NOTAS DO MEU
CANTINHIO
Há dias,
citando o escritor faialense Ernesto Rebelo, fiz referência à
primitiva ligação terrestre que havia entre as vilas da Madalena e
Lajes. Nove horas levou o dito faialense a percorrer a distância
entre Madalena e Lajes, subindo e descendo montes e vales, por
atalhos e veredas que só era possível atravessar de burro, péssimo
burro que montava, o classificou.
Referindo-se
à estrada, escreve Lacerda Machado: Quem
conhece a morosidade ritual das obras públicas, enche-se de pasmo
perante a actividade prodigiosa com que o reduzido número dos
primeiros povoadores conseguiu, em poucos anos, realizar tal intento
( a ligação da Vila com o porto da futura
freguesia da Madalena) construindo o caminho
dos ilhéus que, prolongado, deu a
volta completa à ilha. E passados cinco séculos de dízimos, fintas
e contribuições, há ainda (em
1936) o caminho feito pelos
infatigáveis colonos de Fernando Alvares o único que serve grande
parte da ilha, a partir da mesma vila, da ermida de S. Pedro para a
Piedade, a mais importante freguesia do concelho.(1)
Em nota de roda pé refere o distinto lajense
a nova estrada pela qual muito se interessou e cuja construção
estava já a concurso.
Na
realidade, a estrada Lajes-Piedade, como ficou conhecida, veio a ser
inaugurada em 1943. Seguiu-se depois a construção da estrada
Piedade-S. Roque e, um pouco mais tarde, a transversal Lajes-S.
Roque, esta a justificar a extinção do antigo Julgado Municipal das
Lajes, segundo a opinião do engenheiro projectista que a
classificava de estrada política.
Política ou não, veio notavelmente beneficiar a economia da ilha,
quer com a ligação entre as duas vilas, quer com o aproveitamento
das pastagens do alto. Hoje tem apreciável movimento.
Depois foi
construída a estrada longitudinal que ligou o interior da Ilha, no
sítio do Corre Água, à Madalena.
Poucos
anos depois os Serviços Florestais foram criados e instalados na
ilha, sob a direcção do falecido Engenheiro Manuel José de Simas,
um nome que parece andar esquecido, quando bem merecia que houvesse
ficado registado mesmo em pedra balsáltica a recordar o notável
obreiro de tão grandioso empreendimento. Foram construído 47
caminhos de penetração, numa extensão de 275 quilómetros. Um
benefício de extraordinária valia, que veio beneficiar o
desenvolvimento agro-pecuário e, simultaneamente, o turismo, dando a
conhecer o diferenciado e, por vezes, deslumbrante interior da ilha,
até então quase desconhecido.
O escritor
faialense, ao visitar a vila das Lajes, diz que levou nove horas a
percorrer o espaço entre a Madalena e Lajes. Naturalmente que uma
grande parte do antigo caminho dos ilhéus
já não existia por ter sido destruído pelas erupções vulcânicas
de 1718 e 1720 das quais restavam os mistérios
de São Caetano - S. João e de S. João - Silveira. A actual estrada
que atravessa este segundo mistério tem mais de três quilómetros
de extensão.
A última
ponte nela construída, foi sobre a da ribeira
da burra, ou de Fernando Alvares e está
datada de 1877.
A
propósito, Frei Diogo das Chagas diz: Dos
quaes os dois principais povoadores, foram o dito Fernando Alavares,
e jurdão Alvares Caralta: Este ficou povoando aly aonde saltou (
Santa Cruz das Ribeiras) e Fernando Alvares
começou a sua polla parte aonde se diz a Ribr.ª do Meio. (2)
E Lacerda
Machado comenta: Confirmando esta tradição,
conservou sempre o nome de Ribeira de Fernando Alvares a que, desde
algumas dezenas de anos, estúpidamente se chama da burra, fazendo-se
desaparecer da toponímia local uma expressão que representava
apreciável vestígio histórico e veneração pela memória do
primeiro povoador, fundador da vila. (3)
As ruínas da casa de Fernando Alvares ainda existem
junto da Ribeira, ao lado da actual estrada. Foram adquiridas há
poucos anos pelo Município Lajense, mas disso se não passou. Era
tempo de as acautelar convenientemente. E não carece de grandes
obras. Foi assim que se procedeu com o Coliseu de Roma, com as
capelas imperfeitas do Mosteiro da Batalha, com o Templo de Diana, em
Évora. Por cá, tem-se conservado a igreja-ermida de São Pedro,
primeira catedral da ilha,
o antigo Forte de Santa Catarina e até o convento franciscano.
Infelizmente desapareceram as igrejas da Misericórdia
e a ermida dos Remédios. O camartelo é apressado. Mesmo assim, a
avoenga vila conserva restos de um passado de grande valor histórico.
Mas isso não impede que se acuda à primeira casa da ilha, uma
relíquia que muitas terras se orgulhariam de possuir. E basta limpar
a figueira, acautelar as paredes que restam e colocar uma placa onde
se identifique tão precioso monumento histórico. Não basta fazer
coisas novas para deixar aos vindouros. Acautele-se o que já se
possui.
1)Machado,F. S. Lacerda, “Historia do Concelho das
Lages”, 1991, pág. 104.
2) Chagas, Frei Diogo, Espelho Cristalino em Jardim de
Várias Flores, 1989, pág 124.
3) Machado, F.S. Lacerda, o.c., pág 60.
Vila das Lajes,
18 de Abril de 2015
Ermelindo Ávila
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