AS
TROPAS LIBERAIS
Ocorrem, no dia 21 do
corrente mês de Abril, cento e oitenta e um anos que as tropas do
Conde de Vila Flor, ao serviço da Causa Liberal, desembarcaram no
porto de Santa Cruz das Ribeiras.
Foi também naquele
porto, que porto ainda não era, que os companheiros de Fernão
Alvares Evangelho, depois de O haver deixado no penedo negro, à
entrada da enseada do Castelete desta vila, e se haverem feito ao
largo, porque o mar se levantou e não permitiu que mais ninguém
saltasse para terra, meses passados para ali se dirigiram e
desembarcaram.
O Conde de Vila Flor
desembarcando a sua tropa em Santa Cruz pretendia alcançar o porto
da Madalena a fim de se dirigir à Horta, para desapossar daquela
então Vila, a administração de Dom Miguel.
No dia seguinte ao
desembarque, passando nesta vila, determinou ao juiz pela lei, que,
“no dia 22 pelas dez horas da manhã, reunida a Câmara, se faria
imediatamente trancar o auto de juramento prestado ao usurpador,
aclamando a Rainha, sra. D. Maria II como rainha de Portugal”.
Sobre este feito diz
Lacerda Machado (1) :
Estando nas Lages, em
abril de 1831, a divisão liberal constituída pelo Conde de Vila
Flor, depois Duque da Terceira, foi por este encarregado de prover as
subsistências da divisão durante a estada das tropas na ilha,
missão delicada, porque as populações sentindo na consciência o
pecadinho da afeição pelo Senhor D. Miguel, fugiam à aproximação
das forças liberais. O capitão Manuel Machado Soares, cavaleiro
infatigável, percorreu pessoalmente as povoações próximas e todas
aquelas por onde a divisão devia passar, para com a sua presença
incutir confiança, prevenindo ao mesmo tempo as casas que tinha
forno para que tivessem à porta, a horas certas, uma fornada de pão,
ou bolo à moda da ilha, no que foi prontamente atendido,
desempenhando assim cabalmente o difícil encargo.” (1)
Um outro facto não
menos importante, ocorreu na ocasião do desembarque das tropas
liberais, e conta o historiador lajense :
“... um dia em S.
Jorge, Manuel Joaquim Noronha, natural da Terceira. passeando com um
camarada pela povoação da Beira, junto das Velas, avistaram dois
indivíduos que, para se encontrarem com eles, mudaram de rumo. –
Tendo bastou par he fazerem fogo. Um (que era frade) caiu logo morto
o outro – o fidalgo Miguel Teixeira, tenente-coronel de milícias,
foi crivado de baionetadas.
Quando as tropas
liberais desembarcaram em Santa Cruz e marchando em direcção às
Lajes, ao passarem em frente da casa do capitão José Bettencourt da
Silveira, este saiu-lhe ao encontro e convidou o Conde de Vila -Flor
e seu estado-maior a tomar uma refeição.
No decorrer da
refeição, Manuel Homem de Noronha, que fazia parte do grupo, ao
encher o copo de vinho, quis saudar o dono da casa e perguntou-lhe o
nome. O Noronha recuou e insistiu, confirmando o Bettencourt que esse
era o seu nome. E foi então que o Conde interveio, dizendo que havia
muitas Marias na terra. Julgava o Noronha ter na sua frente o
Bettencourt das Velas. Assim ficou o caso sanado. (2)
Nas actas das Vereações
das Lajes encontram-se os autos de aclamação de D. Miguel em 9 de
Setembro de 1828 e o de D. Maria II, em 22 de Abril de 1831.
Num escrito anterior
dizia: “E parece que o povo não recebeu bem a imposição do
Conde de Vila Flor, pois não foram tão categorizados e numerosos os
signatários do auto de aclamação da Rainha.”(3)
Um parte das
tropas seguiu das Lajes até à Madalena, para embarcarem para o
Faial, enquanto outra, caminhando pelo lado Norte, embarcou em S.
Roque para as Velas.
Na memória das
gentes ficaram os actos de vandalismo praticados pelas tropas do
Conde de Vila Flor, mais tarde Duque da Terceira. Do Faial a armada
ao comando do Conde de Vila Flor, rumou a S. Miguel, que ainda
estava sob o domínio de D. Miguel, onde as tropas liberas
desembarcam a 1 de Agosto de 1831.
“Uma vez em Porto
Formoso, o Conde de Vila Flor verificou que os miguelista haviam
tomado posições magníficas, ocupando as encostas sobranceiras à
freguesia, principalmente na Ladeira da Velha. O Conde manda então
suas tropas fazerem um movimento envolvente parecendo abandonar a
estrada da Ribeira Grande. Assim consegue que as tropas miguelistas
se alarguem e enfraquecem e logo que viu o alto da Ladeira da Velha
pouco guarnecido faz avançar uma forte coluna pelo que os
miguelistas se viram entre dois fogos. - Foi um desastre para as
tropas de Sousa Prego (capitão - general miguelista), pelo que o
Conde de Vila Flor segue triunfante para a Ribeira Grande e para
Ponta Delgada.”(4)
Foi em Ponta
Delgada que D. Pedro, Duque de Bragança, promulgou no dia 17 de
Maio de 1832, a extinção dos conventos e colegiadas do distrito da
Horta. (5)
Dali seguiram
para o Porto, saindo triunfantes da batalha de Mindelo.
A passagem pelo Pico, e
naturalmente pelas outras ilhas, não foi pacífica. Daqui levaram
muitos rapazes que incorporaram nas suas tropas. E outros mais não
foram porque se haviam refugiado nos matos, nas casas de abegoaria.
Mais tarde, aqueles que escaparam, voltaram à terra. Um deles, o
Pereira Soldado, quase chegou a nossos dias... O Ano da Tropa não
ficou esquecido por picoenses. Anos e anos, os mais idosos falavam
dessa época com algum pavor.
As Lutas Liberais
ocorreram há 180 anos. No porto de Santa Cruz
das Ribeiras não se encontra ali assinalado o desembarque das Tropas
Liberais, e merecia-o. É ainda tempo que isso se faça, pois
trata-se de um acontecimento histórico, numa freguesia onde não
abundam factos semelhantes. Demais, nestes tempos de vida
administrativa em que se discute a existência de algumas freguesias
nacionais e regionais...
______________
1)
F.S .Lacerda Machado - “OS Morgados das Lages” – 1915 –
pág. -17
2)
F.S. Lacerda Machado – “Os Capitães Mores das Lages” - 1915-,
pág.69
3)
E . Ávila – “Figuras e Factos . Notas Históricas” Vol. I-
1993– pág. 160
4)
Carreiro da Costa –
Esboço Histórico dos Açores”,
1978, pág.153/4
5)
A-L- Silveira de Macedo, “História das Quatro Ilhas...” II Vol.
1871 - pág 511.
Vila das Lajes,
9 de Abril de 2012.
Ermelindo Ávila
(Escrito
de acordo com a antiga ortografia)
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