Todas as antigas igrejas e capelas ou ermidas eram providas de púlpitos, destinados à pregação em cerimónias litúrgicas solenes. Muitas delas, aquelas que vêm de séculos passados, ainda hoje os conservam. Algumas tinham dois púlpitos, como era o caso da Sé de Angra, antes do incêndio. E até um, em estilo de pedestal, era colocado quase no centro do templo, para melhor ser ouvido o pregador.
A tradição dos púlpitos foi abandonada e até, alguns, retirados sem nenhuma valia para a arquitectura do conjunto do templo respectivo, como foi o caso da Matriz da Santíssima Trindade, desta Vila, cujo púlpito estava já numa das colunas, em pedra de basalto mas tinha somente os degraus de acesso e o patamar.
O celebrante, nas missas dominicais, fazia “à grade” as homilías.
Com a reforma litúrgica introduzida pelo Concílio Vaticano II, surgiram os ambãos, retomando-se o antigo móvel das “primitivas igrejas cristãs com função decorativa e litúrgica, pousado sobre o pavimento e que servia para o canto e predicação”. Mas, porque dali a audição do orador é, normalmente, diminuta, vá de instalar-se em quase todas as igrejas, aparelhagens sonoras.
Os pregadores, para as solenidades, eram escolhidos entre os melhores oradores sacros. Recordo Mons. José Pereira da Silva, um dos mais distintos oradores do seu tempo. Lembro-me da homilía que fez, em francês, dedicada a tripulantes de um barco de guerra francês, que aportou à Horta durante a II Grande Guerra mundial e que, de véspera, procuraram saber a hora da missa dominical. Um feito que causou certo assombro na cidade.
Na primeira metade do século passado tornaram-se célebres pela sua pregação erudita e linguagem vernácula, o Pe. Ouvidor Nunes da Rosa, pároco das Bandeiras, o Pe. José Maria Fernandes, que esteve alguns anos em Macau e foi Deão da respectiva Sé, o Pe. Ouvidor Domingos Ângelo, o Pe. Xavier Madruga, o Pe. Ouvidor José Vieira Soares e o Pe. Manuel Vieira Feliciano. Igualmente, embora um pouco mais tarde, o Pe. Francisco Vieira Soares e depois o Pe. José Idalmiro Ávila Ferreira.
Os sermões, para alguns, eram escritos e decorados, para outros, estudados e apenas elaborados ou esboçados os tópicos que levavam para o púlpito, como era o caso do Pe. Xavier Madruga.
Pe. Feliciano era bom orador, de linguagem correntia mas elegante. Os seus sermões eram escritos e decorados, pois tinha memória privilegiada. Poucos fazia. Decorava-os e repetia-os em ocasiões oportunas. Normalmente, pregava na Matriz das Lajes o sermão de Enterro, na sexta-feira santa.
De S. Jorge vinha ao Pico, em tempos idos, e pregava em diversas solenidades um padre que era conhecido pelo “Padre bebe-água”, simplesmente porque, quando ia para o púlpito, levava um copo de água para se dessedentar durante a pregação, atitude que hoje qualquer orador assume.
De vários pregadores a peça oratória era, geralmente, escrita e decorada ipsis verbis e constituída pelo exórdio, corpo do discurso e súplica final. No entanto, a maioria dos pregadores somente escrevia o exórdio , em sermões de maior responsabilidade.
O Pe. Dr. Fernando Maciel fez o curso do Seminário em Macau e a licenciatura em Filosofia na Universidade Gregoriana de Roma. Completado o curso veio para esta vila, onde vivia a Família, afim de ser ordenado presbítero e celebrar a Missa Nova, na antiga igreja de São Francisco a servir de Matriz. Ordenou-o o então Bispo de Macau, Dom José da Costa Nunes. O Pe. Dr. Fernando Maciel ficou por cá mais algum tempo. Na festa de Cristo-Rei, foi convidado para pregar na solenidade e aceitou. Escreveu todo o discurso e, no púlpito fez a sua leitura, declamando-o com emoção e vivacidade. Mas, infelizmente, as críticas não lhe faltaram. O povo não estava habituado a ver o pregador ler um sermão...
Era tão importante a pregação das solenidades principais que, v.g., na festa de Lourdes era quase sempre convidado um orador estranho, muitas vezes do continente, que fazia a pregação do novenário e da festa solene.
Um antigo orador, dos mais célebres da ilha, dizia nos últimos anos de vida, que estava arrependido de pregar com tanto floreado e eloquência, deixando muitas vezes a parte doutrinaria na penumbra...
Bons oradores por aqui passaram, principalmente nas festas de verão, quando eles para cá vinham em férias, como era o caso do Pe. Dr. Francisco Garcia da Rosa, do Pe. António Cardoso Machado, do Pe. João Goulart e outros mais.
E só mais esta referência: Havia um sacerdote que era várias vezes convidado para o serviço da sexta-feira Santa, nas paróquias da ilha, que celebravam os Mistérios da Paixão do Senhor. Quando novo, havia escrito dois sermões para a ocasião, um mais extenso (levava mais de uma hora) outro menor. Na ocasião do convite, perguntava sempre: Queres o sermão grande ou o pequeno? E era assim, sempre que recebia um convite.
Afinal, tempos diferentes que não deixaram de ser BONS TEMPOS!
Ermelindo Ávila
Sem comentários:
Enviar um comentário