domingo, 21 de junho de 2015

QUOTAS LEITEIRAS

NOTAS DO MEU CANTINHO



Bem longe vão os tempos em que era agradável ver passar pela rua principal da vila, grupos de moças da Silveira e Almagreira, levando à cabeça ou aos ombros, como era então usual, grandes canecas com leite, tirado das vacas que pastavam nos terrenos da Queimada e Terras.
Caminhavam aos grupos, normalmente ocupando a largura da rua, pois nessa época não havia trânsito que as impedisse, nem existia a estrada que mais tarde veio a ser construída entre esta vila e a freguesia da Piedade e que afastou o trânsito da artéria principal da vila.
Normalmente, paravam a descansar junto ao Passo que existia em frente da rua nova e que foi ocupado por construções urbanas. Aí vendiam algumas canadas de leite a quem o procurasse e o restante era levado para casa.
O leite colhido, diariamente, era utilizado na alimentação doméstica e no fabrico de queijos, o celebérrimo queijo do Pico, como era conhecido. O soro que era apurado do fabrico do queijo era, normalmente, aproveitado na alimentação de suínos. No tempo não existiam fábricas onde o leite pudesse ser laborado.
Em 10 de Julho de 1930, foi publicado o decreto que criou a Comissão de Fomento dos Lacticínios do Distrito da Horta, que tudo alterou e nada trouxe de benéfico. Um ano não era decorrido e essa comissão propunha ao governo a regulamentação do fabrico de queijo e manteiga, o qual, em decreto n.º 19.669, de 30 de Abril de 1931, estabeleceu: “À indústria caseira da ilha do Pico é permitido o fabrico de queijo completo, tipo Pico (São João).
E no parágrafo único do artº 4º decreta ainda: A comissão de fomento de lacticínios do distrito da Horta indicará à indústria caseira da Ilha do Pico o local para o fabrico do referido queijo e bem assim o limite da quantidade de leite que pode empregar nesse fabrico.
Foi o que de pior podia ter acontecido. Alguns lavradores, principalmente da freguesia de S. João, onde estava mais desenvolvido o fabrico do queijo caseiro, chegaram a preparar compartimentos das respectivas residências para funcionarem exclusivamente como pequenas fábricas, mas sem grandes resultados. Daí surgiram as fábricas de Manuel de Brum Bett., Bernardo e Furtado e, depois, a Sociedade de Produção de Lacticínios, que se manteve alguns anos e creio que ainda funciona. Mas o fabrico do apreciado queijo do Pico praticamente desapareceu.
Anos decorridos, estabeleceu-se na Silveira a firma continental Martins & Rebello que aproveitou uma fábrica já ali existente e prosperou. Laborou durante vários anos o leite recolhido, duas vezes ao dia, em toda a ilha.
Com o desaparecimento de M. & R. surgiram, por iniciativa já então do governo regional, as queijarias, cerca de uma dúzia em toda a ilha, mas algumas acabaram por encerrar. Praticamente o típico e histórico queijo do Pico desapareceu. Aquele produto que se adquire no mercado livre está longe de ter a qualidade do antigo que, sem fiscalização nem exigências de local de fabrico, criou fama pela excelente qualidade.
Sobre o queijo do Pico escreve o Dr. Manuel Alexandre Madruga:
A indústria do queijo, originária da própria freguesia, pois foi ali que se fabricou o primeiro queijo do Pico, deve ter-se desenvolvido paralelamente à tecelagem por serem ambas produto da actividade pastoril tão do gosto daquele povo. (...)No fabrico do queijo havia, e ainda há, segredos próprios e especiais cuidados higiénicos (um simples argueiro encontrado num queijo desacreditava uma casa por muito tempo). Mercê do seu sabor inconfundível e da sua apresentação cuidada, o queijo de S. João (ou do Pico como também é conhecido) conseguiu merecida fama por quase todas as ilhas dos Açores e até no Continente.”(1) E até do estrangeiro, acrescento.
O desenvolvimento das manadas provocou, naturalmente, e até satisfatoriamente, a grande produção de leite que actualmente não possui as qualidades naturais devido, ao que parece, à alimentação dos animais produtores. E isso não pode deixar de ter grande influência no sistema industrializado que foi introduzido no fabrico.
O Pico possui, actualmente, uma unidade fabril com moderno equipamento de notável valor industrial, que produz manteiga e queijo de boa qualidade. Mas para que tal continuasse era indispensável que as quotas leiteiras, criadas pela UE se mantivessem pois, só assim, a qualidade do leite produzido poderia ser assegurada.
Quanto ao antigo queijo do Pico, tipo S. João, esse pertence ao passado.

Lajes do Pico,
Junho - 2015
Ermelindo Ávila

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1) Madruga, Manuel Alexandre, “A Freguesia de S. João da Ilha do Pico na Tradição Oral dos seus Habitantes”, in Boletim do Núcleo Cultural da Horta Vol.1, Nº2, 1957.



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