NOTAS DO MEU CANTINHO
Durante
séculos constituiu um problema grave para as pessoas que habitavam
na ilha do Pico, o abastecimento de água potável.
Não
havia fontes. Apenas, que se saiba, a Fonte do Lendroal nos matos das
Lajes. Os tanque ou cisternas não existiam e valiam somente as águas
que se recolhiam das chuvas, em talhões de barro, e que apenas
servia para fazer algum chá para doentes. Lembro-me de uma das
minhas bisavôs dizer que, quando alguém adoecia, iam a casa do sr.
Joaquim Maria pedir um pouco de água doce, pois só alguns possuíam
os citados talhões – um recipiente de barro de cerca de cinquenta
litros.
Mais
tarde, já no século dezanove, começaram a construir junto das
habitações as cisternas para onde era canalizada a água das chuvas
que caía nos telhados. Ainda hoje existem algumas.
Valiam
os chamados poços de maré. Quase todas as casas da vila os possuíam
e era essa água salobra que se utilizava nos variados serviços
domésticos. Até se usava a água salgada na confecção das comidas
e massas, pois dispensava o sal.
Era
também a água retida nos poços das ribeiras que as populações do
Sul consumiam para abastecimento dos gados e lavagem de roupa. Mas
isso já vinha da época dos descobrimentos. Jós d´Utra, capitão
donatário do Faial e Pico, por Alvará de 24 de Março de 1502,
determinou “ que nenhuma pessoa de qualquer
estado e condição que seja não lave da ponta de Fernando Alvarez
para cima para o salto, não lave da passagem do mar para cima, até
a de cima aonde passa o Caminho do Suro, que vai ter à Almagreira
sob pena cada vez que for achado pague duzentos reis para o
Concelho.(1)
Lacerda
Machado, por seu lado, informa: Como a ilha é
falha de água nativa, colhiam-na das árvores, praticando um sulco
em volta do tronco, com certa obliquidade relativamente ao eixo e no
ponto mais baixo, com uma folha de árvore, improvisavam uma bica por
onde a água da chuva corria em cabaças e tinas. (2)
As
roupas eram lavadas, geralmente, na “Mouraria”, um canto da
Lagoa, onde, com a maré vazia, saía da rocha água, um pouco
salitrada. O mesmo acontecia na Maré, onde, com a baixa-mar, brotava
água salobra do areal. Isso dava a percepção de que a vila
assentava sobre um lençol de água doce, que levou a que se fizesse
na “Mouraria” um túnel para ir descobrir onde nascia a água que
saía abaixo do monte de S. Catarina, mas não deu resultado.
Chegou-se à conclusão de que era a água do mar que, se infiltrando
na terra, dela saía algo filtrada, perdendo assim uma parte do sal.
Na
Ribeira do Meio, existia e ainda lá está um poço de maré, como
dizem, desviado da beira mar talvez uns trinta metros, cuja água
recolhida com a maré vazia, era perfeitamente bebível. No verão,
muitas pessoas da vila iam àquele poço colher água para beber e
utilizar na cozinha.
A
Silveira é mais beneficiada, pois tem a fonte do calhau cuja água é
considerada mineral e possui algumas qualidades terapêuticas. O
mesmo acontece com o poço do Rego, construído nos princípios do
século passado e com o poço conhecido pelo “poço do Beleza”.
A
água da Fonte da Silveira era trazida, diariamente, em potes de
madeira de cedro, de cerca de 20 litros, para diversos habitantes da
Vila, por mulheres daquele lugar, entre elas uma senhora cega e de
certa idade, que não errava em encontrar as casas dos fregueses.
Quando
a Câmara Municipal resolveu construir a rede de abastecimento de
água, nos anos sessenta do século XX, contratou uma firma
continental para a abertura de um furo artesiano, pois a fonte do
Lendroal que então adquiriu, não tinha caudal suficiente. E a
propósito do Lendroal é de recordar que se trata de um monte com
pastagem que pertencia ao Município, e que foi posto em arrematação
em meados do século XIX, sendo arrematado por pouco mais de um conto
de reis, em segunda praça pois a primeira havia sido anulada por
sentença judicial. Mas isso é assunto para outra ocasião.
Praticamente, são os furos artesianos que abastecem a
população. Depois do furo da Silveira, um outro foi aberto na
Ribeira do Meio, embora a água dele extraída não seja da mesma
qualidade. São, porém, estes dois furos que fornecem o precioso
líquido às Lajes e à freguesia de São João. Outros foram
abertos na ilha e hoje ela está totalmente servida com uma rede de
abastecimento, sem necessidade de utilizar a água das cisternas, dos
poços de maré ou das ribeiras, deixando de se verificar a carestia
de água que se sentia em anos passados.
Lajes
do Pico,
Março
de 2013.
Ermelindo
Ávila
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1-Frei
Diogo das Chagas, “Espelho Cristalino”, 1989, pág.509
2-Lacerda
Machado, “História do Concelho das Lages”, 1936, pág.79
.
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