NOTAS DO MEU CANTINHO
Acordei um pouco sobressaltado com o estrondear de um foguetão. Levantei-me, precipitadamente, e corri para a torre da minha modesta residência na esperança de, da janela que dá para o Oceâno, ver uma vez ainda as gasolinas e as canoas saírem pela carreira fora, rumo a oeste.
Na Terra da Fôrca, junto ao velho moinho, o Vigia já devia ter hasteado, com certeza, a bandeira preta, sinal de baleia à vista.
A manhã ia nascendo mas o sol não aparecia ainda no alto das ladeiras.
As pessoas estavam ainda recolhidas quando a bomba, lançada pelo Vigia, estrondeou no ar. Foi uma surpresa. Há muito que na minha terra não se ouvia sinal de baleia. Os poucos botes, que restaram da distribuição graciosa por outros portos, estavam recolhidos nos barracões para servirem em regatas e as lanchas, apenas duas, ancoradas na Lagoa, há muito que não punham os motores em serviço.
Como podia ser possível haver sinal de baleia? Nem sabia responder. Sei que era o antigo sinal e, naturalmente, que as baleias deviam andar por perto.
Os ribeiras e os calhetas já deviam andar fora. O sol por lá aparece mais cedo. Era natural que assim fosse.
Os botes do Mestre José Faidoca, do Manuel Alfaiate, do Domingos Saltão; e também os do João Tavares, do António Medina, e do António Garcia com certeza que estavam a aproximar-se da baía das Lajes
Mas, afinal, por mais que da janela da minha torre espreitasse os botes e lanchas das Lajes, que deviam estar a sair pela carreira que liga a lagoa ao alto mar, não apareciam. Esperei...
E quando me mantinha com o binóculo em punho, na expectativa, de os botes saírem, nada via.
Algum tempo depois um barco semi - rijido motorizado, saía a carreira, levando um grupo de indivíduos: homens e mulheres. Foi então que despertei do meu sonho e verifiquei que eram turistas, de qualquer nacionalidade que, conduzidos pelos operadores/ armadores, iam ver as baleias e os golfinhos, como agora tratam os moleiros e as toninhas, que se encontravam no seu habitat, descuidados e felizes, a viver, calmamente, e a alimentar-se dos peixes que os homens deviam utilizar nas suas ementas mas que agora, a pesar das diligências dos pescadores, nem aparecem nos pesqueiros habituais...
Afinal, sofri uma amarga desilusão... Verdade que já não se arria à baleia há muitos anos, nem há baleeiros em terra. Foram desaparecendo com o rodar dos anos... As gerações novas nem sabem o que era essa actividade marítima que muito contribuía para o equilíbrio económico desta terra que ainda denominam de “terra de baleeiros”. Mas isso foi no passado. Se Raul Brandão cá voltasse já não escreveria uma parte do que disse em “Ilhas Desconhecidas: “Casinhas negras aglomeradas, uma grande solidão e uma grande tristeza. A costa forma baía, fechada de um lado por um desconforme penedo. Lajes é a terra dos baleeiros – seis armações, duzentas pessoas empregadas na pesca. A casa do vigia fica lá no alto num caminho abandonado, num sítio que se chama Terra da Forca.(...) Tudo aqui cheira a baleia e está besuntado de baleia, tudo o que se come sabe a baleia, que é derretida em grandes caldeirões para lhe extraírem o óleo. – Pergunto: - Vocês não sentem isto? Este cheiro horrível? – Este cheiro cheira-nos sempre bem. É sinal de dinheiro”.
E assim era! Todavia, hoje a vila voltou a ser de “...uma grande solidão e uma grande tristeza.” Os baleeiros, vindos da Ribeira do Meio, já não esperam o sinal de baleia no “balcão da Emília”,nem os da Vila nas banquetas junto das antigas “casas dos botes”, – agora Museu dos Baleeiros, frente à rampa da Lagoa, também desaparecida. A Lagoa está transformada em pequena marina onde ainda estacionam alguns barcos de pesca além de outros de recreio e aqueles que levam os visitantes até ao ”santuário das baleias”
Pois se até a “Pesqueira” desapareceu...
Fico por aqui e volto ao remanso do meu cantinho para continuar estes rabiscos. Até quando? Só Deus o sabe!...
Vila Baleeira.
13-03-2012
Ermelindo Ávila
Escrito de acordo com a antiga ortografia
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