domingo, 21 de junho de 2015

PESCA ARTESANAL

NOTAS DO MEU CANTINHO


Em 1878, decorridos que são cerca de 140 anos, a freguesia da Santíssima Trindade, actualmente Lajes do Pico, tinha 3157 habitantes, quase tantos como hoje o próprio concelho.
Havia profissões que desapareceram praticamente, pois deixou de haver quem se interessasse por exercê-las. Basta atentar em algumas: sapateiros 16, carpinteiros 13, serradores 7, pedreiros e cabouqueiros 18 e ferreiros 12. Mas uma profissão era a mais exercida: quase só na vila havia 145 indivíduos que se dedicavam à pesca. A baleação ainda não estava em plena actividade.
No porto das Lajes, existiam diversos barcos e lanchas (barcos mais curtos e de popa traçada) que se utilizavam exclusivamente na pesca. No verão acontecia os marítimos das Lajes irem pescar para portos de ilhas vizinhas: Topo e Velas de S. Jorge, e Biscoitos da Terceira, além de outros. Iam nos próprios barcos e para que eles pudessem levar toda a palamenta e bagagens eram-lhes colocadas “bordas falsas”: alteavam o costado com tábuas suplementares. Na bagagem iam sempre sacos de “bolo de milho torrado”, para as sopas dos caldos de peixe. E este prato era normalmente cozinhado com o melhor peixe apanhado no dia.
Sempre que o mar permitia, os barcos da vila iam pescar, para as baixas conhecidas, o chamado “peixe de fundo”.
Lembro, no entanto, o Mestre Bento que saía à pesca, no seu barco, todas as manhãs para voltar cerca do meio dia com o peixe que servia para o jantar dos compradores. E não faltavam. Outros mestres iam nos seus barcos, com as respectivas companhas, durante a noite, para a pesca do “peixe de fundo”: abróteas, congros. gorazes, moreias e, quando calhava, lagostas. E muito mais.
Nas épocas próprias, era a cavala, o bonito (cachorra), o chicharro esta espécie apanhada no Limpo, (um extenso areal submerso em frente dos Biscoitos,) com uma rede, ou “enxelavar”. Quando a pesca era abundante e no porto não havia compradores, normalmente as mulheres dos marítimos levavam o pescado restante, em celhas à cabeça, para os lugares afastados, Terras ou Silveira e Almagreira, e aí faziam a troca de peixe por géneros da agricultura. Outras preparavam o peixe para salgar e secar, para ser utilizado no Inverno, ou vendido ou trocado no Pico, ou na ilha vizinha.
Com a instalação da fábrica de conservas, nos anos quarenta do século passado, surgiram as traineiras, tipo San Diego, que passaram a pescar, no mar alto, a albacora e o bonito, para serem industrializados. Nos tempos altos, o concelho das Lajes chegou a ter trinta e seis traineiras, pois em todas as freguesias se organizaram sociedades para a exploração da pesca do atum. Mas tudo desapareceu quando da falência da sociedade proprietária da fábrica. As traineiras foram vendidas para outras paragens e hoje, com o desaparecimento do pescado (bonito e albacora) nenhuma por cá existe. Por essa razão a pesca para uso doméstico desceu um pouco.
Com a proibição da caça da baleia e o encerramento da indústria conserveira, a vida do Mar diminuíu bastante, agora agravada com a criação de uma entidade que nenhum proveito trouxe a estas bandas da ilha. Refiro o serviço da Lota, organismo que praticamente aqui não existe. Depois de demolida a “Pesqueira”, - poucos anos havia que fora construída pela Câmara Municipal, - o peixe para consumo passou a ser vendido num contentor, transformado em posto de venda, sob a administração da associação de pescadores do Pico, que somente funciona nos dias úteis das 7 às 11 da manhã, vendendo o peixe trazido da Lota, pois todo o pescado tem de ser concentrado naquele serviço instalado a 35 Km, para ser distribuído refrigerado pelos postos de venda da ilha. Deixámos assim de poder saborear o “peixe fresco”, como antigamente, uma vez que os nossos marítimos têm de entregar o seu pescado naquela Lota. Afinal, uma inovação aberrante que em nada beneficiou nem a qualidade, nem o preço do pescado.
Diz-se e escreve-se que as várias espécies do peixe existente nos mares destas ilhas são da melhor qualidade. Mas quem disso beneficia?
Passando nas imediações do porto recordam-se com alguma saudade os barquinhos e o pescado vário que, quando o tempo permitia, era trazido todas as manhãs, espalhado no areal, e dividido: o “dízimo”, as “soldadas” do barco e pescadores e, por vezes, o “monte-mor”. Com o “dízimo” ali leiloado pelo guarda - fiscal, ficava pago o único imposto devido ao Estado. As “soldadas” constituíam o ganho de cada pescador e da própria embarcação. O “monte-mor” quando retirado, revertia em benefício de toda a companha...
Todos os portos de pesca tinham um membro da Guarda-Fiscal, que habitava em edifício pertencente ao Estado, junto do porto. Exercia também as funções de cabo do mar, onde esse funcionário não existia. Actualmente, os edifícios dos postos da Guarda-Fiscal estão desocupados e quase em ruínas.
Como diz o povo, “tudo o vento levou” !...


Lajes do Pico,
2-06-2015.

Ermelindo Ávila

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