se depois a construção da estrada Piedade-S. Roque e, um pouco mais tarde, a transversal Lajes-S. Roque, esta a justificar a extinção do antigo Julgado Municipal das Lajes, segundo a opinião do engenheiro projectista que a classificava de estrada política. Política ou não, veio notavelmente beneficiar a economia da ilha, quer com a ligação entre as duas vilas, quer com o aproveitamento das pastagens do alto. Hoje tem apreciável movimento.
Depois foi construída a estrada longitudinal que ligou o interior da Ilha, no sítio do Corre Água, à Madalena.
Poucos anos depois os Serviços Florestais foram criados e instalados na ilha, sob a direcção do falecido Engenheiro Manuel José de Simas, um nome que parece andar esquecido, quando bem merecia que houvesse ficado registado mesmo em pedra balsáltica a recordar o notável obreiro de tão grandioso empreendimento. Foram construído 47 caminhos de penetração, numa extensão de 275 quilómetros. Um benefício de extraordinária valia, que veio beneficiar o desenvolvimento agro-pecuário e, simultaneamente, o turismo, dando a conhecer o diferenciado e, por vezes, deslumbrante interior da ilha, até então quase desconhecido.
O escritor faialense, ao visitar a vila das Lajes, diz que levou nove horas a percorrer o espaço entre a Madalena e Lajes. Naturalmente que uma grande parte do antigo caminho dos ilhéus já não existia por ter sido destruído pelas erupções vulcânicas de 1718 e 1720 das quais restavam os mistérios de São Caetano - S. João e de S. João - Silveira. A actual estrada que atravessa este segundo mistério tem mais de três quilómetros de extensão.
A última ponte nela construída, foi sobre a da ribeira da burra, ou de Fernando Alvares e está datada de 1877.
A propósito, Frei Diogo das Chagas diz: Dos quaes os dois principais povoadores, foram o dito Fernando Alavares, e jurdão Alvares Caralta: Este ficou povoando aly aonde saltou ( Santa Cruz das Ribeiras) e Fernando Alvares começou a sua polla parte aonde se diz a Ribr.ª do Meio. (2)
E Lacerda Machado comenta: Confirmando esta tradição, conservou sempre o nome de Ribeira de Fernando Alvares a que, desde algumas dezenas de anos, estúpidamente se chama da burra, fazendo-se desaparecer da toponímia local uma expressão que representava apreciável vestígio histórico e veneração pela memória do primeiro povoador, fundador da vila. (3)
As ruínas da casa de Fernando Alvares ainda existem junto da Ribeira, ao lado da actual estrada. Foram adquiridas há poucos anos pelo Município Lajense, mas disso se não passou. Era tempo de as acautelar convenientemente. E não carece de grandes obras. Foi assim que se procedeu com o Coliseu de Roma, com as capelas imperfeitas do Mosteiro da Batalha, com o Templo de Diana, em Évora. Por cá, tem-se conservado a igreja-ermida de São Pedro, primeira catedral da ilha, o antigo Forte de Santa Catarina e até o convento franciscano.
Infelizmente desapareceram as igrejas da Misericórdia e a ermida dos Remédios. O camartelo é apressado. Mesmo assim, a avoenga vila conserva restos de um passado de grande valor histórico. Mas isso não impede que se acuda à primeira casa da ilha, uma relíquia que muitas terras se orgulhariam de possuir. E basta limpar a figueira, acautelar as paredes que restam e colocar uma placa onde se identifique tão precioso monumento histórico. Não basta fazer coisas novas para deixar aos vindouros. Acautele-se o que já se possui.

1)Machado,F. S. Lacerda, “Historia do Concelho das Lages”, 1991, pág. 104.
2) Chagas, Frei Diogo, Espelho Cristalino em Jardim de Várias Flores, 1989, pág 124.
3) Machado, F.S. Lacerda, o.c., pág 60.

Vila das Lajes,
18 de Abril de 2015

Ermelindo Ávila