José andava triste. Na escola afastava-se dos companheiros, pois nem sempre era tratado por eles com o devido carinho. E isso feria-o atrozmente. Ignorava a razão de semelhante desprezo e, embora quase todos os dias perguntasse à mãe, Jacinta Luísa, a razão de tal tratamento, recebia sempre uma resposta que não o satisfazia: Os companheiros eram filhos de famílias ricas ou remediadas e não queriam misturar-se com os pobres; que tivesse paciência mas que um dia também havia de ser como eles. Talvez rico e com a vida que eles hoje têm. Mantinha essa esperança.
José nunca conhecera o pai. Era filho de mãe solteira, como se dizia. No dia do Pai não tivera o gosto e o prazer de beijar e abraçar aquele que lhe dera o ser. E a mãe continuava numa mudez angustiosa. Valia-lhe o carinho da avó, com quem viviam, mas ela também nunca revelara o segredo. Não sabia quem era o pai, dizia. E mantinha-se silenciosa, embora não deixasse de manifestar a tristeza e angústia que lhe ia no íntimo.
A mãe, uma jovem de vinte e poucos anos, trabalhava numa fábrica de lanifícios para sustentar a mãe e o filho. Mas lá, também, não tinha amigas. Todas as companheiras eram pobres ou remediadas, pois as ricas não trabalhavam, antes frequentavam as universidades, embora levassem dois, três ou mais anos, além dos normais, para conseguirem tirar um curso.
E assim passavam as semanas, os meses e os anos. E o José a crescer e a viver numa penúria. Não pensava em estudar para além do ensino obrigatório, que, nas circunstâncias actuais, não permitia arranjar um emprego decente. Mas mais não conseguiria pois a mãe não ganhava o suficiente para suportar os estudos secundários e muito menos os superiores.
José não frequentava a catequese, nem sabia o que isso era, pois era de uma família que não recebera qualquer instrução religiosa.
Um dia, porém, tudo se modificou. Na localidade apareceu um cavalheiro bem posto e ainda novo. Viera do estrangeiro e procurava a moradia de uma tal Maria Cremilde que havia sido sua companheira na juventude. Pelo nome ninguém a conhecia por ali.
É que a Cremilde, ao mudar-se para aquele lugar, após o nascimento do filho, passara a ser conhecida por Jacinta Luísa. E já haviam passado alguns anos, tantos quantos tinha o José, que também mudara de nome, pois o nome do registo era António, o nome do pai. Mas o cavalheiro não desistiu. Um dia, certa mulher, e as mulheres nisso são peritas, andou a indagar e conseguiu descobrir a Maria Cremilde.
Procurou o Dr. António Luís e deu-lhe conhecimento da sua suspeita. O resto adivinha-se. A Maria Cremilde, e muito menos a mãe, não queriam
aceitar o Dr. António mas este tanto insistiu que acabou por vencer.
Estava-se na Páscoa. O Dr. António Luís aproveitara as férias para vir a Portugal e cumprir aquele compromisso que havia feito ainda estudante e que nunca esquecera.
E o casamento, que havia sido prometido e nunca realizado, tantos anos eram passados, acabou por realizar-se.
Foi então que o José conheceu o Pai, um jovem médico que, depois do relacionamento com a mãe, havia partido para o estrangeiro, deixando a Maria Cremilde na mais triste das situações. Na vida do José tudo se modificou. Teve amêndoas e outras prendas. Foi a primeira Páscoa feliz!
*Hoje são tão vulgares casos como este ou a ele idênticos...
Vila das Lajes do Pico
Março de 2010
Ermelindo Ávila
1 comentário:
Uma historia que toca o coracao.
Obrigada.
Enviar um comentário