Em tempos passados era “normal” o comércio de contrabando do tabaco desembarcado das baleeiras americanas. Vários eram os negociantes contrabandistas por esse Pico fora e não só. Em todas as Ilhas se fazia contrabando de tabaco e de roupas de “angrin”. No excelente estudo que publicou no Boletim do Núcleo Cultural da Horta (Vol. XI 1993-95, pág.135), sobre o “Faial 1808-1810 – Um tempo Memorável”, o Dr. Ricardo Manuel Madruga da Costa, transcreve uma carta do Comandante da “Iris”, na qual “é possível aperceber ainda com maior precisão os contornos da rede de contrabando e a natureza diversificada das mercadorias transaccionadas, completada por um informação que lhe fora prestada pela firma Tho’s Reay & Cº sediada no Fayal: “(...) Tenho pois a honra de remetter a Vossa Excelencia a / inclusa Copia da dita Carta (que o Capitão-General havia pedido por ter conhecimento verbal da sua existência) datada de 29 do passado e igualmente de participar a Vossa Excelência que entre os dias 22 e 26 do passado, se avistarão desta Fragata dois Navios Americanos, na Costa Meridional da Ilha do Pico, comunicando-se com a Terra, e que depois foi publicado, e notorio no Fayal, que aquelles navios tinhão feito contrabando de Tabaco. Sendo o Consul Americano por mim perguntado (sic) a este respeito, avançou o contrario, porem suspeita-se com bons fundamentos, que elle mesmo teve comunicação clandestina com os ditos Navios (...)”.
Há dias passei na rua marginal da Vila, onde está o antigo “poço da Rochinha”. Entristeceu-me algo, que aquele poço esteja praticamente inutilizado, pois dele extraiu a população da zona, durante séculos, a água algo salobra mas indispensável aos seus usos domésticos. E não só...
Recordei uma “história” de contrabando que, na minha juventude, contava a centenária Luiza de José António, moradora nas imediações. Ela própria negociava com tabaco americano, para suprir os gastos domésticos “uma vez que o marido era quase inválido”. Certo dia – e aqui vai a história- teve conhecimento que a guarda da Alfândega lhe ia dar busca à moradia. Ainda de madrugada, tomou o pote de água e colocou no fundo algum tabaco que foi despejar no poço da Rochinha. No regresso trouxe água que vazou num buraco da cozinha térrea. E tantas vezes fez o percurso quantas as necessárias para se desfazer do contrabando que, se fosse encontrado, a sujeitaria a pesadas penas. Da última vez que transportou a água, vira-se para os guardas, que estavam à entrada da rua e que só podiam iniciar a busca depois do Sol nascer, e diz-lhes: “Parece impossível uma mulher não poder governar-se na sua casa!” Os guardas que ignoravam o “trabalho” de Luiza de José António, responderam-lhe: “Esteja à vontade!” Quando apareceu o Sol por detrás da lomba, os guardas invadiram a casa mas nada encontraram. E ela contava o acontecido com entusiasmo, pois era uma das várias façanhas da sua vida.
Um outro caso de contrabando deu-se na freguesia da Piedade. Não daqueles de que nos fala Manuel d’Ávila Coelho no seu interessante trabalho “A Freguesia de Nossa Senhora da Piedade na Ilha do Pico” (Boletim do N.C. da Horta, Vol.2, Nº3-1961, pág.291) mas de um outro acontecido no lugar da Engrade onde passavam o verão algumas famílias lajenses.
Era habitual alguns lajenses irem passar o verão nas adegas que possuíam na Engrade, freguesia da Piedade. Quando aí estavam tiveram conhecimento de a guarda da Alfândega, aquartelada na Calheta de Nesquim, caminhara para aquele lugar, pois houvera uma denúncia de que naquele sítio se fazia contrabando de tabaco. O “negociante” não se amedrontou, como aconteceu com Luiza de José António. Mandou preparar uma refeição com linguiça e torresmos, e o bom vinho Verdelho. Juntou o tabaco na celha do lagar, instalou esta no pátio, com o portão aberto para o caminho. Em cima da celha colocou uma porta a servir de mesa. Cobriu-a com uma toalha e sobre ela a “merenda”.
Mandou vigiar os guardas e quantos estes se aproximavam sentaram-se à improvisada mesa e iniciaram a refeição no meio de grande alarido. Quando os guardas passavam, convidou-os a entrar e a comer. Eles aceitaram e se bem comeram melhor beberam. No final do repasto perguntou-lhes o contrabandista:” Para onde ides?” Resposta: “Íamos fazer um serviço mas agora vamos é para casa.” E assim fizeram. Tinham comido sobre o contrabando...
Não menos interessantes são as narrativas que Ávila Coelho faz no seu trabalho acima citado. Não as vou repetir.
Mas, afinal, que vai acontecer ao Poço da Rochinha ? Vão restaura-lo? É o “ex libris” da zona ribeirinha da Vila.
Lajes do Pico
24 de Junho de 2003 Ermelindo Ávila
in Figuras & Factos II Vol., 2005
Há dias passei na rua marginal da Vila, onde está o antigo “poço da Rochinha”. Entristeceu-me algo, que aquele poço esteja praticamente inutilizado, pois dele extraiu a população da zona, durante séculos, a água algo salobra mas indispensável aos seus usos domésticos. E não só...
Recordei uma “história” de contrabando que, na minha juventude, contava a centenária Luiza de José António, moradora nas imediações. Ela própria negociava com tabaco americano, para suprir os gastos domésticos “uma vez que o marido era quase inválido”. Certo dia – e aqui vai a história- teve conhecimento que a guarda da Alfândega lhe ia dar busca à moradia. Ainda de madrugada, tomou o pote de água e colocou no fundo algum tabaco que foi despejar no poço da Rochinha. No regresso trouxe água que vazou num buraco da cozinha térrea. E tantas vezes fez o percurso quantas as necessárias para se desfazer do contrabando que, se fosse encontrado, a sujeitaria a pesadas penas. Da última vez que transportou a água, vira-se para os guardas, que estavam à entrada da rua e que só podiam iniciar a busca depois do Sol nascer, e diz-lhes: “Parece impossível uma mulher não poder governar-se na sua casa!” Os guardas que ignoravam o “trabalho” de Luiza de José António, responderam-lhe: “Esteja à vontade!” Quando apareceu o Sol por detrás da lomba, os guardas invadiram a casa mas nada encontraram. E ela contava o acontecido com entusiasmo, pois era uma das várias façanhas da sua vida.
Um outro caso de contrabando deu-se na freguesia da Piedade. Não daqueles de que nos fala Manuel d’Ávila Coelho no seu interessante trabalho “A Freguesia de Nossa Senhora da Piedade na Ilha do Pico” (Boletim do N.C. da Horta, Vol.2, Nº3-1961, pág.291) mas de um outro acontecido no lugar da Engrade onde passavam o verão algumas famílias lajenses.
Era habitual alguns lajenses irem passar o verão nas adegas que possuíam na Engrade, freguesia da Piedade. Quando aí estavam tiveram conhecimento de a guarda da Alfândega, aquartelada na Calheta de Nesquim, caminhara para aquele lugar, pois houvera uma denúncia de que naquele sítio se fazia contrabando de tabaco. O “negociante” não se amedrontou, como aconteceu com Luiza de José António. Mandou preparar uma refeição com linguiça e torresmos, e o bom vinho Verdelho. Juntou o tabaco na celha do lagar, instalou esta no pátio, com o portão aberto para o caminho. Em cima da celha colocou uma porta a servir de mesa. Cobriu-a com uma toalha e sobre ela a “merenda”.
Mandou vigiar os guardas e quantos estes se aproximavam sentaram-se à improvisada mesa e iniciaram a refeição no meio de grande alarido. Quando os guardas passavam, convidou-os a entrar e a comer. Eles aceitaram e se bem comeram melhor beberam. No final do repasto perguntou-lhes o contrabandista:” Para onde ides?” Resposta: “Íamos fazer um serviço mas agora vamos é para casa.” E assim fizeram. Tinham comido sobre o contrabando...
Não menos interessantes são as narrativas que Ávila Coelho faz no seu trabalho acima citado. Não as vou repetir.
Mas, afinal, que vai acontecer ao Poço da Rochinha ? Vão restaura-lo? É o “ex libris” da zona ribeirinha da Vila.
Lajes do Pico
24 de Junho de 2003 Ermelindo Ávila
in Figuras & Factos II Vol., 2005
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