Vale a pena lembrar a data. Até meados do século passado era assinalada com uma procissão, denominada “Procissão de Penitência” com o Senhor Jesus das Preces, ou Bom Jesus como era antigamente conhecida. Uma imagem que, segundo Silveira de Macedo , “fora arrojada pelo mar à praia, e aí achada: tem aqueles povos com ela particular devoção em sua honra celebram no dia 25 de Março ( está equivocado o historiador, pois foi sempre no mesmo dia 19 de Abril), uma solene missa de acção de graças com sermão e procissão com a mesma imagem até à igreja de S. Francisco, em cumprimento de um voto feito em 19 de Abril de 1725, por ocasião duma extraordinária enchente de mar que causou muitos estragos na vila.”(1) Uma data bastante lembrada para os lajenses.
Durante anos foi recordado esse pavoroso enchente. Segundo uma antiga tradição, o mar entrou na matriz e até deixou peixes em cima dos altares. A Matriz ficou bastante arruinada o que levou o Bispo D. João Marcelino aquando da visita pastoral que fez à ilha, mandar repará-la. Afinal já não era nova, pois a sua construção vem do ano de 1506, segundo Frei Diogo das Chagas, que diz: ...e durante muitos anos não teve esta Ilha outra freguesia mais que esta, e de todas as partes aonde moravam os povoadores vinham a ela, foi uma pequena Igreja do Apóstolo Sam Pedro (que hoje – 1654 – é ermida) sua paróquia, que fica a um cabo da Vila a Nordeste da barra, e porto dela, pegado a um braço de mar, que aí entra, e faz rio morto, a qual por ser pequena trataram de fazer outra em o meio da Vila, como de efeito fizeram, no lugar em que agora está, do Orago da Santíssima Trindade, para cujo efeito lançaram finta em todos os moradores da Ilha e nas fazendas dos Ausentes, conforme cada um tinha de Cabedal...”(2)
A seguir publica a relação das “Taixas das Fazendas e Pessoas”. Eram 45 os moradores e a finta rendeu 28.000, (reis) segundo o Professor Doutor Artur Teodoro de Matos que prefaciou e dirigiu a publicação do “Espelho Cristalino”, em 1989.
O ciclone de 28 de Agosto de 1893 voltou a fazer estragos na igreja Matriz o que levou a junta de paróquia a iniciar a construção da nova, no mesmo local da antiga, e cuja primeira pedra foi benzida a 7 de Julho de 1895.
A imagem do Senhor Jesus era de grande devoção até que uma sociedade baleeira resolveu adquirir nova imagem, quando a
Matriz funcionava na Igreja de São Francisco. A antiga imagem só saía em procissão no dia 19 de Abril.
Recordo o ciclone de 9 de Fevereiro de 1936 que derrubou a muralha de defesa, na Lagoa, e que suportava a antiga rua nova da Pesqueira, além de umas casas, no Portinho da Ribeira do Meio. A população aflita dirigiu-se ao Pároco e Ouvidor de então, Pe. José Vieira Soares a solicitar a saída do Senhor Jesus das Preces. E assim aconteceu. O Pe. José Vieira, pessoa de grande físico, tomou a imagem e, com a ajuda de uma “funda”, saiu com o povo a percorrer as ruas da beira mar e, em certa altura, elevou-a fazenda uma súplica ao Senhor, a que o povo presente, sentidamente, correspondeu. E, naturalmente, outras ocasiões houve, em que assim aconteceu.
Mas, um dia, sucedeu o inesperado. Anunciada a procissão compareceram em São Francisco algumas pessoas mas o Pároco e Ouvidor de então, Padre António Cardoso, não teve quem levasse o andor. No tempo as senhoras ainda não tomavam parte activa na Liturgia. A procissão não saiu e nunca mais se realizou, quebrando-se assim uma secular tradição e deixando de se praticar um acto de reconhecimento e gratidão ou promessa dos antepassados.
A Imagem do Senhor Jesus (primitivamente era conhecida por Bom Jesus e até havia confraria própria) é a mesma que, depois de restaurada, foi erecta no novo altar da capela mor da Matriz da Santíssima Trindade. É uma rica escultura que bem merecia ser exposta à veneração dos fieis e não andar arrecadada em armários ocultos.
Vale a pena recordar o 19 de Abril, que ocorre na próxima segunda feira. Para os lajenses é uma data memorável e assinala o primeiro enchente de mar que invadiu a vila e de que há memória.
Que não se faça a procissão mas que se recordem esses nossos avoengos que tanto trabalharam, penaram e sofreram para nos legarem a terra desbravada e aproveitada, as vilas e freguesias, o todo que hoje usufruímos e gozamos.
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Macedo, António Lourenço da Silveira,”História das Quatro Ilhas...” III Vol. Pág 79
2) Chagas, Frei Diogo das , “Espelho Cristalino em Jardim de Várias Flores”,pág. 515.
Vila das Lajes,
Abril de 2010.
Ermelindo Ávila
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