Notas do meu cantinho
AS COROAÇÕES
Em épocas não muito afastadas a freguesia da Santíssima Trindade (hoje constituindo duas paróquias independentes) celebrava as Domingas do Espírito Santo, ou seja aqueles domingos que se situavam entre o Domingo de Páscoa e o Domingo do Pentecostes.
A paróquia estava dividida em núcleos e cada um deles tinha um grupo de “Irmãos” que “levavam a Coroa”, de cinco em cinco anos. Ainda hoje os lugares da Almagreira e das Terras cumprem esse voto. E são sempre as mesmas famílias que sorteiam entre si os domingos em que devem “levar o Senhor Espírito Santo” à Igreja, para usar as denominações populares.
Este ano é o “ano das Terras”. Já foram sorteados os domingos e já principiaram a fazer-se os convites para cada domingo. Aqui há anos, era limitado o número de convidados: apenas os “Irmãos”, os familiares e alguns amigos. Presentemente, os convites são feitos a centenas de amigos e conhecidos.
Lacerda Machado assim se refere às domingas: “Os festejos das domingas consistiam apenas em missa cantada e coroação, em seguida às quais o mordomo oferecia jantar aos colegas das outras Domingas e pessoas convidadas”(1)
A preparação das festas começa, normalmente, cinco anos antes, quando acaba o ciclo festivo duma época.
Para cumprir estes votos os habitantes daquele próspero lugar construíram um grande e espaçoso salão que pode receber mais de mil convivas no jantar do Espírito Santo. Substitui um pequeno espaço, construído há anos para sede da sociedade recreativa, Alegria no Campo, então constituída.
Mas não se ficou pelo salão, um dos melhores, em espaço e arranjos interiores da ilha do Pico. Profundamente católicos os habitantes do lugar edificaram também uma ampla ermida ou igreja, dedicada ao Coração de Maria, nela tendo sido entronizada a Imagem de Santo Isidro, patrono dos agricultores.
Havia ali bons pedreiros e oficinas de ferreiro e alguns carpinteiros. Os que não se empregavam nesses ofícios, trabalhavam na agricultura. As mulheres dedicavam-se quase só aos serviços domésticos e, quando disponíveis, auxiliavam os familiares nos campos.
Alguns emigraram. Lembro John Phillips, que se tornou célebre na luta contra os índios e que hoje é considerado um dos heróis americanos.
Actualmente, a população do lugar é uma das mais prósperas da ilha. Vive feliz e desafogadamente das suas lavouras e em completa harmonia. Segundo sei, ali não há casos de tribunal, o que é uma honra para as suas gentes.
Tenho muita simpatia por aquele lugar e pelas suas gentes. Foi ali que iniciei a Instrução Primária quando uma tia paterna. Aurora Leopoldina Ávila, iniciou a sua profissão de professora do Ensino Primário.
Há muitos anos lá se fixou, pelo casamento, um tio-avô materno, que deixou larga descendência. Ainda hoje, encontro vários primos que me dispensam afectuosa amizade, a qual bastante aprecio e estimo.
E porquê o topónimo Terras? Porque ali estão os melhores terrenos de semeadura da freguesia e, porque não?, da ilha. Antigamente era o celeiro. Tinha milho em abundância que servia de moeda de troca. Todos os anos víamos serrados de trigo mas principalmente no ano das Coroações e ainda lá existem diversas eiras que serviam para a debulha. Um dia de festa para famílias e amigos.
Hoje não se vêm serrados com trigo e poucos há de milho. Os terrenos quase só produzem ervas e milho para silagem destinada à sustentação do gado leiteiro, pois as Terras tem várias e amplas manadas, que dão bons rendimentos.
Com este singelo registo fica a minha modesta homenagem ao laborioso Povo das Terras, como disse, uma grande parte meus parentes.
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Lacerda Machado: “História do Concelho das Lages”1936 .
Vila das Lajes,
Março de 2012
Ermelindo Ávila
(Escrito de acordo com a antiga ortografia.)
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