Respingos
No
fim do mês, para não dizer em todo o mês, comem-se as castanhas,
acompanhadas do vinho novo.
Chegámos
já ao penúltimo mês do ano. Desde longos tempos é o mês de
maiores tradições. Ontem, um ontem que vem de séculos, as pessoas
cumpriam, com seriedade, as diversas tradições do ano.
Não
refiro o mês dos Santos nem dos Defuntos tão presentes nos costumes
populares que foram e continuam a ser respeitadas Daí o manter-se os
ditos e provérbios bastante antigos nas tradições mais populares,
que o povo sempre respeitou, como seja o dia de São Martinho, a 11
do mês: “No
dia de São Martinho, vai à adega e prova o vinho”.
Mas
há muitos mais que não padece serem repetidos. Fico-me apenas pelas
castanhas.
O
castanheiro não se desenvolve em todas as zonas da ilha. É uma
árvore de difícil desenvolvimento e mesmo assim, só dá boa
produção para o Norte da ilha. É por isso que, no Outono, era
vulgar, grupos de moças da banda do Sul, muitas delas levando
sacolas de milho à cabeça, atravessavam a Serra, ou seja, iam das
bandas do Sul (Lajes, Ribeira do Meio, Almagreira, e Silveira), até
à Prainha do Norte, e naquela zona trocavam milho por castanhas.
Algumas
castanhas vinham do continente para os estabelecimentos comerciais já
piladas, o que lhes dava um gosto de aperitivo muito apreciado. As
aqui produzidas e comidas, ao serão, eram cozidas na grelha ou
assadas nas brasas do lar, pois o fogão não era conhecido ainda.
Cada
fruto tinha a sua época e era com ele que se “celebravam” tempos
idos à maneira popular. Mesmo assim, quem não apreciava um punhado
de castanhas? Pois, se não havia outros pitéos (petisco ou
goludice)? Quem não apreciava as castanhas do mês de Novembro?
O
viver das nossas gentes quase só se limitava àquele que para cá
trouxeram os primeiros que aqui chegaram, e o mantiveram por largos
anos ou séculos. Viviam longe da Mãe-Pátria, sem comunicações
regulares e os veleiros que por aqui passavam, faziam-no de longe em
longe e sem escalas regulares. Só algum barco estrangeiro, as
baleeiras ou os veleiros que ligavam a Europa à América, do Norte
ou do Sul e que normalmente eram aproveitados para o conhecido
“embarcar de salto”, como aconteceu a tantos que nesse
rudimentares meios de transporte, sofriam sobretudo as brutalidades
dos oficiais e mestres. E quando chegavam àqueles inóspitos e
desconhecidos continentes,“punham-se ao fresco”e “iam por terra
dentro”...
Volvidos
muitos anos sem que os pais tivessem notícias dos filhos ausentes,
voltavam...
Vários
escritores açorianos, não muitos mas dos melhores, aproveitaram o
tempo do “Salto” para nos deixarem páginas literárias, das
melhores da nossa literatura insular. Recordo, v.g. o conto de Nunes
da Rosa, sobre o “Salto”, no “Gente das IIhas” que, nos
primeiros anos do seu passado, fez sucesso e foi muito apreciado.
Mais alguns mais tomaram a emigração de salto como tema das suas
produções literárias e não se saíram mal. Ainda hoje os seus
trabalhos não lidos, apreciados e até estudados pelos actuais
críticos literários, que os há em relativa abundância.
Mas
quem não aprecia um punhado de boas e saborosas castanhas, daquelas
que os picoenses cultivam nas bandas do Norte?
É
bom não esquecer que a ilha, a segunda em área do Arquipélago, tem
as suas características especiais, nas produções diversas: os
cereais, as frutas, as vinhas. E aqui e ali vão aparecendo as
especialidades que, aliás, são o vinho verdelho, as laranjas, os
ananazes, os figos, e outras produções e que, esquecidos durante
alguns anos, voltam a ser produzidos e exportados.
Para
os apreciadores não será de recusar um prato de castanhas e um
cálice (dos grandes) da velha “Angelica”.
Estamos
no mês de isso experimentar. Bons apreciadores não faltarão. Figos
passados ao sol, castanhas cozidas ou assadas, angelica velha, vinho,
tinto ou branco de alguns anos e as velhas aguardentes de vinho ou de
figo, não se compram mas trazem-se da adega, pois lá estão meses
ou anos à espera do amigo que passa…
A
vida rural do lavrador do Pico, com suas alegrias e trabalheiras, não
tem quem a iguale. Não utilizo nem aprecio bebidas. Estarei, pois,
errado?
Vila
–Capital da Baleia.
Novº
de 2017
E.
Ávila
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