NOTAS DO MEU CANTINHO
Na gíria popular era a “semana dos nove dias”. E uma razão havia para que as pessoas assim pensarem: na Quinta-feira santa ou Quinta-feira maior as cerimónias litúrgicas decorriam da parte da tarde. Assim, a parte da manhã ficava livre para quaisquer serviços. Na Sexta-feira santa as cerimónias decorriam, normalmente, da parte da manhã, com a Missa dos Pré-santificados e a Procissão de enterro. A parte da tarde ficava livre.
A Igreja era decorada com panos negros, as imagens cobertas e as janelas tapadas.
Mas tudo era feito com ordem e respeito. O povo acorria às cerimónias litúrgicas com notável afluência e enorme sentimento. Quando criança, lembro-me que, quando a matraca dava o sinal, as pessoas, num gesto de sentimento, batiam com as mãos nas caras e algumas choravam, o que não deixava de me impressionar.
Na noite da quinta para sexta-feira, o Santíssimo ficava exposto no trono do altar mor (refiro a igreja de S.Francisco onde funcionaram provisoriamente os serviços paroquiais). A Irmandade do Santíssimo tinha a seu cuidado a adoração permanente, mesmo durante a noite, revezando-se os irmãos conforme ordem pré-estabelecida.
No sábado de Aleluia, ou dia da ressurreição do Senhor, as cerimónias revestiam-se de grande esplendor. Ao cantar do Glória in excelsis Deo, pelo celebrante, a filarmónica, postada no coro alto, rompia com uma marcha, os sinos repicavam, o órgão dava os primeiros acordos e o coro ou capela continuava depois com o canto litúrgico. As imagens eram descobertas e as cortinas das janela caíam. Tudo em simultâneo e com o máximo respeito. Do coro alto e do coreto, crianças da catequese espalhavam, sobre a assistência, pétalas de flores e um dos serventuários levava em bandeja, aos sacerdotes e acólitos e membros do coro, pequenos ramos de flores em belos arranjos de D. Virgínia de Lacerda, uma artista de rara sensibilidade, substituída mais tarde por D. Maria da Encarnação Bettencourt, sua distinta discípula.
(Só depois dos sinos tocarem festivamente, anunciando a Ressurreição do Senhor, é que era permitido aos rapazes o jogo do pião).
No domingo da Ressurreição, manhã cedo, a Filarmónica Artista (extinta nos anos trinta) percorria as ruas da vila tocando uma marcha ligeira. A seguir, saía a procissão da Ressurreição, com o Santíssimo, descendo à rua Direita, e só quando regressava ao templo era dado início à Missa da Ressurreição.
Afinal, quatro dias de celebrações solenes às quais não faltavam os fiéis, depois de uma Quaresma cumprida com recolhimento e alguma penitência.
(O domingo de Páscoa era o dia escolhido pelas senhoras para estrearem os seus trajes festivos de verão. Os homens continuavam a trajar os habituais fatos domingueiros, como diziam).
A celebração da Semana Santa só tinha lugar na Matriz das Lajes, nela tomando parte os sacerdotes das outras paróquias da ouvidoria. Ficaram na memória do povo as Matinas da Sexta-Feira Santa. Era executada uma partitura que se dizia ser da autoria do célebre P. Joaquim Serrão.
Mas não só nas Lajes era celebrada a Semana Maior. Lembro o que eram as cerimónias da semana Santa na Sé de Angra. A cidade toda acorria à Sé e o clero ali se reunia para colaborar nas cerimónias. Na Quinta-feira da parte da manhã, havia a Missa para a bênção dos óleos sacramentais, que depois eram distribuídos por todas as paróquias da Diocese. Nessa Missa Crismal tomava parte, obrigatoriamente, todo o clero da Ilha.
Na Adoração da Cruz, na Sexta-Feira Santa, o Bispo, quando presidia, e os cónegos – naturalmente que eram os primeiros – caminhavam até junto do Crucifixo, em meias e com capas pretas com cauda.
Na Quinta e Sexta-feira Santas também eram cantadas Matinas solenes, com Partituras que constava serem do Pe. Serrão. Certo é que um dos órgãos da Sé havia sido construído pelo Pe. Serrão, notável organista e compositor, natural de Setúbal e falecido em Ponta Delgada, em 1877, onde havia residido vários anos.
Todavia tudo foi simplificado pelo Concílio Vaticano II, mas não tanto como em alguns lugares acontece. E talvez por isso os fiéis católicos deixaram de frequentar as diversas cerimónias da Semana Santa com a assiduidade com que antigamente o faziam.
Vila das Lajes do Pico
Domingo de Ramos de 2012
Ermelindo Ávila
(Escrito de acordo com a antiga ortografia)
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