domingo, 10 de dezembro de 2017

O MÊS DAS TRADIÇÕES

Respingos

No fim do mês, para não dizer em todo o mês, comem-se as castanhas, acompanhadas do vinho novo.
Chegámos já ao penúltimo mês do ano. Desde longos tempos é o mês de maiores tradições. Ontem, um ontem que vem de séculos, as pessoas cumpriam, com seriedade, as diversas tradições do ano.
Não refiro o mês dos Santos nem dos Defuntos tão presentes nos costumes populares que foram e continuam a ser respeitadas Daí o manter-se os ditos e provérbios bastante antigos nas tradições mais populares, que o povo sempre respeitou, como seja o dia de São Martinho, a 11 do mês: “No dia de São Martinho, vai à adega e prova o vinho”. Mas há muitos mais que não padece serem repetidos. Fico-me apenas pelas castanhas.
O castanheiro não se desenvolve em todas as zonas da ilha. É uma árvore de difícil desenvolvimento e mesmo assim, só dá boa produção para o Norte da ilha. É por isso que, no Outono, era vulgar, grupos de moças da banda do Sul, muitas delas levando sacolas de milho à cabeça, atravessavam a Serra, ou seja, iam das bandas do Sul (Lajes, Ribeira do Meio, Almagreira, e Silveira), até à Prainha do Norte, e naquela zona trocavam milho por castanhas.
Algumas castanhas vinham do continente para os estabelecimentos comerciais já piladas, o que lhes dava um gosto de aperitivo muito apreciado. As aqui produzidas e comidas, ao serão, eram cozidas na grelha ou assadas nas brasas do lar, pois o fogão não era conhecido ainda.
Cada fruto tinha a sua época e era com ele que se “celebravam” tempos idos à maneira popular. Mesmo assim, quem não apreciava um punhado de castanhas? Pois, se não havia outros pitéos (petisco ou goludice)? Quem não apreciava as castanhas do mês de Novembro?
O viver das nossas gentes quase só se limitava àquele que para cá trouxeram os primeiros que aqui chegaram, e o mantiveram por largos anos ou séculos. Viviam longe da Mãe-Pátria, sem comunicações regulares e os veleiros que por aqui passavam, faziam-no de longe em longe e sem escalas regulares. Só algum barco estrangeiro, as baleeiras ou os veleiros que ligavam a Europa à América, do Norte ou do Sul e que normalmente eram aproveitados para o conhecido “embarcar de salto”, como aconteceu a tantos que nesse rudimentares meios de transporte, sofriam sobretudo as brutalidades dos oficiais e mestres. E quando chegavam àqueles inóspitos e desconhecidos continentes,“punham-se ao fresco”e “iam por terra dentro”...
Volvidos muitos anos sem que os pais tivessem notícias dos filhos ausentes, voltavam...
Vários escritores açorianos, não muitos mas dos melhores, aproveitaram o tempo do “Salto” para nos deixarem páginas literárias, das melhores da nossa literatura insular. Recordo, v.g. o conto de Nunes da Rosa, sobre o “Salto”, no “Gente das IIhas” que, nos primeiros anos do seu passado, fez sucesso e foi muito apreciado. Mais alguns mais tomaram a emigração de salto como tema das suas produções literárias e não se saíram mal. Ainda hoje os seus trabalhos não lidos, apreciados e até estudados pelos actuais críticos literários, que os há em relativa abundância.
Mas quem não aprecia um punhado de boas e saborosas castanhas, daquelas que os picoenses cultivam nas bandas do Norte?
É bom não esquecer que a ilha, a segunda em área do Arquipélago, tem as suas características especiais, nas produções diversas: os cereais, as frutas, as vinhas. E aqui e ali vão aparecendo as especialidades que, aliás, são o vinho verdelho, as laranjas, os ananazes, os figos, e outras produções e que, esquecidos durante alguns anos, voltam a ser produzidos e exportados.
Para os apreciadores não será de recusar um prato de castanhas e um cálice (dos grandes) da velha “Angelica”.
Estamos no mês de isso experimentar. Bons apreciadores não faltarão. Figos passados ao sol, castanhas cozidas ou assadas, angelica velha, vinho, tinto ou branco de alguns anos e as velhas aguardentes de vinho ou de figo, não se compram mas trazem-se da adega, pois lá estão meses ou anos à espera do amigo que passa…
A vida rural do lavrador do Pico, com suas alegrias e trabalheiras, não tem quem a iguale. Não utilizo nem aprecio bebidas. Estarei, pois, errado?
Vila –Capital da Baleia.
Novº de 2017

E. Ávila

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