quarta-feira, 8 de julho de 2009

GENTES DO PICO

Notas do meu cantinho

Decorreram os meses, os anos e os séculos... As famílias foram aumentando. Uma decisão arrojada houve de tomar-se. Na realidade esta gente do Pico é extraordinária. Ontem e hoje!... Com esforço e audácia. soube transformar a pedra em pão e trazer do mar oceânico o monstro que, durante anos e anos, mais de um século, foi a fartura da sua casa.

Séculos e séculos viveu pobre mas feliz, até que um dia despertou do letargo que a atrofiava e compreendeu a sua situação de pobreza e quase de miséria.

Decorriam os anos. Os barcos passavam ao largo. Eram um aliciamento para sair da ilha, para a emigração. E o picoense nunca mais desistiu de “dar o salto”. Certa noite fez-se ao mar e tomou uma dessas barcas que passavam junto da costa, depois de haver combinado a fuga com o engajador. E não foi um apenas. Foram tantos e tantos. Centenas, milhares? Outros açorianos lhes seguiram as pegadas. Bastos anos andaram por esses mares ignotos, à caça do monstro marinho, até que, mais tarde, puderam chegar a terra firme e por aí se fixaram. A grande maioria. Outros regressaram, anos volvidos.

Dos que se fixaram em estranhas terras, por lá ficaram seus descendentes, hoje espalhados pelas sete partidas do mundo. Vamos encontrá-los no Oriente e no Ocidente, nos Brasís e nas Américas, nas nações europeias e africanas. Eu sei lá!

Embora inicialmente com penoso sofrer, os picoenses adaptam - se e vivem em toda a parte. Que o diga o nosso herói picoense, Genuíno Madruga, que os foi encontrar em quase todas as partes do mundo.

Na verdade, hoje os tempos são outros. Os meios de comunicação entre os diversos povos são diferentes. Diferentes e rápidos. As velhas baleeiras recolheram aos portos de armamento para serem desmanteladas. Já não é possível “embarcar de salto”.

Todavia, abalar para a França ou Luxemburgo não é aconselhável, pois a crise também chegou a esses e outros países.

Nos tempos que decorrem há, que “inventar” outros meios de sobrevivência.

Porque não voltar à terra e promover novos processos de aproveitamento das belgas e nesgas de campos que ainda restam e que uma vegetação selvagem deles se vai apossando quase criminosamente?!... Mas, afinal, a Ilha tem ainda muito que aproveitar.

Verdade que tudo exige esforço, entusiasmo e dedicação, embora já não se careça de fazer “maroiços”, “currais” de vinha ou abrir socalcos nas terras inclinadas (os vales das ladeiras...) Basta restaurar tudo aquilo que os antepassados nos deixaram, e muito foi. E já é suficiente.

O Pico precisa voltar-se para si. Redescobrir os meios necessários à sua sobrevivência. Trabalhar a terra e dela tirar o que seja necessário à sua subsistência e que ela lhes pode dar com fartura, e tanto é. Modernizar as culturas e substituir as sementeiras. Adequar aos terrenos, as adubações ou estrumes orgânicos.

Não será um erro importar a laranja, a maçã, a pêra, e até as uvas, e outras frutas que a ilha sempre produziu e até exportou? Importa restaurar os pomares ou quintas de frutas! E até a floricultura... Que lindas, e algumas de aroma inebriante, são as nossas flores!

Na ilha faltam as oficinas artesanais. Onde estão os ferreiros, os funileiros, os sapateiros, os barbeiros, os alfaiates, as modistas ou costureiras, as rendeiras, e até os merceeiros ou, como hoje se diz, o “comércio tradicional”, e tantos mais? E só estes e estas refiro...

Mas não apenas as oficinas. Outras actividades podem e devem ser incrementadas afim de proporcionarem emprego à juventude, evitando-se o êxodo que actualmente ainda se verifica, com mágoa, para outras terras, muitas vezes sem quaisquer vantagens.

Na situação em que a Ilha se encontra, quase sem juventude e com uma população cansada, cumpre aos Serviços Públicos assumir a responsabilidade de promover com urgência e eficácia o desenvolvimento do Pico, criando-se incentivos, tão necessários, à fixação de gente válida e capaz de assumir o encargo das tarefas que se tornam indispensáveis realizar. Importa considerar que o Homem do Pico há muito deixou de ser aquele que os Irmãos Bullar,s descrevem no seu livro “Um Verão nos Açores e um Inverno no Vale das Furnas” .

Demais a terra do Pico mantém as mesmas potencialidades de que nos fala Raul Brandão em “Ilhas Desconhecidas” (pág. 105,): O Pico é a mais bela, a mais extraordinária ilha dos Açores, duma beleza que só a ela lhe pertence, duma cor admirável e com um estranho poder de atracção. É mais que uma ilha – É uma estátua erguida ate a céu e moldada pelo fogo – é outro Adamastor ,como o do Cabo das Tormentas.-

E diz ainda o mesmo Autor: De repente surge ... um souto verde de castanheiros, um campinho de milho, figueiras redondas e baixinhas, pedra vulcânica ... que dá o chá e o café e todas as culturas tropicais; os frutos do continente, e laranjas e nêsperas mais deliciosas ainda pelo sofrimento ... Cria-se a oliveira e o castanheiro ao lado do ananás silvestre, que amadurece ao ar livre e enche a horta de perfume... as figueiras...os vinhos... o milho e o trigo...

Estarei a sonhar? Talvez não!


Vila das Lajes, 28 de Junho de 2009

Ermelindo Ávila

2 comentários:

Miguel Bettencourt disse...

Obrigado pelo saber que partilha através do seu blog.

Deixo aqui um pequeno reconhecimento: http://mbweblogv2.wordpress.com/2009/07/14/notas-retiro/

Anónimo disse...

Este meu comentário não é feito em tom propíciatório, nem com intenção de dar graxa e ou lamber as botas, nem o Senhor necessita disso para nada, mas faço questão de o saudar por, mais uma vez e têm sido tantas e tantas, trazer a público este seu escrito. Sei que muito "boa gente" não o aprecia, mas isso serão contas de outro rosário...
Sou Picoense e não vivo na minha Ilha. Talvez por isso, a viva de uma forma diferente e quem, como eu, esteja "ausente" saberá melhor do que estou a falar.
O nosso País vive numa crise que, mais do que económica, é, seguramente, de valores. Valores que se foram perdendo ao longo de uma geração ou nem tanto!?
A Ilha precisa de mais Gente e Gente com qualidade. Com moral, com princípios, com seriedade e verticalidade. Mais Gente que não viva, permanentemente, acocorada e que, quando por preciso, grite, alto e bom som, que o rei vai nu.