quarta-feira, 6 de março de 2013

No cabo do mundo


NOTAS DO MEU CANTINHO

Para estas bandas do Sul da Ilha, quando a estrada andava ainda nos gabinetes de desenho do Ministério da Obras Públicas, sem que se vislumbrasse quando a ilha teria uma estrada que ligasse todas as povoações, era vulgar ouvir-se: estamos no cabo do mundo. E assim era.
Quem desejasse deslocar-se da Piedade às Lajes tinha de sair de casa pela madrugada e calcorrear esses caminhos e veredas, subindo e descendo montes e atalhos, para chegar à vila ao abrir das repartições que, no tempo, era às dez horas da manhã. E se desejasse seguir no “Carro da mala” para a Madalena, para tomar a lancha do Canal, mais cedo teria de chegar à vila-Fronteira, pois a camioneta – antes o carro de bestas do Caetano – partia de madrugada. Cheguei a fazer essas viagens: sair de casa de manhã, no Inverno, para chegar à Piedade ao anoitecer. E só poder regressar no dia seguinte, com o mesmo itinerário. Que terrível era passar na “Ladeira do Barriga” (descia-a a pé e em outras mais).
Na Piedade, valeu-me o empregado do Dr. Machado Soares que tomou conta do cavalo e o tratou. Era o cavalo de João Machado Soares (Capitão) e pelo aluguer paguei 50 escudos. Pernoitei na casa de hóspedes de Manuel Serrador, ao Império, única que existia a dar camas para a algum visitante.
Durante quase cinco séculos, a população do concelho das Lajes viveu este tormento das deslocações. Na década de vinte do século passado, apareceram duas lanchas a motor – a “Lourdes” e depois a “Hermínia” que começaram a fazer as ligações da Calheta à Horta, passando pelos portos de S.ta Cruz, Lajes, S. João e S. Mateus. Foi uma melhoria mas só útil àqueles que se davam bem no mar.
A estrada Lajes-Piedade, inaugurada em 28 de Maio de 1943, veio acabar com esse isolamento, mas não passou pelo centro das freguesias das Ribeiras e Calheta, obrigando à construção, mais tarde, dos respectivos ramais.
Presentemente, as ligações estão facilitadas, mas não deixam de ser dispendiosas, pela distância que as separa.
A Ilha é a segunda em área das nove do Arquipélago, e desenvolve-se, praticamente, no sentido Norte-Sul. Quem desejar ir da Piedade ou Ponta da Ilha, como era conhecida, até à Madalena para ir a uma consulta, v.g. ao hospital da Horta, o que, infelizmente, é vulgar, tem de percorrer 56 quilómetros. Ou seja: para tomar a lancha do canal terá de sair de casa ao amanhecer, e se não tiver veículo próprio, voltar à noite, nos meses de Inverno, principalmente. E se não tiver veículo próprio, terá de tomar a camioneta da carreira, o que torna a viagem mais demorada.
A estrada chamada “transversal”, ou seja das Lajes a S. Roque, e que atravessa a ilha, foi uma “estrada política”, como a designava o respectivo engenheiro que a projectou, pois serviu, nos anos quarenta, para justificar a extinção do Julgado Municipal que estava instalado nas Lajes, uma vez que era mais movimentado, em processos cíveis, do que a própria Comarca. Tudo isso tem acontecido e os lajenses suportado como uma afronta ignominiosa à sua cidadania. Que mais os espera?
O concelho das Lajes é o mais “rico” em agricultura. Só a freguesia da Piedade tem mais de 16 mil prédios rústicos registados na respectiva Matriz Predial. O concelho e a Ilha prosperaram com a indústria baleeira e, depois, com a de conservas de atum. Mas esta só a deixaram funcionar pouco mais de vinte anos... “Cortaram-lhe as pernas”. O concelho chegou a ter trinta e cinco traineiras de pesca, que acabaram por ser vendidas para outras zonas de pesca, porque a respectiva fábrica deixou de funcionar. Nem trago as razões desse tremendo colapso.
Não estou a lamuriar mas a lembrar factos concretos e a chamar a atenção para uma situação que, a repetir-se, provocará o desaparecimento do chamado “Sul da Ilha do Pico”. E se isso acontecer, não serão mais precisos nem portos nem estradas. Tudo ficará como na época do descobrimento: terra selvagem...

Vila das Lajes do Pico,
Fevereiro de 2013
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Ermelindo Ávila

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