sexta-feira, 22 de outubro de 2010

RECORDANDO A ANTIGA BALEAÇÃO

É pena que as Bienais da Baleia não hajam continuado. Uma iniciativa interessante que, em duas épocas, trouxe a esta Vila e Ilha, vários cientistas interessados no estudo da baleação e que se ficou a dever ao antigo Secretário Regional da Economia, o Professor Universitário, Doutor Duarte Ponte.

O laureado escritor açoriano Manuel Ferreira publicou na Colecção Gaivota, da Secretaria Regional da Educação e Cultura, um valioso trabalho sob o título “O Morro e o Gigante”, que mais não é do que o título do primeiro dos seis textos que o volume encerra. A edição é de 1981, muito embora “O Morro e o Gigante” esteja datado da Primavera de 1955. E é sempre actual para os picoenses, muito embora haja decorrido mais de meio século sobre a sua primeira publicação.

Presentemente, já não se caça a baleia. Uma resolução discutível da União Europeia pôs fim a uma actividade de mais de dois séculos, iniciada pelos norte-americanos nos mares do Atlântico e trazida para os Açores pelos picoenses que, havendo saído “de salto”, em noite “escura”, um dia voltaram à ilha e aqui continuaram essa extraordinária actividade, que foi pão para a boca de muitas famílias e que mais tarde, assenhoreada por industriais oportunistas, veio a encher alguns bolsos.

Escrito numa linguagem vernácula e acessível a qualquer leitor, mesmo àquele que, de modestos conhecimentos seja detentor, “O Morro e o Gigante” é um perfeito trabalho narrativo da antiga actividade baleeira, quer na utilização da terminologia da baleação aqui introduzida pelos velhos baleeiros, quer pela descrição própria da caça e que merece ser trazida ao conhecimento da geração actual.

Marcelino Lima, outro escritor açoriano, escreveu também “À caça da baleia”, um texto do seu livro “Por Causa de um ramalhete”, publicado anteriormente, em 1933.

Embora o Autor descreva com certo relevo a vivência do antigo baleeiro “de salto”, e seja fiel ao emprego dos vocábulos estrangeiros, não é tão minucioso e realista na descrição da caça local como M.F., muito embora narre uma “arriada” no Cais do Pico onde, parece, exercia ao tempo funções públicas.

Ao ler Manuel Ferreira julga-se estar em presença de um autêntico baleeiro, dada a correcta e minuciosa narração que faz de uma caçada do gigante dos mares.

Não refiro hoje a obra, por demais conhecida, do escritor e saudoso amigo Dias de Melo, com certeza o maior escritor da saga baleeira.

Porque se me afigura de interesse, com a devida vénia, cito Manuel Ferreira:

É um espectáculo bruto, primitivo, infernal. Um quadro do princípio do mundo, de outro mundo, caricato e desconhecido. Num escárnio, contra a grandeza de todos os Impérios, o rei dos mares, o maior animal do mundo, sem nada que o iguale na terra ou no mar, força bruta, sem termo nem comparação, já nada é e nada pode – vencido e diminuído, por meia dúzia de homens de pé descalço, arremendados e desconhecidos – na história de todos os dias e de todos os tempos.

Referindo-se ao porto baleeiro das Lajes do Pico, escreve ainda M.F.:

As canoas, para cima das cem, à compita, numa aguarela de cores e de costados, ajuntavam-se e dividiam-se, pelo mar largo, conforme as empresas e distintivos. Cada ilha com duas e três companhias. Só as Lajes do Pico, à sua parte, com mais de meia dúzia de sociedades e alcunhas de guerra: “Toucinhos” e “Frades”, “Judeus” e “Senhoras”, “Serrafilhas”, “Queijeiros” e “Misérias”.

Actualmente, as canoas distribuídas pelos clubes navais, só servem para disputar regatas à vela e a remos. E, por enquanto, ainda há quem as tripule, mesmo que sejam meninas, como acontece.

A maioria ou quase totalidade das pessoas desconhece hoje aquilo que foi a caça à baleia. Pois se já são decorridos 27 anos sobre a proibição... (A última baleia foi caçada pelas canoas das Lajes no ano de 1987 !)

Agora outra actividade a substitui: “Ver baleias”, ou, em linguagem inglesa, “Whale Watching”. Mesmo assim há muitos, nacionais e estrangeiros, que se interessam pelo novo desporto, aqui introduzido pelo francês Serge Viallelle, pioneiro da nova actividade nos Açores e que acaba de ser galardoado com medalha de Mérito Turístico, Grau de Prata.

É pena que as Bienais da Baleia não hajam continuado. Uma iniciativa interessante que, em duas épocas, trouxe a esta Vila e Ilha, vários cientistas interessados no estudo da baleação e que se ficou a dever ao antigo Secretário Regional da Economia, o Professor Universitário, Doutor Duarte Ponte.

Espero que venham a continuar.


Vila das Lajes,

16 de Outº de 2010

Ermelindo Ávila

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