NOTAS DO MEU CANTINHO
Para
estas bandas do Sul da Ilha, quando a estrada andava ainda nos
gabinetes de desenho do Ministério da Obras Públicas, sem que se
vislumbrasse quando a ilha teria uma estrada que ligasse todas as
povoações, era vulgar ouvir-se: estamos
no cabo do mundo. E
assim era.
Quem
desejasse deslocar-se da Piedade às Lajes tinha de sair de casa pela
madrugada e calcorrear esses caminhos e veredas, subindo e descendo
montes e atalhos, para chegar à vila ao abrir das repartições que,
no tempo, era às dez horas da manhã. E se desejasse seguir no
“Carro da mala” para a Madalena, para tomar a lancha do Canal,
mais cedo teria de chegar à vila-Fronteira, pois a camioneta –
antes o carro de bestas do Caetano – partia de madrugada. Cheguei a
fazer essas viagens: sair de casa de manhã, no Inverno, para chegar
à Piedade ao anoitecer. E só poder regressar no dia seguinte, com o
mesmo itinerário. Que terrível era passar na “Ladeira do Barriga”
(descia-a a pé e em outras mais).
Na
Piedade, valeu-me o empregado do Dr. Machado Soares que tomou conta
do cavalo e o tratou. Era o cavalo de João Machado Soares (Capitão)
e pelo aluguer paguei 50 escudos. Pernoitei na casa de hóspedes de
Manuel Serrador, ao Império, única que existia a dar camas para a
algum visitante.
Durante
quase cinco séculos, a população do concelho das Lajes viveu este
tormento das deslocações. Na década de vinte do século passado,
apareceram duas lanchas a motor – a “Lourdes” e depois a
“Hermínia” que começaram a fazer as ligações da Calheta à
Horta, passando pelos portos de S.ta Cruz, Lajes, S. João e S.
Mateus. Foi uma melhoria mas só útil àqueles que se davam bem no
mar.
A
estrada Lajes-Piedade, inaugurada em 28 de Maio de 1943, veio acabar
com esse isolamento, mas não passou pelo centro das freguesias das
Ribeiras e Calheta, obrigando à construção, mais tarde, dos
respectivos ramais.
Presentemente,
as ligações estão facilitadas, mas não deixam de ser
dispendiosas, pela distância que as separa.
A
Ilha é a segunda em área das nove do Arquipélago, e desenvolve-se,
praticamente, no sentido Norte-Sul. Quem desejar ir da Piedade ou
Ponta da Ilha, como era conhecida, até à Madalena para ir a uma
consulta, v.g. ao hospital da Horta, o que, infelizmente, é vulgar,
tem de percorrer 56 quilómetros. Ou seja: para tomar a lancha do
canal terá de sair de casa ao amanhecer, e se não tiver veículo
próprio, voltar à noite, nos meses de Inverno, principalmente. E se
não tiver veículo próprio, terá de tomar a camioneta da carreira,
o que torna a viagem mais demorada.
A
estrada chamada “transversal”, ou seja das Lajes a S. Roque, e
que atravessa a ilha, foi uma “estrada política”, como a
designava o respectivo engenheiro que a projectou, pois serviu, nos
anos quarenta, para justificar a extinção do Julgado Municipal que
estava instalado nas Lajes, uma vez que era mais movimentado, em
processos cíveis, do que a própria Comarca. Tudo isso tem
acontecido e os lajenses suportado como uma afronta ignominiosa à
sua cidadania. Que mais os espera?
O
concelho das Lajes é o mais “rico” em agricultura. Só a
freguesia da Piedade tem mais de 16 mil prédios rústicos registados
na respectiva Matriz Predial. O concelho e a Ilha prosperaram com a
indústria baleeira e, depois, com a de conservas de atum. Mas esta
só a deixaram funcionar pouco mais de vinte anos... “Cortaram-lhe
as pernas”. O concelho chegou a ter trinta e cinco traineiras de
pesca, que acabaram por ser vendidas para outras zonas de pesca,
porque a respectiva fábrica deixou de funcionar. Nem trago as razões
desse tremendo colapso.
Não
estou a lamuriar mas a lembrar factos concretos e a chamar a atenção
para uma situação que, a repetir-se, provocará o desaparecimento
do chamado “Sul da Ilha do Pico”. E se isso acontecer, não
serão mais precisos nem portos nem estradas. Tudo ficará como na
época do descobrimento: terra
selvagem...
Vila
das Lajes do Pico,
Fevereiro
de 2013
.
Ermelindo
Ávila
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