sábado, 30 de maio de 2009

AS FOLIAS

NOTAS DO MEU CANTINHO


Assim eram conhecidas as Festas do Espírito Santo. Elas iniciavam-se no primeiro domingo a seguir ao Domingo de Pascoa e iam até o Domingo da Trindade.

Em todas as chamadas Domingas realizavam-se as Coroações - solenidades promovidas por irmãos, que haviam escolhido a sua “sorte” no ano anterior. Em cada Paróquia havia mais do que uma irmandade, as quais preenchiam as Domingas. Hoje mantém-se ainda essa tradição, que se cumpre, de cinco em cinco anos, como já escrevi, nos lugares das Terras e da Almagreira.

Antigamente, o mordomo levava a Coroa à Igreja, acompanhado pela Irmandade, por doze pobres, por alguns convidados, e pelos familiares. E só.

Eram recebidos, à porta da igreja, pelo sacerdote celebrante, normalmente o pároco, que, a seguir, dava inicio à Missa cantada. No coreto já estavam os músicos, com o organista, para executarem, quase sempre, a “Missa de três sustenidos”, partitura muito antiga, cantada por dois ou três músicos, que mais não havia.

No cortejo actuavam os foliões com seus tambores, pandaretas e ferrinhos. Um dos foliões era portador da bandeira, na qual colocavam pães ou meios pães, três ou quatro, daqueles que eram servidos às mesas. Esse costume ainda hoje é mantido.

Os foliões não entravam na Igreja para tocar e cantar as loas apropriadas porque isso lhes foi proibido pelo Bispo de Angra, D. Jerónimo Teixeira Cabral, 9º Bispo da Diocese, (1600 – 1612). Segundo o Cónego Pereira (“A Diocese de Angra na História dos seus Prelados”), “Dom Jerónimo tinha um carácter enérgico e exigente mesmo; e em nada cedia perante a Lei e os direitos da Igreja...”. "Foi esse Prelado que proibiu que os foliões das festas do Espírito Santo bailassem na capela-mor das igreja ao serem coroados os imperadores...”)

Os foliões tinham – e ainda hoje, quando os há – por missão cantar umas loas apropriadas nos trajectos, nos intervalos das filarmónicas, depois que estas apareceram em meados do século XIX, e à chegada a casa do mordomo e durante o jantar. No final deste cantavam a “Despedida”.

Era um momento de saudade e de emoção. Até as cozinheiras (hoje são também cozinheiros) vinham à porta do salão para tomar parte nessa cerimónia da despedida e deitar a sua lágrima de saudade, pois a coroa ia partir para o cortejo de “juntar as rosquilhas, ou vésperas”, quando era dia de “Império”, ou para casa do mordomo do domingo seguinte; e não voltava. Ficava na capela do Império para, à noite, seguir para a casa do novo mordomo.

Não havia rainhas nem damas de honor. Era o elemento masculino que, quase só, tomava parte nos cortejos. Nele iam algumas crianças a lançar pétalas de flores. O portador da Coroa levava uma estola vermelha, traçada no ombro, a qual era transferida, depois da coroação, para aquele que coroava. Normalmente o mordomo da função ou um seu representante.

Cada irmão possuía uma vara pintada de vermelho e que, no topo, ostentava e também pintada, uma coroazinha. Comparecia sempre com ela e formava os chamados quadros do cortejo. Mais tarde principiou a aparecer penas, com cestos de flores .

(Excepção fazia a Irmandade de Santo António. cuja fundação é do princípio do século XX, cujas varas eram e julgo que ainda são pintadas de branco).

A vara era um símbolo sagrado. O irmão guardava-a durante o ano à sua cabeceira e quando falecia ela lá continuava respeitosamente. (Ainda me lembro de ver a vara de meu bisavó paterno junto à cama da minha bisavó. E ela não consentia que alguém a tocasse. “Era a vara do nosso António”, dizia.)

No princípio da década de trinta do século passado, há cerca de oitenta anos, foi trazido dos Estados Unidos da América o estilo da “Rainha” e, a partir daí, muita coisa foi alterada. Poucas são as localidades que conservam as cerimónias das Coroações no seu estilo primitivo.

Presentemente há muita bibliografia publicada sobre as festas do Espírito Santo nos Açores. A “Casa dos Açores de Lisboa” promoveu há alguns anos um Congresso sobre o Espírito Santo nos Açores mas,

mesmo assim, apesar da erudição dos conferencistas, creio que não se penetrou intrinsecamente na origem, manutenção e finalidades destas festas tão caras ao povo açoriano. Exigem um estudo imparcial, profundo e aturado. Fica para outro.


Vila das Lajes, 28 de Maio de 2009

Ermelindo Ávila

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