Não julguem que se trata da Matança de São Bartolomeu, aquela que ocorreu na noite de 23-24 de Agosto de 1752, em França. É ou são outras mais simples e utilitárias que, nesta época do ano, principalmente, eram – e em algumas terras ainda são - a alegria e a fartura de muitas famílias: a matança do porco.
Aqui há bastantes anos, o Pe. Francisco Vieira Soares, nosso conterrâneo, fundou na freguesia dos Cedros, onde exercia o seu munus sacerdotal, a revista “Eco Cedrense”. Não teve o prazer de a dirigir por muito tempo pois o Prelado que chegara à Diocese, transferiu-o para a Lomba das Flores. E aí não se aquietou. Fundou uma filarmónica e construiu um passal. E idênticos na freguesia de Ponta Delgada para onde, poucos anos decorridos, foi transferido.
Mas, neste arrazoado, não quero hoje falar do saudoso conterrâneo e amigo, falecido precocemente. Referi, e a propósito, o “Eco Cedrense”, que continuou a publicar-se sob a Direcção do Pároco, Pe. José da Rosa Dutra, e no qual colaborava um grupo de redactores muito distinto, que exerciam sua actividade didáctica naquela freguesia faialense.
E foi o Prof. João Pereira Dutra, homem de invulgares qualidades literárias e artísta de gravações ímpar quem,(ao que julgo) na revista nos deixou um texto muito interessante sobre as “matanças dos porcos”, ou, “morte desejada”.
Vale a pena trazer aqui um naco dessa narração, aliás muito semelhante à que se praticava (ainda se pratica?) em algumas localidades picoenses.
E diz o citado Autor:”Quando a morte entra numa casa foi-se a alegria, aí só há choros, aí só há lágrimas, mas na morte do porco não há tristeza, nem choro nem lágrimas, mas sim uma sincera e franca “satisfação” que aquela morte é, desde há muito, desejada”.
E a findar: “É interessante como, de freguesia para freguesia é diferente a maneira de pôr os porcos a enxugar. Há freguesias que os penduram de focinho para o chão , como se estivesse fazendo ginástica e ainda outros com as bandas separadas em cima do arquibanco, para enxugar mais depressa.
Por cá as matanças realizavam-se de madrugada. A família que “matava porco” quase não dormia na noite da matança, para poder preparar tudo e avisar o matador e companheiros, para estarem a horas no local onde era abatido o suino. Estava-se na época da baleação. Normalmente, o “Vigia” descobria os cetáceos logo ao amanhecer, lá para o horizonte. O sinal de “baleia à vista” era dado, imediatamente, pois as baleias podiam tomar outro rumo ou, também, serem descobertas pelos “Vigias” de outros portos. E assim o porco tinha de estar preparado e pendurado (aqui era pela cabeça) e os homens já almoçados ao romper do dia, para não serem surpreendidos pelo “sinal de baleia.”
Hoje não há essa preocupação. Já não se caçam baleias. E até mesmo as matanças não se fazem em casa, mas no Matadouro. Tudo simples mas menos interessante e nada tradicional.
A semana da matança era de “dias de lida”. Cozia-se o pão de diversos tipos: pão de milho (ou de duas farinhas – trigo e milho -) caspiadas, “rosquilhas de água ardente”, bolo do forno.
Na véspera preparavam-se as cebolas e picavam-se para, misturadas com o sangue do animal, se fazerem as morcelas. Limpava-se e ornamentava-se a casa para receber os convidados e as visitas que sempre apareciam a ver o porco e se tinha muita grossura de toucinho. Os convidados ceavam com o dono da casa já os miúdos do porco (bifes do fígado e morcelas, além de outros manjares.
O dia seguinte era para desmanchar o porco e dividir as carnes: para cozer, para derreter e fazer os saborosos torresmos, para pôr a curtir a carne para a linguiça, e para os “presentes” às pessoas amigas ou a quem eram devidos favores. E que prazer tinham os miúdos em levar esses presentes para receberem uns trocos – 2$50 era uma fortuna – que guardavam ciosamente nos pequenos mialheiros. Tudo feito com ordem e atempadamente para que não houvesse descuidos, nem sempre bem aceites...
A civilização moderna afastou dos centros urbanos a criação de suínos. Se por um lado essa medida tem justificação pela defesa e higiene da salubridade públicas, por outro veio afastar desses animais uma alimentação caseira, muito mais saudável do que a que se importa, fabricada nem sabemos com que “matérias primas”.
Velhas tradições a recordar com alguma saudade.
17 de Janeiro de 2011
Ermelindo Ávila
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