segunda-feira, 14 de maio de 2007

GENTE FELIZ

Volto a trazer aqui a gente das Terras. Gente que é feliz, numa zona em que dá gosto viver.
Em anterior nota referi que o povo das Terras “Forma um grande clã, onde raramente aparece um conflito e, se isso acontece, normalmente “morre à nascença”, como soe dizer-se.”
E não me engano. O sítio deve ter sido povoado por uma só família, os Sousas e Furtados. Mais tarde surgiu a família Madruga. E quase só as três famílias por lá ficaram e se propagaram. Hoje têm numerosas descendências.
Dos Sousas-Silveiras e Furtados era Manuel Filipe, filho de Filipe Cardoso e de Mariana de Jesus, esta filha de António Furtado e de Engrácia Maria. Nasceu nas Terras em 28 de Abril de 1832. Emigrou jovem para os Estados Unidos da América, onde adoptou o nome de “John (Portugee) Phillips”, e se tornou herói português nas lutas contra os índios. Ficou na História dos EUA e hoje é uma figura mundialmente conhecida. É pena que na Terra natal não exista um sinal qualquer a lembrar o célebre herói, cuja façanha anda até nos compêndios escolares. Bastava uma placa no pequeno ramal em frente da Ermida, com um mínimo de dados informativos. Julgo que ainda tem parentes no Lugar. Dele já tratei em anteriores trabalhos.
Os Madrugas têm origem em António Pedro Madruga, natural desta vila, irmão da minha avó materna, que casou nas Terras e por lá ficou, deixando uma numerosa descendência. Os Madrugas espalham-se hoje pela Horta, Ponta Delgada, Estados Unidos, Canadá e até Argentina, para onde emigraram alguns deles. Tal como os Sousas Silveiras e os Furtados. Vários conseguiram cursos superiores e desempenham cargos de relevo nas ilhas e no continente português.
Ainda conheci aquele meu tio-avô. Um homem sério, honesto, respeitado e respeitador. Uma figura patriarcal.
As gentes das Terras, profundamente católicas, não faltavam ao cumprimento dos preceitos dominicais. Eram os primeiros a chegar, ao domingo, à Igreja Matriz, para a primeira Missa. E igualmente nos dias festivos. E se os actos religiosos se prolongavam pela tarde, eles permaneciam pela vila, em casa de amigos ou parentes, ou mesmo no próprio templo, aguardando as cerimónias vespertinas.
Para que os enfermos pudessem cumprir a chamada “desobriga quaresmal”, o Pároco, Pe. José Vieira Soares obteve permissão do Bispo diocesano, D. António Meireles, para ir às Terras celebrar Missa e visitar os que não podiam deslocar-se à casa onde era celebrada a eucaristia. Servia-se do altar portátil, que havia pertencido ao Bispo de Macau, Dom João Paulino de Azevedo e Castro e que havia sido legado à Matriz, com outros objectos de culto, por um dos irmãos do extraordinário Bispo lajense. Acompanhei-o alguns anos. Era um dia de festa para o lugar. Nem os foguetes faltavam.
Mas o povo das Terras entendia que alguma coisa faltava ali. E foi então que resolveu construir uma Ermida onde mais facilmente se celebrassem os actos de culto.
Presentemente as Terras, para cumprir os “votos” do Espírito Santo ou preceito dominical, já não desce à vila, como anteriormente. E aqui recordo o que penei pela Ladeira da Vila até às Terras, levando em cortejo, a Coroa do Divino, depois de haver coroado na igreja, na Vila, a convite de um afilhado de meu Pai. Tempos de recordações e de saudades
A aprovação do projecto e licença para a construção da bela e esbelta Ermida, semelhante a uma pequena igreja paroquial, foram concedidas pelo Bispo D. Manuel Afonso de Carvalho e a respectiva Provisão de 18 de Junho de 1969, foi assinada pelo Vigário Geral, Monsenhor José Pereira da Silva.
A bênção do pequeno templo, cujo titular é o Coração Imaculado de Maria, foi autorizada pelo mesmo Bispo Diocesano em 27 de Março de 1972, sendo oficiante, por delegação do Prelado, o Pároco e Ouvidor das Lajes, Pe. António Cardoso. No mesmo documento foi autorizada a ereção da Via-Sacra com as indulgências próprias. Já são decorridos trinta e cinco anos.
As Terras possui hoje, além da Ermida, um amplo salão, como referi no anterior escrito, provido com cozinha moderna, onde são preparadas as funções do Espírito Santo. É um dos mais amplos da ilha. Nele realiza também as suas festas nocturnas e outros divertimentos. É a sala de convívio do lugar.
Após a construção da estrada Lajes-Piedade, denominada “Ministro Duarte Pacheco”, a firma Edmundo Machado Ávila & Filhos, construiu ali um prédio, no lado Leste da estrada, destinado a comércio, que manteve durante vários anos. Era praticamente um comércio de trocas de géneros por artigos de mercearia.
Antigamente as folgas tinham lugar nas pequenas salas de algumas das habitações do meio. Por lá havia excelentes tocadores de viola e cantadores e a velha “Chama-Rita” era o baile mais apreciado. Mas não faltavam também os antigos “Bailes de Roda”. Por cortesia de amigos assisti a um desses bailes e fiquei encantado com a elegância, o donaire, a presteza dos dançarinos, que o eram de todas as idades. Bons tempos.
A par disso, as Terras modernizou-se. Antes que a electricidade cobrisse toda a Ilha, a população associou -se numa cooperativa, adquiriu um motor gerador e instalou uma rede de distribuição que, não só abastecia os domicílios dos respectivos sócios como também a via pública. Presentemente a rede pública da empresa concessionária tomou esse encargo.
Creio que as atafonas desapareceram. As habitações modernizaram-se, algumas de boa arquitectura. A população desenvolveu a pecuária e, conjuntamente com a população do Arrife, chegou a ter uma fábrica de lacticínios, que actualmente á pertença de uma firma comercial.
Nas Terras ou oriundos de lá, tenho muitos parentes e alguns bons amigos. A eles dedico esta modesta prosa.
Vila das Lajes, Abril de 2007
Ermelindo Ávila

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