sábado, 27 de março de 2010

ALELUIAS PASCAIS

Os católicos estão a viver a grande semana. Domingo comemoraram a entrada triunfal de Cristo em Jerusalém. Agora estamos a celebrar a Semana Santa: Flagelação, Coroação de espinhos, Crucifixão e Morte do Salvador e Sua Ressurreição.

É, na realidade, a Grande Semana celebrada por aqueles que professam a Doutrina Cristã. Mesmo assim, nem todos...

Vivemos uma época em que Cristo está esquecido. A prática religiosa está quase abandonada. São raros aqueles que ainda cumprem os preceitos evangélicos. Na realidade, há um afastamento confrangedor do culto católico pelos cristãos baptizados.

As vocações vão rareando, o clero vai desaparecendo, as igrejas vão-se esvaziando. As celebrações da Eucaristia dominical acontecem, muitas vezes, a horas incertas porque, em outras paróquias, serviços há que “exigem” a presença do sacerdote. Parece que vivemos numa estranha terra de missão. Afinal, uma situação de angústia que cada um vai sofrendo, muitas vezes caladamente e a seu modo.

E o Senhor continua a sofrer os tormentos da Paixão e Morte, embora de maneira mística. E sofre nos casais desavindos, nos filhos, vítimas dos desentendimentos e separações dos pais e entregues a instituições mercenárias, nos irmãos doentes, com maleitas incuráveis, nos idosos abandonados em Lares da terceira idade, sem o calor familiar e o conforto espiritual. E sofre naqueles que perderam os empregos e divagam famintos pelas ruas, pernoitando debaixo das arcadas, como dizia João de Deus na “Cartilha Maternal”. Nos drogados e nos abandonados moral ou fisicamente.

E o Cristo sofredor continua a ser crucificado!

Celebrados os Mistérios da Paixão, surge logo a Ressurreição. Aqui e ali os sinos voltam a repicar festivamente, lançando um alerta aos cristãos esquecidos, de que Cristo ressuscitou. Os cânticos festivos ecoam por alguns dos templos católicos, pois nem todos celebram a Páscoa da Ressurreição.

Mas, na maioria das habitações há festa e alegria com o partir dos folares e o distribuir das amêndoas e de outros doces e guloseimas, principalmente pelos mais jovens, mantendo-me, mesmo assim, uma tradição secular e cristã.

E cristã porque, em anos não muito distantes, a Quaresma era um tempo de renúncia e de sacrifícios. Das mesas, mesmo as daquelas famílias mais “remediadas”, eram afastados os doces e os acepipes. Refeições frugais, onde raramente aparecia a carne e os jejuns eram uma prática quase diária. Cumpria-se, assim, o preceito da Igreja que obrigava, na Quaresma, o jejum e a abstenção de carne em alguns dias da semana, se bem que actualmente essa determinação seja inadequada aos tempos que correm.

Os divertimentos eram suspensos para só voltarem após o Domingo da Ressurreição. Nem cantares, nem bailes, nem teatros, nem outros folguedos, mesmo simples e inofensivos. As semanas da Quaresma eram tempos de renúncia e de sacrifícios. E ninguém se insurgia contra tais determinações da Igreja, Mãe atenta ao bem espiritual dos filhos.

Agora, o que era excepção transformou-se em regra. Não importa o que obriga. Interessa viver com alegria e bem-estar os dias que passam. A vida é curta. Há que gozá-la. Mas que vida? Julga-se que o ser humano se extingue com a morte física... E depois?...

Com algumas reservas escrevo esta nota, se bem que ela exprima algo do que sinto e vivo neste ocaso da vida. Nada mais.

O Senhor ressuscitou. Aleluia!

Boas Festas Pascais!



Vila das Lajes do Pico

Páscoa de 2010.

Ermelindo Ávila

sexta-feira, 19 de março de 2010

O SENHOR COMENDADOR

NOTAS DO MEU CANTINHO


Conheci-o na minha juventude. Figura simpática e cortês, dele só me recordo de ele ter um amigo, com o qual passava os serões, pois ficava-lhe quase ao pé da porta como soe dizer-se: o senhor Capitão José Francisco Fidalgo.

Não era lajense. Nasceu na Horta a 2 de Fevereiro de 1850 e quando foi senhor de uma avultada quantia, parece que deixada pela mãe, mudou-se para esta vila. Tinha dezanove anos. Aqui estabeleceu-se com fazendas num barracão, no sítio onde hoje fica o edifício da Delegação Marítima.

Alguns anos decorridos deu-se o ciclone de 29 de Agosto de 1893 que lhe provocou estragos no estabelecimento. O comendador António Homem da Costa, era o seu nome, afligiu-se e retirou dali o estabelecimento, construindo para a sua instalação, na rua Direita, o prédio que ainda hoje mantém no frontispício uma pequena placa com o seu nome e a data de 1910. Trata-se de um dos melhores prédios urbanos da vila e a planta e construção devem-se ao mestre Francisco San Miguel, um dos mais hábeis construtores que existiram nesta terra. O comendador não o desejava tão grande e parece que só pretendia fazer uma casa de um só piso. Foi o Mestre Francisco que, aproveitando a ida do comendador à quinta da Miragaia, viagem que empreendia todas as semanas em dia certo, onde se demorava até à noite, para evitar o Sol, lançou os alicerces do actual prédio, o que o Comendador não pôde evitar, no dia seguinte, por já estarem gastas umas dezenas de mil reis e ele não era homem para “deitar dinheiro ao mar”.

O Comendador António Homem da Costa viveu solteiro e faleceu, aos 79 anos, em Agosto de 1929. Não deixou herdeiros, legando em testamento os seus haveres ao empregado que lhe assistisse ao falecimento.

Diz um seu biografo: “Afável, cavalheiroso e honesto, o seu estabelecimento adquiriu voga especial naquele meio, e portanto os seus lucros corriam a par dos seus méritos de cidadão e comerciante. Casualmente encontra-se funcionário público.”(1) Durante sete anos foi tesoureiro da Câmara Municipal, até que resolveu pedir a exoneração para melhor se dedicar aos seus negócios.

Depois foi eleito vereador da Câmara e escolhido para seu presidente, cargo que desempenhou por diversas vezes e por alguns anos, sempre com geral agrado, embora não estivesse filiado em nenhum partido político. Durante o seu mandato, além de outros melhoramentos públicos, instalou na vila a iluminação pública, a petróleo, até que um pobre louco entendeu, certa noite, destruir os candeeiros.

Em 12 de Junho de 1890 foi agraciado com o grau de cavaleiro da Ordem Militar de N. S. Jesus Cristo, e em 27 de Agosto de 1896 com o grau de comendador da mesma ordem.

No serão que fazia no estabelecimento não tinha luz acesa. Quando algum freguês lhe batia à porta, acendia um naco de vela e servia-o. Logo a seguir apagava a luz.

Fazia uma economia extrema, não somente no que lhe pertencia mas igualmente nos sectores que administrava. Em certa ocasião aumentou o preço do petróleo. Era então Presidente da Câmara. Solução: diminuir uma hora no horário da iluminação pública.

No entanto, trajava bem e tinha as indumentárias próprias para as ocasiões solenes. Fraque ou casaca e chapéu de coco ou de pelo.

Lembro-me dele como comerciante, já muito limitado, e como Presidente da Câmara. A ele se ficou a dever a concessão do terreno para o Campo de Jogos do Clube Desportivo Lajense, em 1922.

E para finalizar esta nota: Certo dia passava junto do estabelecimento do Senhor Comendador, quando ele me chamou e pediu-me para levar uma pequena saca com dinheiro, ao senhor Ouvidor, Pe. José Vieira Soares. Eram quinhentos mil reis, em moedas de prata, que ele oferecia à Igreja para a construção do retábulo do altar do Senhor Jesus, na Igreja de São Francisco, então a servir de paroquial. Estávamos na década de Vinte e a antiga moeda já não tinha o valor facial. Mesmo assim a dádiva representava algo de importante.

Estando em férias, fui ao seu funeral.

Mais poderia aqui trazer do comendador António Homem da Costa. Fico por estas notas apenas a recordar alguém que foi uma figura importante nesta vila, na segunda metade do século dezanove e primeiro quartel do século vinte.

É vasta a biografia do Comendador António Homem da Costa. Fico por aqui, lembrando uma personalidade que se distinguiu nesta terra que adoptou como sua.

Vila das Lajes

21 de Fevº. de 2010

Ermelindo Ávila

1) Álbum de Contemporâneos Ilustres. Fascículo 45. S/ data.




terça-feira, 16 de março de 2010

SEMANA CULTURAL AÇORIANA

Na primeira semana de Março realizou-se em Lisboa a Semana Cultural Açoriana.

Tratou-se, ao que julgamos saber, de um acontecimento cultural de elevado valor artístico, que muito apreciado e aplaudido foi pelos numerosos assistentes do Teatro Municipal São Luís, da capital.

Uma Semana Cultural que marcou, não apenas pelos artistas açorianos presentes, como pelas produções apresentadas.

Este acontecimento cultural traz-me à lembrança um outro, que teve lugar em Lisboa, exactamente na semana de 8 a 15 de Março de 1938 – precisamente há setenta e dois anos – e que foi promovido pelo Grémio dos Açores (hoje Casa dos Açores). Era Presidente o Professor Doutor Armando Narciso, natural da Ilha de São Jorge, que conseguiu rodear-se de centenas de individualidades e entidades oficiais e particulares. Nesse primeiro Congresso não só se promoveu a defesa dos interesses açorianos como ainda “se enalteceu o Arquipélago e seus habitantes e se estudaram os mais instantes problemas de interesse regional e local. Nunca os Açores tinham sido aqui o assunto do dia, de muitos dias, como o foram durante as manifestações do primeiro Congresso Açoriano”.

Isto escreveu o Professor Armando Narciso no Prefácio do Livro do Congresso.

Já agora importa aqui lembrar, em singelas linhas, as diversas manifestações culturais que, ao redor dos tempos, mas principalmente a partir de meados do século dezanove, têm sido praticadas nas diversas ilhas do Arquipélago Açoriano, desde Santa Maria ao Corvo. E, para não alongar o arrazoado, ficando-me pela Ilha Pico, terra de gente do mar, principalmente, há que recordar as diversas iniciativas de natureza cultural que por cá existiram. Umas de vida efémera, como é natural, outras que chegaram a nossos dias cheias de pujante vida e actividade.

Ainda hoje, das treze filarmónicas que há na Ilha, meia dúzia contam mais de cem anos: a da vila das Lajes foi fundada em 14 de Fevereiro de 1864; a União Artista, de S. Roque, em 17 de Agosto de 1880; a Lira Fraternal Calhetense, em 1888; a Lira Madalenense, em 1897; a Recreio Ribeirense, em 1900; a Recreio dos Pastores, em 24 de Junho de 1904; e a Liberdade do Cais do Pico, em 10 de Abril de 1910. Em poucos dias celebra o centenário. Desde já os meus parabéns com votos de uma vida longa a bem da arte musical. (Julgo que não erro nas datas).

Em 1887 fundou-se na vila das Lajes o Gabinete de Leitura Lajense. No 1º de Dezembro de 1883, em S. Roque, surgiu o Gabinete de Leitura Marquez de Pombal. Mais tarde, em S. Mateus, apareceu o Gabinete de Leitura Camilo Castelo Branco.

Presentemente as três vilas picoenses possuem bibliotecas municipais com notável recheio, sendo também de considerar as bibliotecas das escolas secundárias, com milhares de volumes.

Vale a pena não esquecer o Museu dos Baleeiros, com uma selecta biblioteca nacional e estrangeira; o Centro de Artes e Ciências do Mar, instalado na antiga Fábrica da Baleia SIBIL; e o Centro de Turismo, no Forte de Santa Catarina. Todos nas Lajes do Pico; o Museu do Vinho, na Madalena; o Museu da Indústria Baleeira, no Cais do Pico; a Escola e o Museu do Artesanato, em Santo Amaro. E só estes cito porque a lista vai um pouco longa.

Tudo, afinal, representa Cultura, praticada por um povo humilde, trabalhador e, até há poucos anos, sem formação académica. Valeram os Externatos que nas décadas de 50/60 deram início ao Ensino Particular, sem ajudas externas a não ser o entusiasmo, a dedicação e, vá lá, a carolice dos que se devotaram a leccionar o Ensino Secundário.

Apesar disso, este povo, por vezes mal considerado, sempre teve o gosto pela leitura. Podem considerar-se, e porque não?, históricos os serões familiares onde eram lidos os romances em voga na época. E quando não existiam livros, valiam os folhetins dos jornais. Bons tempos!

Vila das Lajes,

13 de Março de 2010

Ermelindo Ávila

domingo, 14 de março de 2010

SOLENIDADE DE PASSOS E CALVÁRIO

NOTAS DO MEU CANTINHO


Nos antigos estatutos da Santa Casa da Misericórdia, datados de 28 de Dezembro de 1750, havia uma disposição que obrigava aquela instituição a celebrar anualmente a solenidade de Passos e Calvário, e até estabelecia a ordem da Procissão.(1). E a respectiva Mesa cumpria essa obrigação estatutária com o maior rigor, normalmente, no terceiro domingo da Quaresma, como ainda acontece.

Durante o ano a Veneranda Imagem, que se mantinha sempre no respectivo andor, era guardada, conjuntamente com a Imagem da Senhora da Soledade, num grande armário que existia na “sacristia dos Terceiros Franciscanos”, na igreja de Nossa Senhora da Conceição.

Na véspera do domingo destinado à Procissão, o respectivo Provedor, normalmente o comerciante João de Deus Macedo, ia para a igreja com outros irmãos, preparar o andor, mudar os vestidos do Senhor dos Passos e de Nossa Senhora, por vestes mais ricas, e os demais utensílios. Não esquecia a sua vara, que levava na procissão à frente do andor do Senhor.

Havia ainda a Bandeira, que abria a Procissão. Era, afinal, um quadro duplo em pinturas com cenas da Paixão de Jesus Cristo, que, fixo a uma vara, era conduzido por um dos irmãos. Toda a Irmandade usava balandraus pretos (opas com capuz).

João de Deus, que quase sempre desempenhava as funções de administrador do concelho, cargo hoje extinto, era pessoa muito dedicada aos cargos que exercia. Preparava a Procissão com todo o cuidado e entusiasmo e, para as pessoas que ajudavam a organiza-la, levava sempre uma lata com bolachas e uma garrafa de um licor qualquer, nem recordo o nome.

Na vila existiam cinco “Passos” ou pequenas capelas onde a procissão fazia paragem e os músicos entoavam um moteto apropriado. Dois deles desapareceram com construções feitas nos locais, todavia os respectivos proprietários sempre tiveram o cuidado de preparar pequenas capelas a substitui-los.

À entrada da Procissão na igreja, havia o sermão do Calvário. Para isso era preparado um pequeno “calvário” em urze, onde se colocava um minúsculo escadote e uma corda, utensílios utilizados na Crucifixão do Senhor, tendo ao cimo um crucifixo, hoje existente na Matriz e que é uma das melhores e mais expressivas esculturas da Paróquia.

Na noite do dia da Procissão as pessoas tinham por devoção percorrer os Passos e rezar certas orações condizentes com o acto praticado. Uma tradição que era cumprida com recolhimento e respeito. Por isso, os vizinhos dos Passos, que a seu cuidado tinham o respectivo arranjo, mantinham-nos com as mesmas cobertas e flores, até ao dia seguinte.

Velhas tradições, quase desaparecidas, e que davam testemunho da fé e da simples mas sincera prática cristã dos nossos antepassados.

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No passado domingo realizou-se na Matriz desta vila a Procissão de Passos, com acompanhamento de muitos fiéis e da Filarmónica Liberdade Lajense, tal como aconteceu há 146 anos, quando ela saiu pela primeira vez na Procissão de Penitência.

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1) Ávila, E. ,“Figuras & Factos”, l993, pág.141


Vila das Lajes, 8 de Março de 2010

Ermelindo Ávila

domingo, 7 de março de 2010

Pe. MANUEL ALVERNAZ BETTENCOURT

NOTAS DO MEU CANTINHO

O Pe. Manuel Alvernaz, creio que natural da Prainha do Norte, desta ilha, paroquiou na freguesia da Calheta de Nesquim, na década de vinte do século passado. Pessoa de trato simples mas amável, tinha a simpatia geral dos seus paroquianos e a eles se dedicava com entusiasmo e simplicidade. Um padre do seu tempo, como tantos outros, sempre interessado não apenas pela vida religiosa mas igualmente pelo bem estar social e económico do seu povo.

Sentindo o isolamento da sua paróquia e as dificuldades económicas em que vivia, a ele se ficou a dever a fundação da Cooperativa Progresso Calhetense, cuja finalidade principal era beneficiar os sócios, e muitos eram, na aquisição dos géneros. Mais tarde, A Cooperativa veio a alargar a sua actividade, construindo uma lancha de passageiros e carga, a primeira que existiu no Grupo Central do Arquipélago..

Construiu um edifício próprio e nele instalou o seu estabelecimento comercial de fazendas e géneros afins, mercearia, louças e ferragens.

A actividade comercial da Cooperativa floresceu nos primeiros anos sendo considerado um dos estabelecimentos mais completos da ilha.

Além do estabelecimento a Cooperativa, como acima referi, construiu, em 1925, uma lancha a motor para passageiros e carga, a lancha “Calheta” que acabou ou está a acabar seus dias no porto da Madalena. Esta lancha foi construída em Santo Amaro pelo mestre Manuel António Furtado Simas (mais conhecido pelo Mestre Manuel Bentes). Amílcar Goulart Quaresma classifica-a “a Rainha das Lanchas”. (1) Foi vendida em 1931 para a Horta e mais tarde foi incorporada na frota da “Transmaçor – Transportes Marítimos Açorianos”. E que lágrimas não derramou a população da freguesia da Calheta ao ver partir do porto, a sua querida lancha|!

Tive o prazer de nela viajar de Angra para o Pico, pois a “Calheta”, inicialmente, como referi, fazia viagens entre o Faial, Pico, S. Jorge e Terceira. Era um prazer, no final da Primavera, vê-la entrar na baia de Angra, sob o comando do mestre José Goulart, tendo como maquinista o Alziro e depois o José Trindade . Foram seus marinheiros, entre outros, o João da Antonica, da Piedade, o Francisco Goulart, de Santa Cruz,, o Jorge Goulart , se a memória me não falha, e outros mais.

Com a saída do Pe. Manuel Alvernaz para pároco e ouvidor de Santa Cruz da Graciosa, por volta de 1927, a Cooperativa caiu em decadência e acabou por fechar.(2) O prédio foi vendido, para saldar dívidas, já a meados do século passado.

Alguns dos antigos empregados do estabelecimento comercial vieram mais tarde a estabelecer-se na freguesia por conta própria.

Foi uma época de certo esplendor económico que se ficou a dever ao antigo Pároco, e que os calhetenses ainda recordam com saudade.

*

As notas aqui publicadas foram coligidas de “Calheta de Ontem e de Hoje”, um trabalho excelente organizado pelas Alunas do Curso de Malhas e Bordados, que teve lugar naquela Freguesia, sob a direcção da Professora D. Teodolinda Soares, Coordenadora do Curso de Educação Permanente , no ano de 1994-95; uma verdadeira monografia histórica , com trinta e dois capítulos, manuscritos pelas próprias alunas e que bem merece ser publicada em livro. Fica o repto à Junta de Freguesia.

Vila das Lajes,

23 de Fevereiro de 2010

Ermelindo Ávila

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  1. Goulart, Amílcar – “Maresias”-Vo.III -



terça-feira, 2 de março de 2010

O PICO E AS ILHAS DA COESÃO

Coesão tem sua origem na palavra latina cohaerentia cujo significado é ajuntamento. José Pedro Machado (Dicionário da Língua Portuguesa,) dá-lhe o significado de união de partes semelhantes. António de MORAIS Silva, além deste, atribui-lhe ainda o significado de harmonia. Por seu lado, o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, além da sua formação etimológica e de outros significados, diz que é unidade lógica.

Vem isto a propósito das chamadas Ilhas da Coesão. Não discutimos a sua classificação. Estranhamos, sim, é a exclusão da Ilha do Pico desse grupo de protecção por parte dos Poderes regionais. E, naturalmente para justificar a injustificável decisão de umas ilhas serem mais protegidas. E depois vem defender-se a situação dizendo que o Pico ficou mais protegido não pertencendo ao grupo. Se não foi esta ao menos foi a ideia que me ficou das palavras de um governante.

E dest’arte anda o Pico sozinho a navegar neste mar encapelado...

O Governo acaba de anunciar a “nacionalização” dos campos de golfe de algumas ilhas. O campo de golfe do Pico há anos iniciado e parece que quase concluído não é referido. No entanto, fala-se na construção do campo da ilha vizinha.

Não há muito alguém dizia-me que só valem as ilhas que têm cidades. Será? E acrescento: e as ilhas de Coesão. O resto, como diz o povo, é paisagem?

Há dias noticiou a Imprensa que foi a Escola Básica e Secundária das Lajes do Pico que, no último ano escolar, nos Açores, aquela donde maior número de alunos finalistas transitaram para o Ensino Superior.

Se nos alegra esse acontecimento por um lado, e de facto, é isso compreensível, por outro, não deixa de causar apreensão e preocupação. É que isso representa, na realidade, o despovoar contínuo da ilha e o seu pernicioso envelhecimento.

Não será de reconhecer que a ilha é uma das que apresenta, em diversos sectores, um grau elevado de cultura? Basta recordar que uma freguesia há onde não existem analfabetos há muitas dezenas de anos: Santo Amaro. Mas não só. O número de filarmónicas, as bibliotecas e museus oficiais e não somente (já se esqueceu a vultuosa colecção de whiskies do falecido João Quaresma?), os jornais, as sessões culturais e outros mais eventos, apesar de tudo, são uma demonstração clara do elevado grau de cultura destas gentes picoenses.

Mas isso não basta. Importa algo mais fazer para que a juventude, licenciada ou não, se fixe na ilha, promova novas actividades económicas e contribua para o seu progresso e desenvolvimento. Isso representa uma das tarefas mais urgentes a desenvolver pelos governantes, regionais ou municipais, que todos têm grandes responsabilidades nesse sector.

Estudar, formar-se, conseguir uma licenciatura ou agora o mestrado, é muito importante e a juventude actual tem de caminhar com segurança para o futuro. Mas ficar-se afastado da ilha, quase sempre só beneficiará o próprio e não terá reflexos positivos na vida colectiva da sociedade que o criou e o manteve, muitas vezes com bastos sacrifícios, durante a formatura.

Importa, pois, que se ofereça oportunidade a alguns de voltarem para, com a sua iniciativa, com ideias novas, ajudarem a promover a terra que lhes foi berço Já isto referi algumas vezes, com certa amargura.

É necessário e urgente que os poderes públicos tenham isso em atenção e que os novos se sacrifiquem um pouco pelo futuro da terra que lhes foi berço. De contrário, quando um dia voltarem à terra, só vão encontrar uma reserva selvagem.


Vila das Lajes, 22 de Fevereiro de 2010

Ermelindo Ávila

segunda-feira, 1 de março de 2010

Modernização da Vila das Lajes do Pico

NOTAS DO MEU CANTINHO


Há semanas, neste mesmo sítio, foi publicado o artigo A Praça da Vila. Nem tudo foi dito. Importa, pois, voltar ao assunto.

Em 1940 comemorou-se o Duplo Centenário da Independência e Restauração de Portugal. A Câmara Municipal de Lisboa ofereceu duas estátuas, já retiradas e armazenadas, para as ilhas dos Açores. A do Infante Dom Henrique foi destinada ao largo que ostentava o nome do Filho de D. João III, enquanto a de Dom Dinis foi destinada à Ilha do Pico, pois o Vice-Presidente da Comissão Nacional, Coronel Linhares de Lima, dela natural, havia apresentado um projecto para que a ilha passasse a ter o nome do Rei Lavrador. Mas, a tempo, houve quem descobrisse a intenção e conseguisse que o projecto fosse chumbado na Câmara Corporativa. No entanto a estátua, destinada ao Pico, para cá veio e foi colocada no porto de São Roque, o que não deixou de ser uma afronta à própria história, uma vez que a primeira terra povoada foi a Vila das Lajes. Mas águas passadas...

O Governador Civil de então, Capitão Moreira de Carvalho, ciente da verdade histórica, concedeu ao Presidente da Câmara das Lajes uma importância para a construção de um Cruzeiro que, na vila avoenga, assinalasse o acontecimento histórico que se comemorava.

O cruzeiro, projecto do desenhador Armando Garcia, da Junta Autónoma das Estradas, (que aqui estava em missão de serviço, para acompanhar a construção da Estrada Lajes - Piedade), foi construído pelos pedreiros da companhia do Mestre Manuel Macedo Bettencourt e inaugurado no 1º de Dezembro daquele ano. O largo, triangular, foi ajardinado e nele colocados bancos de jardins. O espaço exterior onde se encontravam as ruas, tinha um piso irregular, dada a sua inclinação, constantemente danificado pelas chuvas. Tornou-se, pois, necessário proceder ao respectivo calcetamento, que foi executado em paralelepípedos. Entretanto lançaram-se os passeios laterais das ruas principais, com blocos de pedra lavrada; tudo trabalho dos pedreiros locais. (Companhias do Mestre Manuel Macedo e do Mestre José Dutra). Para isso foi utilizada uma planta executada pelas Obras Públicas.

Anos decorridos, com o desenvolvimento do trânsito automóvel, houve necessidade de dar uma rega de asfalto nas ruas, evitando a poeirada que se levantava e invadia as próprias habitações laterais.

O piso dos passeios continuou em terra batida. No entanto, alguns moradores foram fazendo a cobertura em cimento, na frente dos seus prédios.

Há poucos anos a Câmara Municipal mandou revestir as ruas principais com calçada portuguesa, um trabalho condizente com a antiguidade da Vila. Foi pena que ficasse incompleto, pois deixou de fazer-se o respectivo nivelamento, daí resultando os altos e baixos que se verifica na calçada. Será ainda tempo de realizar esse trabalho?

Na antiga rua Direita (hoje Rua Capitão - Mór Garcia Gonçalves Madruga) existiam duas ermidas, uma dedicada à Senhora dos Remédios e que sempre conheci abandonada e sem tecto e a outra, da Misericórdia, construída na Praça em cumprimento de voto feito a quando das erupções vulcânicas de 1718 e 1720, foi demolida para que os materiais fossem utilizados na Matriz nova. No local da primeira foi construído o edifício destinado aos bombeiros e que presentemente é a Biblioteca Municipal Dias de Melo e o Auditório Municipal.

O local da antiga Misericórdia foi arrematado em 1914 por um particular, que o transformou em jardim até que há anos foi desaterrado e como tal se encontra...

Mas volto à transcrição do que escreveu Lacerda Machado:

Com o meu projecto tive a honra de remeter â exma. Câmara um ofício - memória, cuja leitura recomendo às pessoas bem intencionadas pelo progresso da vila, no qual se demonstra claramente que, apesar desse plano ser relativamente grandioso, é contudo exequível. // Desde já podia fazer-se muito marcando o alinhamento da avenida marginal e a sua ligação às ruas transversais, o que não custa dinheiro, pôr-se-iam em hasta pública os terrenos disponíveis. Os arrematantes seriam obrigados a tapa-los convenientemente.(...) A verba proveniente da venda dos terrenos poderia ser aplicada, por exemplo, na abertura das Ruas do Saco e da Miragaia, ligando-as com a Rua Nova, como está no projecto ou ainda no alinhamento da Rua Direita, em direcção à casa do falecido padre; Ouvidor, como também se vê no traçado.

Infelizmente nada se fez. A avenida foi prejudicada pela construção do campo de jogos e as ligações às ruas transversais foram ignoradas deixando-se construir prédios que impedem o seu prolongamento. Mas ainda há algo afazer. Basta que se tenha o sentido da realidade e o amor à terra lajense, como diz o erudito historiador lajense, uma das pessoas que mais se interessou pelo progresso e desenvolvimento desta terra.

Ainda conheci na antiga sala nobre da Câmara Municipal a planta - projecto de modernização da vila, da autoria de F.S. de Lacerda Machado, em quadro especial. Onde parará hoje?


Vila das Lajes,

10-2-2010

Ermelindo Ávila