sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

Nota do meu retiro

Salvo dos antropófagos


Jovem ainda, embarcou numa noite escura, da costa atrás do Castelete, para um barquinho, que saíra do porto da vila para a pesca de fundo, no alto mar.

Tinha havido a habitual combinação, com a antecedência indispensável, com o individuo (engajador), que se entendera na Horta com o comandante da Baleeira, que àquela cidade aportara para fazer aguada.

Outras baleeiras lá estavam no habitual descanso, mas aquela é que fora a escolhida, visto o comandante ser já conhecido do engajador. Além disso e não era a primeira vez que transportava rapazes, alguns para complemento da tripulação, outros somente com o destino de alcançarem as costas do Novo Mundo.

Cá em terra, só o pai sabia das intenções do José, que há muito desejava dar “o salto”, e caminhar para as Terras do ouro, pois por nada desejava servir o Rei.

Um dos tripulantes do barquinho, que fez a ligação, era também jovem mas nunca pensou “dar o salto”, pois o pai era um doente e necessitava da sua ajuda nos trabalhos do campo.

Aqueles que , naquela noite, fugiam à pobreza da terra e às obrigações militares, insistiram com o António para que os acompanhasse, mas ele resistiu ao convite até que, já junto da baleeira, se resolveu a embarcar também. Descalçou as albarcas que levava e pediu aos companheiros do barco que as trouxessem ao Pai, porque resolvera também embarcar. E lá foi... A mãe nunca lhe perdoou aquela aventura e chorou a vida inteira pelo seu António. E foi uma vida longa de cem anos...

O António ficou pela América. Constituiu família e nunca mais voltou. Seus descendentes por lá andam, integrados na vida Americana, como verdadeiros naturais da grande nação. Mas este caso verídico é igual ao de tantos outros jovens que daqui partiram para não mais voltar. As suas descendências, em muitos casos, desconhecem as origens. Outros vão por aí aparecendo, interessados em conhecer os parentes, que nem sempre encontram.

O José não mais deixou a baleeira. Viajou pelo Pacífico onde abundavam os cardumes de baleias. Dizem Donalde Warrin e Geoffrey Gomes (“Os Portugueses no Faroeste – Terra a Perder de Vista” 2008, p. 351), que “Em meados da década de 1850, os próprios portugueses estabeleceram uma correnteza de pequenos portos de caça à baleia ao longo da costa da Califórnia...”.” Foi pois a actividade baleeira que providenciou o impulso para que os homens e os rapazes abandonassem as ilhas do Atlântico...”

O escritor Manuel Greaves, (embora, naturalmente por lapso, trocando o nome do herói pelo do genro deste), diz que “Houve um antigo baleeiro, de apelido Domingos (afinal trata-se de José Vicente, sogro de José Domingos), natural das Lajes do Pico, que contava a sua aventura numa ilha do Pacífico, onde o seu navio aportou para aguada. Habitavam-na selvagens, pretos como amora madura. Extensos areais cercavam a ilha.”

Alguns dos tripulantes desembarcaram na ilha, entre eles o José Vicente. Penetrando na Ilha foram encontrar um grupo de pretos antropófagos, que os prenderam e ataram com tiras de filamento a uma árvore, para com eles se banquetearam no dia seguinte. Entretanto, para festejar a presa, iniciaram danças macabras e quando já era noite alta, adormeceram. Foi então que os prisioneiros conseguiram soltar-se e correram para o areal, onde os esperavam os companheiros. Estavam salvos de serem comidos pelos selvagens.

O Vicente regressou mais tarde às Lajes, onde constituiu família. E nas tardes solarengas, ao abrigo dos salgueiros que rodeavam a entrada do Porto, contava a sua aventura.

José Vicente era filho de Manuel Vicente Pedro e de Maria Perpétua. Um dos filhos, Francisco, que também emigrou para a Califórnia, regressou viúvo e sem filhos. Por cá ficaram D. Maria Olímpia, que casou com José Domingos e Manuel Vicente, casado com Maria Silva. Parece que um outro filho do José Vicente emigrou para o Brasil. Nesta Vila o nosso herói tem larga descendência.

Não é fácil narrar em pormenor o acontecimento nem a todos os descendentes referir, pois tornaria muito extenso este texto.

Vila Baleeira,

20-Fevº.- 2009

Ermelindo Ávila

1 comentário:

Anónimo disse...

Sou a Maria Fernanda filha do Arlindo,gosto tanto de ler e ver tudo que se passa ai na nossa Lajes do Pico.
Estou aqui nos Estados Unidos a muitos anos mas nunca me esqueci de tudo que ai deixei.
Com muitas saudades.
com um grande abraco .


MARIA FERNANDA DOMINGOS VIEGAS