NOTAS DO MEU CANTINHO
Em 1878,
decorridos que são cerca de 140 anos, a freguesia da Santíssima
Trindade, actualmente Lajes do Pico, tinha 3157 habitantes, quase
tantos como hoje o próprio concelho.
Havia
profissões que desapareceram praticamente, pois deixou de haver quem
se interessasse por exercê-las. Basta atentar em algumas: sapateiros
16, carpinteiros 13, serradores 7, pedreiros e cabouqueiros 18 e
ferreiros 12. Mas uma profissão era a mais exercida: quase só na
vila havia 145 indivíduos que se dedicavam à pesca. A baleação
ainda não estava em plena actividade.
No porto
das Lajes, existiam diversos barcos e lanchas (barcos mais curtos e
de popa traçada) que se utilizavam exclusivamente na pesca. No
verão acontecia os marítimos das Lajes irem pescar para portos de
ilhas vizinhas: Topo e Velas de S. Jorge, e Biscoitos da Terceira,
além de outros. Iam nos próprios barcos e para que eles pudessem
levar toda a palamenta e bagagens eram-lhes colocadas “bordas
falsas”: alteavam o costado com tábuas suplementares. Na bagagem
iam sempre sacos de “bolo de milho torrado”, para as sopas dos
caldos de peixe. E este prato era normalmente cozinhado com o melhor
peixe apanhado no dia.
Sempre que
o mar permitia, os barcos da vila
iam pescar, para as baixas conhecidas, o chamado “peixe de fundo”.
Lembro,
no entanto, o Mestre Bento que saía à pesca, no seu barco, todas
as manhãs para voltar cerca do meio dia com o peixe que servia para
o jantar dos compradores. E não faltavam. Outros mestres iam nos
seus barcos, com as respectivas companhas, durante a noite, para a
pesca do “peixe de fundo”: abróteas, congros. gorazes, moreias
e, quando calhava, lagostas. E muito mais.
Nas épocas
próprias, era a cavala, o bonito (cachorra), o chicharro esta
espécie apanhada no Limpo, (um extenso areal submerso em frente dos
Biscoitos,) com uma rede, ou “enxelavar”. Quando a pesca era
abundante e no porto não havia compradores, normalmente as mulheres
dos marítimos levavam o pescado restante, em celhas à cabeça, para
os lugares afastados, Terras ou Silveira e Almagreira, e aí faziam a
troca de peixe por géneros da agricultura. Outras preparavam o peixe
para salgar e secar, para ser utilizado no Inverno, ou vendido ou
trocado no Pico, ou na ilha vizinha.
Com a
instalação da fábrica de conservas, nos anos quarenta do século
passado, surgiram as traineiras, tipo San Diego, que passaram a
pescar, no mar alto, a albacora e o bonito, para serem
industrializados. Nos tempos altos, o concelho das Lajes chegou a ter
trinta e seis traineiras, pois em todas as freguesias se organizaram
sociedades para a exploração da pesca do atum. Mas tudo desapareceu
quando da falência da sociedade proprietária da fábrica. As
traineiras foram vendidas para outras paragens e hoje, com o
desaparecimento do pescado (bonito e albacora) nenhuma por cá
existe. Por essa razão a pesca para uso doméstico desceu um pouco.
Com a
proibição da caça da baleia e o encerramento da indústria
conserveira, a vida do Mar diminuíu bastante, agora agravada com a
criação de uma entidade que nenhum proveito trouxe a estas bandas
da ilha. Refiro o serviço da Lota, organismo que praticamente aqui
não existe. Depois de demolida a “Pesqueira”, - poucos anos
havia que fora construída pela Câmara Municipal, - o peixe para
consumo passou a ser vendido num contentor, transformado em posto de
venda, sob a administração da associação de pescadores do Pico,
que somente funciona nos dias úteis das 7 às 11 da manhã, vendendo
o peixe trazido da Lota, pois todo o pescado tem de ser concentrado
naquele serviço instalado a 35 Km, para ser distribuído refrigerado
pelos postos de venda da ilha. Deixámos assim de poder saborear o
“peixe fresco”, como antigamente, uma vez que os nossos marítimos
têm de entregar o seu pescado naquela Lota. Afinal, uma inovação
aberrante que em nada beneficiou nem a qualidade, nem o preço do
pescado.
Diz-se e
escreve-se que as várias espécies do peixe existente nos mares
destas ilhas são da melhor qualidade. Mas quem disso beneficia?
Passando
nas imediações do porto recordam-se com alguma saudade os
barquinhos e o pescado vário que, quando o tempo permitia, era
trazido todas as manhãs, espalhado no areal, e dividido: o “dízimo”,
as “soldadas” do barco e pescadores e, por vezes, o “monte-mor”.
Com o “dízimo” ali leiloado pelo guarda - fiscal, ficava pago o
único imposto devido ao Estado. As “soldadas” constituíam o
ganho de cada pescador e da própria embarcação. O “monte-mor”
quando retirado, revertia em benefício de toda a companha...
Todos os
portos de pesca tinham um membro da Guarda-Fiscal, que habitava em
edifício pertencente ao Estado, junto do porto. Exercia também as
funções de cabo do mar, onde esse funcionário não existia.
Actualmente, os edifícios dos postos da Guarda-Fiscal estão
desocupados e quase em ruínas.
Como diz o
povo, “tudo o vento levou” !...
Lajes do
Pico,
2-06-2015.
Ermelindo
Ávila
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