NOTAS DO MEU CANTINHO
E
AS FESTAS CONTINUAM...
agora,
com caris diferente. São as festas das famílias com origem nas
“matanças”.
Em tempos
passados, eram essas festanças que, todos os anos, depois do Natal e
antes do Entrudo, reuniam familiares e amigos para “celebrar” as
matanças dos porcos. Quase todas as casas criavam um suíno para
abater antes do Entrudo. No entanto, freguesias havia, em que o abate
tinha lugar antes do Natal para permitir refeições mais
substanciais durante a época festiva. Por aqui dava-se o contrário.
No Natal usava-se na “caçoilha” a carne de vaca e, por isso, o
abate nos talhos eram avultado. O peru apareceu mais tarde. Tal como
no continente acontecia, antes da Páscoa.
O abate
dava-se nas semanas que antecediam o Entrudo ou Carnaval, em dias
acertados com os vizinhos e familiares, para que cada família
tivesse o seu dia e a inter-ajuda fosse facilitada.
Era um dia
festivo, principalmente para a miudagem, pois para os adultos exigia
preparação e trabalho fora do vulgar serviço doméstico.
Semanas
antes colhiam-se nos matos a urze que, ficava a secar junto das
paredes dos quintais. (Alguns, poucos, subiam o Castelete e lá
colhiam as “vassouras” para o chamusco do animal, ou animais
abatidos. Hoje, o Castelete está a tornar-se uma mata vicejante.)
Dois ou
três dias antes, apanhavam-se as cebolas para as morcelas. E
faziam-se as cozeduras de pão de milho e trigo e de bolo,
suficientes para as largas refeições dos dias da matança.
Não havia
matadouro industrial, como agora, e os animais eram abatidos nos
quintais, e aí chamuscados e depois rapados, trabalhos que exigiam
certa habilidade e arte. Era feito de madrugada, para que, ao raiar
do dia, já os homens que haviam colaborado, tivessem almoçado. Um
repasto abundante e variado. É que, a quase totalidade era baleeira
e, ao romper do dia, podia a vigia dar sinal de baleia e eles,
almoçados ou não, tinham de partir para a dura faina.
As
mulheres, familiares e amigas, encarregavam-se, depois, de todos os
trabalhos que se seguiam: lavar as tripas, (quase sempre na costa, em
maré corrente) encher nas tripas as morcelas, preparar as carnes ou
para a linguiça ou para as salgadeiras, enquanto a dona da casa ia
separando os produtos, já no dia seguinte, para os “presentes” a
amigos e pessoas a quem se deviam “favores”. Os miúdos
aguardavam delirantemente esse dia pelas gorjetas, simples ou
avantajadas, raras, que recebiam...
No próprio
dia da matança eram feitas as morcelas: com cebolas, quase só os
talos brancos, alguma salsa, alhos, pimenta ou malagueta, sal e
alguns outros condimentos, como canela moída e jamaica.
Normalmente,
as morcelas tinham trinta a quarenta centímetros de comprimento e os
dois extremos eram unidos com barbante. Depois, eram cozidas em
grandes caldeirões e a seguir penduradas sobre a lareira para
secarem. Na refeição da ceia já se podiam “provar” as
morcelas.
A carcaça
do animal estava cerca de vinte e quatro horas pendurada a secar.
Depois era retirada a capa de toucinho e o restante desfeito em
pequenas peças que tinham diversos destinos: uma parte destinada à
linguiça, a outra era derretida para se extrair a gordura e os
“torresmos de sal”, e a ossatura guardada na salgadeira para ser
usada durante o ano. A gordura servia e serve para os cozinhados,
substituindo o óleo de azeitona.
A feitura
da linguiça era trabalhosa e exigente. A carne ficava cerca de
quatro a cinco dias num recipiente de barro, em calda de laranja
azeda, vinho e alhos e limão, peças de gordura do “véu” do
animal, com sal e pimenta e alho q.b., para ficar “curtida”.
Findo esse tempo era enchida em tripas do porco e de vaca,
previamente adquiridas e preparadas e, depois, colocada no fumeiro
durante alguns dias a curtir. Era guardada em recipiente de barro
–barça - coberta de banha e abafada durava um ano.
Tudo exigia
experiência, pois eram produtos que necessitavam de um bom
tratamento para ficarem com qualidade e sabor.
Hoje a
maioria das casas deixou de fazer criação de suínos, por razões
várias, entre elas a necessidade de retirar dos centros urbanos as
pocilgas ou currais de porcos que conspurcavam os ambientes
principalmente pelas cheiros nauseabundos que exalavam.
Certo,
no entanto, que as linguiças e as morcelas que aparecem nos mercados
deixaram de ter, por vezes, a qualidade da chamada “linguiça
caseira”.
E por aqui
fico, recordando uma época que não volta...
Lajes do
Pico,
29-Dezº-
2914
Ermelindo
Ávila
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