NOTAS DO MEU CANTINHO
Haviam passado uma dezena e meia de anos, desde que a cidade optara pelo jacobinismo, um tanto desenfreado e atrevido. Mesmo assim, na Procissão do Senhor dos Passos os antigos jacobinos envergavam os trajes morganáticos e por cima os lustrosos bolandraus roxos para poderem levar o andor e as insígnias alusivas à Paixão do Senhor. Havia quem lhes chamasse os fariseus da “nova Paixão”.
Na Catedral a Quaresma era preparada com grande rigor litúrgico. Durante as Domingas, após a Missa das nove horas (Missa de Tércia?) o Cónego Teologal subia o púlpito volante, colocado um tanto centro da catedral, para fazer a conferência quaresmal. Tinha uma voz quase afónica o que provocava a saída de uma parte da assistência. No entanto ele mantinha-se sempre e falava para as poucas pessoas que rodeavam o púlpito.
A liturgia pascal era celebrada na Sé com o máximo rigor. Principiava no domingo de ramos e continuava a semana toda. Notáveis as Matinas da quinta-feira e sexta-feira santas. O templo enchia-se para escutar a grande e erudita capela dirigida por distinto Maestro.
Tais cerimónias, ricas de significado, eram normalmente presididas pelo Prelado, acompanhado da corte dos Cónegos, embora cada vez mais limitada pois não eram substituídos os que o Senhor chamara a Si. Para certos cargos eram destinados os seminaristas que melhor conheciam a liturgia complicada da Semana Santa.
Na Sexta-feira Santa um dos momentos solenes era o da adoração do Senhor Crucificado. Toda a assistência ia junto do altar beijar o Senhor, a principiar pelo Presidente e acólitos. Bispo e Cónegos iam em meias, envoltos em capa preta, só usada naquele momento.
Em certa ocasião um dos acólitos, ou fâmulo foi chamado para tirar os sapatos ao Bispo, que se encontrava sentado na cadeira episcopal. E o acólito, que já conhecia de perto o Prelado, e sabia que ele era pessoa de fácil trato, rindo por vezes das aventuras do fâmulo, respondeu, já junto do Bispo, que não lhe tirava os sapatos porque tinham “cholé”. O dito provocou o riso do Bispo que parecia não mais se calar. Mas o incidente não ficou por aí. O Jorge, era o seu nome, ao descalçar os sapatos, foi dizendo: “ Numa festa da Páscoa nem sequer temos umas amêndoas para consolar o bico.” Desta feita o Bispo nada respondeu. As cerimónias continuaram sem que os assistentes se apercebessem do que se tinha passado, pois, no tempo, a capela mor ficava no fundo e um tanto escura, não deixando perceber o que por lá ia ocorrendo.
No Domingo de Páscoa o Jorge foi chamado ao superior da casa. Não ficou, naturalmente, satisfeito, pois lembrava-se do que se passara com os sapatos episcopais...
Ao chegar ao gabinete diz-lhe o Superior: “Uns levam a trabalhar um ano inteiro e nada recebem. Outros, porque caíram nas boas graças são presenteados pelo Senhor Bispo”. E entrega-lhe um pacote com alguns quilos de amêndoas. O nosso Jorge não o manifestou perante o ríspido superior, mas ficou radiante e, nesse ano não faltaram amêndoas para festejar a Páscoa com os colegas; Páscoa que nunca mais foi esquecida!
E neste recordar, algo saudoso, de um acontecimento verídico, deixo aqui a todos os leitores, os meus votos de
Boa e Santa Páscoa.
Abril de 2009
Ermelindo Ávila
Haviam passado uma dezena e meia de anos, desde que a cidade optara pelo jacobinismo, um tanto desenfreado e atrevido. Mesmo assim, na Procissão do Senhor dos Passos os antigos jacobinos envergavam os trajes morganáticos e por cima os lustrosos bolandraus roxos para poderem levar o andor e as insígnias alusivas à Paixão do Senhor. Havia quem lhes chamasse os fariseus da “nova Paixão”.
Na Catedral a Quaresma era preparada com grande rigor litúrgico. Durante as Domingas, após a Missa das nove horas (Missa de Tércia?) o Cónego Teologal subia o púlpito volante, colocado um tanto centro da catedral, para fazer a conferência quaresmal. Tinha uma voz quase afónica o que provocava a saída de uma parte da assistência. No entanto ele mantinha-se sempre e falava para as poucas pessoas que rodeavam o púlpito.
A liturgia pascal era celebrada na Sé com o máximo rigor. Principiava no domingo de ramos e continuava a semana toda. Notáveis as Matinas da quinta-feira e sexta-feira santas. O templo enchia-se para escutar a grande e erudita capela dirigida por distinto Maestro.
Tais cerimónias, ricas de significado, eram normalmente presididas pelo Prelado, acompanhado da corte dos Cónegos, embora cada vez mais limitada pois não eram substituídos os que o Senhor chamara a Si. Para certos cargos eram destinados os seminaristas que melhor conheciam a liturgia complicada da Semana Santa.
Na Sexta-feira Santa um dos momentos solenes era o da adoração do Senhor Crucificado. Toda a assistência ia junto do altar beijar o Senhor, a principiar pelo Presidente e acólitos. Bispo e Cónegos iam em meias, envoltos em capa preta, só usada naquele momento.
Em certa ocasião um dos acólitos, ou fâmulo foi chamado para tirar os sapatos ao Bispo, que se encontrava sentado na cadeira episcopal. E o acólito, que já conhecia de perto o Prelado, e sabia que ele era pessoa de fácil trato, rindo por vezes das aventuras do fâmulo, respondeu, já junto do Bispo, que não lhe tirava os sapatos porque tinham “cholé”. O dito provocou o riso do Bispo que parecia não mais se calar. Mas o incidente não ficou por aí. O Jorge, era o seu nome, ao descalçar os sapatos, foi dizendo: “ Numa festa da Páscoa nem sequer temos umas amêndoas para consolar o bico.” Desta feita o Bispo nada respondeu. As cerimónias continuaram sem que os assistentes se apercebessem do que se tinha passado, pois, no tempo, a capela mor ficava no fundo e um tanto escura, não deixando perceber o que por lá ia ocorrendo.
No Domingo de Páscoa o Jorge foi chamado ao superior da casa. Não ficou, naturalmente, satisfeito, pois lembrava-se do que se passara com os sapatos episcopais...
Ao chegar ao gabinete diz-lhe o Superior: “Uns levam a trabalhar um ano inteiro e nada recebem. Outros, porque caíram nas boas graças são presenteados pelo Senhor Bispo”. E entrega-lhe um pacote com alguns quilos de amêndoas. O nosso Jorge não o manifestou perante o ríspido superior, mas ficou radiante e, nesse ano não faltaram amêndoas para festejar a Páscoa com os colegas; Páscoa que nunca mais foi esquecida!
E neste recordar, algo saudoso, de um acontecimento verídico, deixo aqui a todos os leitores, os meus votos de
Boa e Santa Páscoa.
Abril de 2009
Ermelindo Ávila
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