NOTAS DO MEU
CANTINHO
Bem
longe vão os tempos em que era agradável ver passar pela rua
principal da vila, grupos de moças da Silveira e Almagreira, levando
à cabeça ou aos ombros, como era então usual, grandes canecas com
leite, tirado das vacas que pastavam nos terrenos da Queimada e
Terras.
Caminhavam
aos grupos, normalmente ocupando a largura da rua, pois nessa época
não havia trânsito que as impedisse, nem existia a estrada que mais
tarde veio a ser construída entre esta vila e a freguesia da Piedade
e que afastou o trânsito da artéria principal da vila.
Normalmente,
paravam a descansar junto ao Passo que existia em frente da rua nova
e que foi ocupado por construções urbanas. Aí vendiam algumas
canadas de leite a quem o procurasse e o restante era levado para
casa.
O
leite colhido, diariamente, era utilizado na alimentação doméstica
e no fabrico de queijos, o celebérrimo queijo
do Pico, como era conhecido. O soro que era
apurado do fabrico do queijo era, normalmente, aproveitado na
alimentação de suínos. No tempo não existiam fábricas onde o
leite pudesse ser laborado.
Em 10 de
Julho de 1930, foi publicado o decreto que criou a Comissão de
Fomento dos Lacticínios do Distrito da Horta, que tudo alterou e
nada trouxe de benéfico. Um ano não era decorrido e essa comissão
propunha ao governo a regulamentação do fabrico de queijo e
manteiga, o qual, em decreto n.º 19.669, de 30 de Abril de 1931,
estabeleceu: “À
indústria caseira da ilha do Pico é permitido o fabrico de queijo
completo, tipo Pico (São João).
E no
parágrafo único do artº 4º decreta ainda: A
comissão de fomento de lacticínios do distrito da Horta indicará
à indústria caseira da Ilha do Pico o local para o fabrico do
referido queijo e bem assim o limite da quantidade de leite que pode
empregar nesse fabrico.
Foi o que
de pior podia ter acontecido. Alguns lavradores, principalmente da
freguesia de S. João, onde estava mais desenvolvido o fabrico do
queijo caseiro, chegaram a preparar compartimentos das respectivas
residências para funcionarem exclusivamente como pequenas fábricas,
mas sem grandes resultados. Daí surgiram as fábricas de Manuel de
Brum Bett., Bernardo e Furtado e, depois, a Sociedade de Produção
de Lacticínios, que se manteve alguns anos e creio que ainda
funciona. Mas o fabrico do apreciado queijo do Pico praticamente
desapareceu.
Anos
decorridos, estabeleceu-se na Silveira a firma continental Martins &
Rebello que aproveitou uma fábrica já ali existente e prosperou.
Laborou durante vários anos o leite recolhido, duas vezes ao dia, em
toda a ilha.
Com o
desaparecimento de M. & R. surgiram, por iniciativa já então do
governo regional, as queijarias,
cerca de uma dúzia em toda a ilha, mas algumas acabaram por
encerrar. Praticamente o típico e histórico queijo do Pico
desapareceu. Aquele produto que se adquire no mercado livre está
longe de ter a qualidade do antigo que, sem fiscalização nem
exigências de local de fabrico, criou fama pela excelente qualidade.
Sobre o
queijo do Pico escreve o Dr. Manuel Alexandre Madruga:
“A
indústria do queijo, originária da própria freguesia, pois foi ali
que se fabricou o primeiro queijo do Pico, deve ter-se desenvolvido
paralelamente à tecelagem por serem ambas produto da actividade
pastoril tão do gosto daquele povo. (...)No fabrico do queijo havia,
e ainda há, segredos próprios e especiais cuidados higiénicos (um
simples argueiro encontrado num queijo desacreditava uma casa por
muito tempo). Mercê do seu sabor inconfundível e da sua
apresentação cuidada, o queijo de S. João (ou do Pico como também
é conhecido) conseguiu merecida fama por quase todas as ilhas dos
Açores e até no Continente.”(1) E até
do estrangeiro, acrescento.
O
desenvolvimento das manadas provocou, naturalmente, e até
satisfatoriamente, a grande produção de leite que actualmente não
possui as qualidades naturais devido, ao que parece, à alimentação
dos animais produtores. E isso não pode deixar de ter grande
influência no sistema industrializado que foi introduzido no
fabrico.
O
Pico possui, actualmente, uma unidade fabril com moderno equipamento
de notável valor industrial, que produz manteiga e queijo de boa
qualidade. Mas para que tal continuasse era indispensável que as
quotas leiteiras, criadas pela UE se mantivessem pois, só assim, a
qualidade do leite produzido poderia ser assegurada.
Quanto
ao antigo queijo do Pico, tipo S. João, esse pertence ao passado.
Lajes do
Pico,
Junho - 2015
Ermelindo
Ávila
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1) Madruga,
Manuel Alexandre, “A Freguesia de S. João
da Ilha do Pico na Tradição Oral dos seus Habitantes”,
in Boletim do Núcleo Cultural da Horta Vol.1, Nº2, 1957.
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