Outrora o lugar das Terras devia ter sido uma zona rústica de culturas especiais. E talvez por isso começou a ser povoada, como aconteceu em outros localidades da ilha, onde se plantaram vinhas e construíram adegas, algumas delas agora habitadas permanentemente, como são os casos da Manhenha, da Baixa e outras mais.
Há centenas de anos que as TERRAS constituem um importante subúrbio da Vila das Lajes. Além de valiosa zona agrícola, principalmente das culturas de milho e de algum trigo e de outros produtos hortícolas, é um núcleo urbano, onde vive um povo extraordinário pelo seu trabalho, pela sua urbanidade e humanismo, crente e fiel aos seus princípios. Sério, honesto e respeitador, sabe criar e manter amizades e ser amigo do seu amigo, sem ser “o amigo do seu” como diria o Pe. António Vieira.
É agradável conviver com as gentes das Terras.
Forma um grande clã, onde raramente aparece um conflito e, se isso acontece, normalmente “morre à nascença”, como soe dizer-se.
Em tempos recuados, antes que surgisse a estrada nacional, e já lá vão mais de sessenta anos, a população vivia num isolamento confrangedor. Não tinta comércio nem escola. Quase toda a gente era analfabeta. Quando algum queria emigrar, valia-se do velho mestre Quaresma a quem, por isso, chamavam o professor. Na década de vinte foi ali criada a primeira escola móvel e nela colocada a professora do Ensino Primário, Aurora Leopoldina Ávila. Mas, para que a professora, recém formada, pudesse exercer o magistério, houve que alugar casa e mandar executar, â sua custa, os bancos e as carteiras para os alunos.
Mais tarde, já nos meados do século XX o lugar das Terras teve edifício escolar próprio e professor efectivo. Agora, com as modificações do Ensino, os alunos são transportados para a escola da Vila. Progressos que, possivelmente, resultarão em atrasos. Mesmo assim, a juventude do lugar vai dando boa conta de si e alguns já possuem cursos superiores.
Da primitiva escola me recordo porque foi a primeira escola oficial que frequentei. Todos os dias tinha de deslocar-me da Vila ás Terras, pelo chamado “caminho velho”, porque outro não havia…E bons amigos criei. Dias houve, porém, em que, no regresso a casa, fui apanhado por grossas chuvas, que corriam pela “Ladeira da Vila” como por autêntica ribeira…
Nas Terras, por essas alturas, Edmundo Machado Ávila abriu um pequeno estabelecimento de mercearias e líquidos, que ficou a cargo de uma senhora “Maricas”, a qual, mais tarde, o veio a adquirir e o explorou por conta própria. E já agora esta nota a propósito: uma família da vila, que passara a viver na sua propriedade do Cabeço, levou ao estabelecimento uns molhos de nabos, para vender. Alguém perguntou para que era aquilo.
Resposta: “Para a senhora professora comprar”. Escusado dizer que a experiência não resultou e por isso não foi repetida.
Nesses recuados tempos – mais de oitenta anos são decorridos - os homens reuniam-se habitualmente numa ou noutra atafona, geralmente instaladas nas lojas das casas de habitação. Era aí que passavam os serões a jogar às cartas, à luz da secular candeia de azeite.
Com a passagem da estrada e a facilidade de transportes, algo se modificou. Apareceu a primeira moto, depois vieram as carinhas e automóveis. Hoje não sei quantos existem no lugar.
Um dia um velho amigo e antigo companheiro de escola, pediu-me para organizar os estatutos de uma sociedade que queriam fundar e para a qual estavam a construir um pequeno salão. E a sociedade surgiu com a denominação de “Alegria no Campo”. E lá está. Não no velho, mas num grande e espaçoso edifício, construído com a ajuda da população e dos emigrantes, onde, nos últimos anos, se servem os “jantares do Espírito Santo”.
É que as Terras mantém uma antiga e honrosa tradição de promover, durante os domingos que vão, da Páscoa ao Domingo do Espírito Santo, de cinco em cinco anos, as “Coroações”. Era uma tradição ou voto que existia na freguesia de Santíssima Trindade. Alternadamente, a Silveira, a Almagreira, a Ribeira do Meio, a Vila e as Terras, cinco irmãos ou famílias, em cada uma daquelas localidades, sorteavam os domingos em que promoviam a coroação: Missa solene com coroação na Igreja e jantar a doze pobres e familiares e amigos.
As Terras e também a Almagreira não esqueceram o compromisso assumido por seus antepassados. E lá estão as respectivas famílias a cumprir o voto, convidando para a “função” todos os amigos e conhecidos, umas boas centenas a quem oferecem as sopas saborosas e deliciosas do Espírito Santo: Sopa com carne cozida, carne assada, massa sovada, arroz doce e, por vezes, bolos além dos vinhos e refrescos. Um autêntico banquete!
Estamos já na primeira semana das Domingas do Espírito Santo. O lugar das Terras vive horas de euforia. Toda a gente se mobiliza para auxiliar os Mordomos. Os foguetes e os morteiros já percorrem os espaços aéreos a anunciar o início e o fim das cozeduras: pão de água e massa sovada. Há um mês que os convites se fizeram para a primeira “Coroação”. E, daqui até ao Domingo de Pentecostes, ou do Espírito Santo, as “trabalheiras” serão iguais. É a alegria, a boa disposição e os trabalhos também, que são muitos.
Tudo em louvor do Divino Espírito Santo!
Vila das Lajes, Abril de 2007
Ermelindo Ávila
Há centenas de anos que as TERRAS constituem um importante subúrbio da Vila das Lajes. Além de valiosa zona agrícola, principalmente das culturas de milho e de algum trigo e de outros produtos hortícolas, é um núcleo urbano, onde vive um povo extraordinário pelo seu trabalho, pela sua urbanidade e humanismo, crente e fiel aos seus princípios. Sério, honesto e respeitador, sabe criar e manter amizades e ser amigo do seu amigo, sem ser “o amigo do seu” como diria o Pe. António Vieira.
É agradável conviver com as gentes das Terras.
Forma um grande clã, onde raramente aparece um conflito e, se isso acontece, normalmente “morre à nascença”, como soe dizer-se.
Em tempos recuados, antes que surgisse a estrada nacional, e já lá vão mais de sessenta anos, a população vivia num isolamento confrangedor. Não tinta comércio nem escola. Quase toda a gente era analfabeta. Quando algum queria emigrar, valia-se do velho mestre Quaresma a quem, por isso, chamavam o professor. Na década de vinte foi ali criada a primeira escola móvel e nela colocada a professora do Ensino Primário, Aurora Leopoldina Ávila. Mas, para que a professora, recém formada, pudesse exercer o magistério, houve que alugar casa e mandar executar, â sua custa, os bancos e as carteiras para os alunos.
Mais tarde, já nos meados do século XX o lugar das Terras teve edifício escolar próprio e professor efectivo. Agora, com as modificações do Ensino, os alunos são transportados para a escola da Vila. Progressos que, possivelmente, resultarão em atrasos. Mesmo assim, a juventude do lugar vai dando boa conta de si e alguns já possuem cursos superiores.
Da primitiva escola me recordo porque foi a primeira escola oficial que frequentei. Todos os dias tinha de deslocar-me da Vila ás Terras, pelo chamado “caminho velho”, porque outro não havia…E bons amigos criei. Dias houve, porém, em que, no regresso a casa, fui apanhado por grossas chuvas, que corriam pela “Ladeira da Vila” como por autêntica ribeira…
Nas Terras, por essas alturas, Edmundo Machado Ávila abriu um pequeno estabelecimento de mercearias e líquidos, que ficou a cargo de uma senhora “Maricas”, a qual, mais tarde, o veio a adquirir e o explorou por conta própria. E já agora esta nota a propósito: uma família da vila, que passara a viver na sua propriedade do Cabeço, levou ao estabelecimento uns molhos de nabos, para vender. Alguém perguntou para que era aquilo.
Resposta: “Para a senhora professora comprar”. Escusado dizer que a experiência não resultou e por isso não foi repetida.
Nesses recuados tempos – mais de oitenta anos são decorridos - os homens reuniam-se habitualmente numa ou noutra atafona, geralmente instaladas nas lojas das casas de habitação. Era aí que passavam os serões a jogar às cartas, à luz da secular candeia de azeite.
Com a passagem da estrada e a facilidade de transportes, algo se modificou. Apareceu a primeira moto, depois vieram as carinhas e automóveis. Hoje não sei quantos existem no lugar.
Um dia um velho amigo e antigo companheiro de escola, pediu-me para organizar os estatutos de uma sociedade que queriam fundar e para a qual estavam a construir um pequeno salão. E a sociedade surgiu com a denominação de “Alegria no Campo”. E lá está. Não no velho, mas num grande e espaçoso edifício, construído com a ajuda da população e dos emigrantes, onde, nos últimos anos, se servem os “jantares do Espírito Santo”.
É que as Terras mantém uma antiga e honrosa tradição de promover, durante os domingos que vão, da Páscoa ao Domingo do Espírito Santo, de cinco em cinco anos, as “Coroações”. Era uma tradição ou voto que existia na freguesia de Santíssima Trindade. Alternadamente, a Silveira, a Almagreira, a Ribeira do Meio, a Vila e as Terras, cinco irmãos ou famílias, em cada uma daquelas localidades, sorteavam os domingos em que promoviam a coroação: Missa solene com coroação na Igreja e jantar a doze pobres e familiares e amigos.
As Terras e também a Almagreira não esqueceram o compromisso assumido por seus antepassados. E lá estão as respectivas famílias a cumprir o voto, convidando para a “função” todos os amigos e conhecidos, umas boas centenas a quem oferecem as sopas saborosas e deliciosas do Espírito Santo: Sopa com carne cozida, carne assada, massa sovada, arroz doce e, por vezes, bolos além dos vinhos e refrescos. Um autêntico banquete!
Estamos já na primeira semana das Domingas do Espírito Santo. O lugar das Terras vive horas de euforia. Toda a gente se mobiliza para auxiliar os Mordomos. Os foguetes e os morteiros já percorrem os espaços aéreos a anunciar o início e o fim das cozeduras: pão de água e massa sovada. Há um mês que os convites se fizeram para a primeira “Coroação”. E, daqui até ao Domingo de Pentecostes, ou do Espírito Santo, as “trabalheiras” serão iguais. É a alegria, a boa disposição e os trabalhos também, que são muitos.
Tudo em louvor do Divino Espírito Santo!
Vila das Lajes, Abril de 2007
Ermelindo Ávila
Sem comentários:
Enviar um comentário