sexta-feira, 22 de junho de 2007

BALEAÇÃO (um pouco de história) II

Já referi aqui a iniciativa de João Paulino Narciso que, por volta de 1866, pretendeu estabelecer uma armação baleeira nesta vila, cujos resultados foram infrutíferos. Mas os lajenses não se quedaram perante esse insucesso. Depois dos Dabney’s terem estabelecido, de parcerias com o Capitão Anselmo, uma armação na Calheta de Nesquim, surgiram logo diversas armações pelo Sul do Pico. Uma das primeiras, senão a primeira, foi a do Raimundo, na freguesia de São João, que veio a ser destruída pelo ciclone de 28 de Agosto de 1893. O material que restou foi vendido para as armações desta vila.
Em 1897 existiam nesta vila seis companhias baleeiras, sociedades irregulares, que funcionavam em nome dos respectivos gerentes. Na Delegação Marítima estavam registadas: Companhia de João Manuel e outros (sic), com as canoas “Aurora”, ”Amélia” e “Santo Cristo”; a Companhia de António Laureano, com o barco “Ella”; a Companhia de Manuel Joaquim, com as canoas “Leonor” e “Flor das Ilhas”; a Companhia de Francisco Xavier Bettencourt e outros, com as canoas “Águia” e “Andorinha”; a Companhia de João de Deus Bettencourt, com as canoas “Espírito Santo” e “Felicidade”; a Companhia de Manuel Pereira Domingos, com as canoas “Conceição “ e “S. Sebastião”; e a Companhia de Francisco da Rosa Vieira, com as canoas “Santo Cristo” e “São Pedro” . Na Calheta de Nesquim havia a Companhia de Anselmo Silveira e outros, com as canoas “Apatia”, ”Democrata” e Calhetense”; e nas Ribeiras, a Companhia de Joaquim Medina com as canoas ”Boa Vista”, Santo António” e “Espirito Santo”. Em São Roque havia também duas Companhias, a de Manuel Machado da Silveira Soares com as Canoas “Maria Pequena”, “Madalena” e “Livramento”, e a de António Cristiano de Sousa, com a canoa “São Roque”.
No entanto, o jornal “O Lagense”, que existiu nesta vila, em seu número 131, de 20 de Maio de 1893, dava a seguinte notícia: “As canoas baleeiras que actualmente estacionam nos diferentes portos desta ilha e fazem serviço, são em número de 39, sendo duas em São João; 15 nesta Vila; sete nas Ribeiras; quatro na Calheta e quatro em Santo Amaro.”
Todas as companhias funcionavam em regime de cooperativas e não possuíam, ao que consta, contratos escritos. Só em 1904 é que se encontram nas Notas do Notário Tomé Cardoso de Simas Machado e Mello, as escrituras de constituição das Sociedades Baleeiras: “Nova Sociedade Lajense,” de que era gerente Manuel Cardoso Machado Bettencourt; “Companhia Nova Ribeirense do Pico” e ”Companhia Velha Ribeirense”, das Ribeiras. O capital social da Lajense era representado, então, por” casa de alto e baixo, para a recolha das canoas e o direito a colocar no Caneiro as caldeiras para extracção de azeite”.
Nas mesmas escrituras afirmava-se ainda: “Que tendo há anos uma sociedade para a pesca da Baleia, cachalotes e outros similares e venda do respectivo produto, vem pela presente escritura constituir legalmente uma sociedade ...”
Ao longo dos tempos diversas leis foram promulgadas pelo Governo para a disciplina da actividade baleeira. Em 26 de Maio de 1862 é publicada uma Lei que “concede certos benefícios aos navios, utensílios e indivíduos que se empregassem na pesca da baleia. A Lei de 10 de Abril de 1877 prorroga por mais dez anos a lei de 26 de Maio de 1962 sobre a pescaria da baleia nos Açores. E, em 14 de Abril de 1886 é publicada uma Portaria que regula a execução das Leis de 26-5-1862 e de 10-4-1877, acerca da pesca nacional da baleia.
Em 11 de Abril de 1901 é publicada nova Lei que regulamentou a actividade baleeira e que dá origem à legalização das sociedades existentes. Em 1918 são obrigadas as sociedades a reformular os respectivos pactos sociais e em 10 de Março de 1924 é publicado o Decreto nº 11011, que regulamentou a Lei 1561 e o qual dá origem às novas sociedades, cujos pactos sociais vieram a ser realizados em Abril de 1929.
Depois é publicado em 19 de Maio de 1954 o célebre Decreto nº 39.657 que estabeleceu as zonas de baleação e limitou, assim, a actividade. Afinal, estava-se no princípio do fim!...
Do Pacto Social da “Nova Sociedade Lajense, Lda.”, outorgado no dia 3 de Julho de 1904 – cem anos são decorridos ! - nas notas do antigo Notário Tomé de Simas, já atrás referido, constam as cláusulas que não deixam de ter interesse para um estudo sócio-económico daquela extinta actividade. Dele se extraem as seguintes.”
= Tendo há anos no porto desta vila uma sociedade particular para a pesca da baleia, cachalotes e outros similares e venda do respectivo produto, o vem pela presente escritura constituir legalmente a mesma sociedade.
= Ao sócio oficial ou trancador que se ausentar do porto desta Vila para ir balear fora, em botes que não sejam da companhia, será descontado dos lucros da sua quota quarenta e cinco por cento para a companhia, das baleias arpoadas durante a sua ausência.
= O sócio que arriar à baleia em canoas que não sejam da Companhia e onde estiverem botes dela, será excluído da sociedade e se lhe entregará em dinheiro a quantia que a maioria dos sócios entender valer a quota ou acção que tiver na companhia.
= Divisão – Do produto total da pesca serão pagas todas as despesas com reboques, imposto do pescado, vigias, fretes, comissões, e quaisquer outros imprevistos fizerem até que a Companhia seja embolsada da importância que tiver produzido a pesca e da importância que sobrar destas despesas serão pagas as soldadas que serão para cada oficial uma parte de vinte; para cada trancador uma parte de trinta; e para cada tripulante uma parte de cinquenta. – Depois de pagas as soldadas a sociedade por maioria de votos dos seus sócios designará a importância que deve reforçar o fundo social ou se deste se deve levantar alguma quantia para reforçar o dividendo.”
O gerente tinha direito a uma soldada, pelo seu incomodo (sic) igual à de cada tripulante não classificado.
O sistema de remuneração, estabelecido em 1904 e que, naturalmente, redominava desde a fundação das Companhias Baleeiras (eram assim designadas), vigorou sempre até à proibição da caça ao cachalote, em 1947.
Importa ainda lembrar aqui que o Governador Santa Rita, que governou o Distrito da Horta durante vinte anos, no relatório de 23 de Dezembro de 1867, referindo-se à Ilha do Faial, escreveu: “O contacto em que a população da ilha se acha com os americanos dos Estados Unidos do Norte (sic) e a frequência dos navios baleeiros daquela nação nos portos deste distrito, fez nascer a ideia das empresas da pesca da baleia. Efectivamente desde muitos anos se tem tentado este ramo da indústria humana, e a tal ponto chegara a ideia dos interesses que daí resultariam, que esta praça teve armados em um ano seis navios baleeiros. Infelizmente a fortuna não ajudou a todos; e daí veio naturalmente o desanimo. Presentemente só existem três baleeiras portuguesas, as quais mesmo neste último ano não obtiveram boa pesca. Contudo é esta uma indústria que podia ser de imenso interesse para este distrito, se a maior parte das empresas fosse coroada de um bom resultado.”
Tinha razão Santa Rita. A baleação foi uma indústria que muito contribuiu, durante século e meio, para um certo desafogo económico da população lajense e, igualmente, duma parte bem avantajada dos picoenses. Basta considerar que no ano de 1935. v.g., os portos da Calheta, Lajes e Ribeiras, tinham em actividade trinta e seis embarcações com 231 marinheiros.
Hoje, a lembrar a actividade, restam as regatas, com as canoas que daqui foram levadas para diversos portos dos Açores, mesmo para aqueles onde não existe nenhuma tradição baleeira. Mas as regatas, em dias festivos, sempre foram praticadas, utilizando-se as canoas baleeiras.
A quando da Visita Régia ao Faial, em 28 de Junho de 1901, um dos números do programa da recepção a Suas Majestade, foi uma regata de canoas baleeiras no porto da Horta como refere Marcelino de Lima (Anais do Município da Horta, 1943, pág.615). Ganharam as canoas das Lajes do Pico pertencentes às Companhias “União Lajense” – (Das Senhoras), e “Novas Sociedade Lajense” – (Os Judeus).Como prémio Dom Carlos ofereceu às referidas Companhias um bote baleeiro.
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P.S. No texto publicado neste Semanário ,em 22 de Janeiro último, sob o título “Horas Trágicas da Baleação”, por lapso deixei de referir os baleeiros: António Azevedo da Silva (António Teixeira), que foi atingido por uma baleia, tendo morte instantânea, e, levado pela linha, não mais apareceu. A Canoa chamava-se “Manuela Neves” e dela era oficial José Francisco Valim (Graxinha). O sinistro ocorreu em 13 de Junho de 1946. Alguns anos depois, em 1952 (?), João Ávila de Melo (João Saltão) , na canoa “Claudina”, de que era oficial João Silveira Furtado, depois de haver trancado uma baleia, foi levado pela linha para o abismo.
Agradeço aos amigos que me chamaram a atenção e me prestaram os esclarecimentos devidos.
Vila Baleeira, 1 de Fevereiro de. 2004 Ermelindo Ávila ,
in, Figuras & Factos vol.II, 2005

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