Afinal, somos os dois já nonagenários, embora eu conte um ponto e tal a mais…
O Dever apareceu a primeira vez no dia 2 de Junho de 1917. Quinze dias antes a Virgem havia aparecido em Fátima aos três Pastorinhos. Uma coincidência providencial?! Mas há uma diferença assinalável: enquanto um vai caminhando para o fim, o outro vai-se rejuvenescendo, cada dia que passa, sempre mais jovem e vigoroso.
Todavia, não se julgue que tem sido fácil a vida do jornal. Surgiu numa época em que a Igreja era constantemente atacada e vilipendiada por um jacobinismo feroz que não escolhia meios para atingir os seus fins. E o fim era acabar com o catolicismo em duas gerações como apregoavam os seus corifeus.
Felizmente que não atingiram os seus diabólicos objectivos. Fátima é o testemunho forte de que os perseguidores da Igreja não conseguiram seus nefandos projectos.
Na História da Diocese a primeira República deixou a sua presença marcada por vilanias tamanhas que hoje estão talvez esquecidas mas que não deixaram de ferir, dolorosamente, a própria Igreja e os católicos da recuada época.
A lei da “Separação da Igreja do Estado” (1 de Julho de 1911) permitiu uma autêntica perseguição ao clero. Alguns sacerdotes foram presos por “terem o atrevimento” de andar na rua com vestes talares. Um deles foi o Pároco de S. Bárbara da Terceira que, somente por atravessar a rua com batina, do passal à igreja, foi preso e conduzido a pé, por uma força militar, à cidade de Angra onde esteve detido um dia e, solto, proibido de voltar à freguesia, Santa Bárbara… O Vigário Capitular de Angra foi deportado para S. Miguel. E escreve ainda o C.º Pereira em A Diocese de Angra na História dos Seus Prelados, páginas 45, donde respigo estas notas: Na Vila do Topo, quando o Pe. Armelim Mendonça, que havia feito concurso para a respectiva Matriz, veio tomar posse da igreja, uma multidão, movida pelos caciques políticos, foi-lhe ao encontro, gritando que o não queriam ali. Alegavam que ele não tinha licença do Ministro da Justiça para ir paroquiar naquela Vila! Ele retirou-se para Santo Antão, onde depois foi colocado. Poucos dias depois os manifestantes apagaram a lâmpada do SS. Sacramento, deixando ficar no Sacrário as Sagradas Espécies, fecharam a igreja e foram em procissão lançar a chave ao mar!
Até o nosso conterrâneo P. Moniz Madruga, pároco da Feteira, Faial, foi processado por ter lido aos paroquianos uma Provisão do Vigário Capitular, ficando em liberdade sob uma caução de um conto de reis! E outros mais!
Foi neste ambiente de hostilidade que o P. João V. Xavier Madruga foi nomeado Pároco e ouvidor da Vila do Topo. Era, ao tempo, professor do Seminário. Escusado será dizer aqui que, o ambiente hostil que o esperava lhe dificultou seriamente toda a acção pastoral. As ameaças e calúnias foram-se sucedendo mas o Pe. Madruga nada temeu. Manteve-se no seu posto com denodo e coragem mais de dez anos!
Em 2 de Junho de 1917 funda na vila do Topo o semanário O Dever, onde procura defender-se das aleivosias, sobretudo, aquelas que eram vilmente dirigidas à Igreja.
A seguir, e com a colaboração do Pe. Manuel Joaquim de Matos, Vigário da Vila da Calheta, estabelece ali a redacção e oficina tipográfica, continuando, porém, a ser perseguido, insultado e caluniado. (Decorridos algumas dezenas de anos, antigos “inimigos” procuraram-no a desculpar-se!.. )
Depois de muito sofrer e já bastante doente, vem para o Pico repousar na casa da Família. Restabelecido, é colocado como vigário na freguesia da Candelária.
No entanto, sob a sua direcção O Dever continuou em S. Jorge, embora fosse sistematicamente perseguido pela censura local, o que levou o P. Madruga a pedir para que a publicação ficasse sujeita ao Oficial Censor da Horta. Porém, com o falecimento do Pe. Matos, viu que era a ocasião azada para trazer o jornal para junto de si. Já então se encontrava na situação de manente, nesta vila. Superiormente é concedida a necessária autorização e a tipografia, redacção e administração são instaladas nas Lajes, publicando-se o primeiro número em 3 de Setembro de 1938. E aqui tem estado O Dever, hoje um dos dois semanários mais antigo da Região. Noventa anos! Quase um século!
Aquando do falecimento do P. Xavier Madruga, em 30 de Março de 1971, escreveu o Boletim Eclesiástico de Angra: “O estilo fluente e acessível proporcionava aos seus leitores uma leitura agradável e proveitosa. Prestou sem dúvida um relevante serviço à Igreja e honrou a Diocese ao longo da sua vivência sacerdotal.”
O DEVER, mais do que um jornal, é uma instituição valorosa desta vila. Desde a sua fundação sempre esteve ligado à Vila das Lajes. A História desta terra está, sumariamente embora, nele registada. Quando na Vila da Calheta, quinzenalmente publicava uma secção - Correio das Ilhas, com notícias e não só, da ilha do Pico. Uma vez instalado nas Lajes, passou a ser o maior defensor dos interesses da vila das Lajes e de toda a Ilha do Pico. Compulse-se os seus noventa volumes, com quase quatro mil e quinhentas edições, e ter-se-á o comprovativo da intransigente defesa da Igreja, da Ilha do Pico e da própria Nação Portuguesa. O seu lema foi, durante muitos anos e ainda é, embora não o registe, Por Deus! Pela Pátria!
Quase toda a minha longa vida estive ligado a O Dever. Nele iniciei uma modesta colaboração em 1932. Quando passou a publicar-se nesta vila, fui seu primeiro editor, redactor e administrador, cargos que exerci vários anos até que as funções oficiais que desempenhei m’o impediram. Mas nunca deixei de dar o meu contributo ao jornal, com certa paixão e dedicação. Ela ainda aí está. E quantos não se iniciaram no jornalismo, publicando suas premissas no jornal, pois o seu Director acolhia a juventude com um carinho muito especial!...
É por tudo isso que, quase um companheiro de jornada, ainda estou aqui a lembrar os que partiram, em especial o seu Fundador e querido e venerando Mestre e Amigo, Pe. João Vieira XAVIER MADRUGA, que dirigiu o jornal durante 53 anos; o Pe. António Cardoso que, inspiradamente, adquiriu o jornal, em 1970, para a Paróquia e foi seu director até à transferência para a Terceira; e o Dr. Rogério Gomes, que brilhantemente o dirigiu enquanto Pároco da Matriz das Lajes. E também para felicitar quantos têm ajudado paciente e dedicadamente o jornal para que pudesse atingir tão provecta idade.
O Dever vai continuar! É um tesouro muito rico para os lajenses que não o podem nem devem abandonar nem esquecer. Faz parte do Património da vila, do concelho e da própria Ilha do Pico.
E bem merece que, nesta passagem do nonagésimo ano, algo de concreto assinale tão importante efeméride. Fica a sugestão a quem de direito, como soe dizer-se.
Lajes do Pico,
Junho, 2007
Ermelindo Ávila
O Dever apareceu a primeira vez no dia 2 de Junho de 1917. Quinze dias antes a Virgem havia aparecido em Fátima aos três Pastorinhos. Uma coincidência providencial?! Mas há uma diferença assinalável: enquanto um vai caminhando para o fim, o outro vai-se rejuvenescendo, cada dia que passa, sempre mais jovem e vigoroso.
Todavia, não se julgue que tem sido fácil a vida do jornal. Surgiu numa época em que a Igreja era constantemente atacada e vilipendiada por um jacobinismo feroz que não escolhia meios para atingir os seus fins. E o fim era acabar com o catolicismo em duas gerações como apregoavam os seus corifeus.
Felizmente que não atingiram os seus diabólicos objectivos. Fátima é o testemunho forte de que os perseguidores da Igreja não conseguiram seus nefandos projectos.
Na História da Diocese a primeira República deixou a sua presença marcada por vilanias tamanhas que hoje estão talvez esquecidas mas que não deixaram de ferir, dolorosamente, a própria Igreja e os católicos da recuada época.
A lei da “Separação da Igreja do Estado” (1 de Julho de 1911) permitiu uma autêntica perseguição ao clero. Alguns sacerdotes foram presos por “terem o atrevimento” de andar na rua com vestes talares. Um deles foi o Pároco de S. Bárbara da Terceira que, somente por atravessar a rua com batina, do passal à igreja, foi preso e conduzido a pé, por uma força militar, à cidade de Angra onde esteve detido um dia e, solto, proibido de voltar à freguesia, Santa Bárbara… O Vigário Capitular de Angra foi deportado para S. Miguel. E escreve ainda o C.º Pereira em A Diocese de Angra na História dos Seus Prelados, páginas 45, donde respigo estas notas: Na Vila do Topo, quando o Pe. Armelim Mendonça, que havia feito concurso para a respectiva Matriz, veio tomar posse da igreja, uma multidão, movida pelos caciques políticos, foi-lhe ao encontro, gritando que o não queriam ali. Alegavam que ele não tinha licença do Ministro da Justiça para ir paroquiar naquela Vila! Ele retirou-se para Santo Antão, onde depois foi colocado. Poucos dias depois os manifestantes apagaram a lâmpada do SS. Sacramento, deixando ficar no Sacrário as Sagradas Espécies, fecharam a igreja e foram em procissão lançar a chave ao mar!
Até o nosso conterrâneo P. Moniz Madruga, pároco da Feteira, Faial, foi processado por ter lido aos paroquianos uma Provisão do Vigário Capitular, ficando em liberdade sob uma caução de um conto de reis! E outros mais!
Foi neste ambiente de hostilidade que o P. João V. Xavier Madruga foi nomeado Pároco e ouvidor da Vila do Topo. Era, ao tempo, professor do Seminário. Escusado será dizer aqui que, o ambiente hostil que o esperava lhe dificultou seriamente toda a acção pastoral. As ameaças e calúnias foram-se sucedendo mas o Pe. Madruga nada temeu. Manteve-se no seu posto com denodo e coragem mais de dez anos!
Em 2 de Junho de 1917 funda na vila do Topo o semanário O Dever, onde procura defender-se das aleivosias, sobretudo, aquelas que eram vilmente dirigidas à Igreja.
A seguir, e com a colaboração do Pe. Manuel Joaquim de Matos, Vigário da Vila da Calheta, estabelece ali a redacção e oficina tipográfica, continuando, porém, a ser perseguido, insultado e caluniado. (Decorridos algumas dezenas de anos, antigos “inimigos” procuraram-no a desculpar-se!.. )
Depois de muito sofrer e já bastante doente, vem para o Pico repousar na casa da Família. Restabelecido, é colocado como vigário na freguesia da Candelária.
No entanto, sob a sua direcção O Dever continuou em S. Jorge, embora fosse sistematicamente perseguido pela censura local, o que levou o P. Madruga a pedir para que a publicação ficasse sujeita ao Oficial Censor da Horta. Porém, com o falecimento do Pe. Matos, viu que era a ocasião azada para trazer o jornal para junto de si. Já então se encontrava na situação de manente, nesta vila. Superiormente é concedida a necessária autorização e a tipografia, redacção e administração são instaladas nas Lajes, publicando-se o primeiro número em 3 de Setembro de 1938. E aqui tem estado O Dever, hoje um dos dois semanários mais antigo da Região. Noventa anos! Quase um século!
Aquando do falecimento do P. Xavier Madruga, em 30 de Março de 1971, escreveu o Boletim Eclesiástico de Angra: “O estilo fluente e acessível proporcionava aos seus leitores uma leitura agradável e proveitosa. Prestou sem dúvida um relevante serviço à Igreja e honrou a Diocese ao longo da sua vivência sacerdotal.”
O DEVER, mais do que um jornal, é uma instituição valorosa desta vila. Desde a sua fundação sempre esteve ligado à Vila das Lajes. A História desta terra está, sumariamente embora, nele registada. Quando na Vila da Calheta, quinzenalmente publicava uma secção - Correio das Ilhas, com notícias e não só, da ilha do Pico. Uma vez instalado nas Lajes, passou a ser o maior defensor dos interesses da vila das Lajes e de toda a Ilha do Pico. Compulse-se os seus noventa volumes, com quase quatro mil e quinhentas edições, e ter-se-á o comprovativo da intransigente defesa da Igreja, da Ilha do Pico e da própria Nação Portuguesa. O seu lema foi, durante muitos anos e ainda é, embora não o registe, Por Deus! Pela Pátria!
Quase toda a minha longa vida estive ligado a O Dever. Nele iniciei uma modesta colaboração em 1932. Quando passou a publicar-se nesta vila, fui seu primeiro editor, redactor e administrador, cargos que exerci vários anos até que as funções oficiais que desempenhei m’o impediram. Mas nunca deixei de dar o meu contributo ao jornal, com certa paixão e dedicação. Ela ainda aí está. E quantos não se iniciaram no jornalismo, publicando suas premissas no jornal, pois o seu Director acolhia a juventude com um carinho muito especial!...
É por tudo isso que, quase um companheiro de jornada, ainda estou aqui a lembrar os que partiram, em especial o seu Fundador e querido e venerando Mestre e Amigo, Pe. João Vieira XAVIER MADRUGA, que dirigiu o jornal durante 53 anos; o Pe. António Cardoso que, inspiradamente, adquiriu o jornal, em 1970, para a Paróquia e foi seu director até à transferência para a Terceira; e o Dr. Rogério Gomes, que brilhantemente o dirigiu enquanto Pároco da Matriz das Lajes. E também para felicitar quantos têm ajudado paciente e dedicadamente o jornal para que pudesse atingir tão provecta idade.
O Dever vai continuar! É um tesouro muito rico para os lajenses que não o podem nem devem abandonar nem esquecer. Faz parte do Património da vila, do concelho e da própria Ilha do Pico.
E bem merece que, nesta passagem do nonagésimo ano, algo de concreto assinale tão importante efeméride. Fica a sugestão a quem de direito, como soe dizer-se.
Lajes do Pico,
Junho, 2007
Ermelindo Ávila
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