terça-feira, 2 de maio de 2017

AS COROAÇÕES

Notas do meu cantinho

         Estão em casa, como soe dizer-se, as chamadas domingas, Coroações ou, até mesmo o “Levar a Coroa”. Tudo expressões que se reduzem ao cumprimento de uma promessa ou de um voto dos antepassados. E tudo começa no domingo que se segue ao domingo de Páscoa.
Vêm dos remotos tempos do povoamento, avivado com a crise sísmica que assolou os Açores, e principalmente a ilha do Pico, no século XVIII.
         E se alguns desses votos deixaram de cumprir-se pela extinção natural das respectivas famílias voventes, por aqui ainda se cumpre, de cinco em cinco anos, principalmente na Almagreira – Silveira e nas Terras, da freguesia da Santíssima Trindade. Este ano é “o ano das Terras”, como
ainda se diz. E ali as Famílias dos seculares Voventes tiram sortes, no ano anterior, julgo, para a distribuição das “domingas”, da Páscoa ao Domingo de Pentecostes.
         Há anos passados, era reduzido o número de assistentes à “função”: doze pobres, os familiares que levavam as varas e o estandarte e algumas crianças portadoras de cestinhas com flores, que iam desfolhando à frente da Coroa, ou Coroas, no percurso do cortejo entre a residência do mordomo e a igreja, onde tinha lugar a “Coroação”. Tudo feito com ordem e respeito pela tradição.
         Ainda hoje, assim se procede, muito embora o cortejo seja bastante ampliado com centenas de convidados, por vezes. E os convites são feitos, a amigos e conhecidos, com semanas de antecedência.
         E com antecedência também - durante o ano! – se preparam as famílias para “levar a Coroa”, no dia que lhe saiu em sorte. São os bovinos, ou apenas um que se tratam com mais cuidado; é, em algumas famílias, o trigo que é semeado para ser colhido e guardado até à semana da coroação; são os ovos que se vão trocando para que se reúnam as “dúzias” necessárias para as “massas” que se hão-de cozer. É todo um trabalho feito com cuidado e dedicação e que ocupa novos e velhos.
         Não se trata de uma associação ou irmandade propriamente dita, mas de um compromisso familiar que se vem transmitindo na própria família, com o maior respeito, sem que se tornasse necessário compromisso escrito. Bastou a palavra da primeira hora e tudo se vem realizando há séculos!
         As “Coroações” são uma tradição e uma organização diferente dos “Impérios”. Enquanto estes abrangem todas ou quase todas as famílias do lugar – há freguesias onde se realizam dois ou mais impérios de famílias ou de classes sociais: dos marítimos, dos lavradores, etc. - as “Coroações” têm lugar, nos anos próprios, dentro das próprias famílias que assumiram essa obrigação, em épocas diferentes. E tudo em honra e louvor do Divino Espírito Santo.
         Embora se trate de actos religiosos, a Igreja nada tem com a sua realização ou administração. No entanto, celebra os actos de culto – Missa e Coroação – segundo a vontade de cada um dos mordomos das domingas.
         Verdade que as festas do Espírito Santo, seja “Impérios” ou “Coroações”, são actos religiosos que a Igreja aceita sem interferência na administração. E quando o quis fazer só provocou situações que tiveram desfechos desagradáveis...
Todavia e, felizmente, há um entendimento correcto, normal e plausível entre a Igreja e as organizações do culto da Terceira Pessoa da Santíssima Trindade, e todo o cerimonial se realiza com espírito de fé e de religiosidade honesta.
Não deixa de ser dispendiosa uma “função de coroa”. Nos últimos anos, depois da Missa solene e do cortejo com a Coroa ou Coroas do Divino Espírito Santo, os promotores da solenidade, Mordomos ou “Imperadores”, oferecem um lauto jantar a centenas de convidados e familiares, como disse. Normalmente, recebe pequenas ajudas de familiares, vizinhos e amigos. No entanto, não deixam de ser dispendiosos estes autênticos banquetes que, de bom grado, são realizados em louvor do  Divino, como em certos lugares se diz.
Além das “Coroações” das Domingas, há outras que se realizam durante o ano, consoante as disponibilidades dos voventes, em cumprimentos de votos, alguns residentes, outros emigrantes que voltam à terra para cumprirem suas promessas feitas em ocasiões ou por motivos diversos.
É, afinal, uma devoção muito arreigada na alma do Povo Açoriano, quer esteja no Corvo, em Santa Maria, no Pico ou em qualquer outra ilha. Ponta Delgada realiza, anualmente, uma festa do Espírito Santo, com larga distribuição de sopas, promovida pelo próprio Município. E em outras localidades isso mesmo acontece. É para se poder comodamente promover a sua realização que, presentemente, a ilha do Pico dispõe de um vasto número de salões.

Páscoa de 2017
Ermelindo Ávila


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