quarta-feira, 18 de maio de 2011

OS VELHOS SISTEMAS DE FARINAÇÃO

A Ilha do Pico estava rodeada de moinhos de vento. Neles se fazia a moenda do milho e do trigo das respectivas populações. Antes serviam as atafonas que quase todos os lavradores tinham nas lojas das respectivas habitações ou em alguma abegoaria anexa que, por isso, se denominava a “Casa da Atafona”. E havia as pequenas atafonas-de-mão, que eram utilizadas, normalmente, em casos de emergência e cuja farinha servia para as papas da manhã ou para o bolo de tijolo do almoço.

Depois apareceram os moinhos de vento.

No Pico houve dois tipos: o somente de pedra, com a cobertura de madeira, de dois pisos no interior, saindo da respectiva junção o pau que sustentava no exterior as quatro velas ou panos; e o de madeira, assente num soco de pedra. Ambos os tipos de moinho giravam em volta do “monte” conforme a direcção do vento. E quando o vento era capaz de mover os panos, presos em quatro armações, o moleiro assoprava num grande búzio que produzia um sinal de alarme que percorria o povoado. Era então que mulheres e homens e, por vezes rapazes, seguiam com os sacos da “novidade”, de um ou dois alqueires (quinze ou trinta litros) , para o moinho, onde eram atendidos “à vez”.

Igual função tinham as atafonas que, normalmente, só eram utilizadas para o serviço do próprio dono, se bem que houvesse excepções pois algumas havia que também moíam “para fora”. E porque o dinheiro era raro, o pagamento, quer nos moinhos, quer nas atafonas, era feito mediante uma pequena quantia de farinhas que o moleiro retirava das respectivas sacas.

Mas, porque os moinhos eram instalados, normalmente, em pequenas elevações, tornavam-se lugares lazer para alguns que neles passavam algumas horas.

Com a instalação da actividade baleeira, os moinhos serviam para o respectivo moleiro fazer a vigia de baleias como acontecia no que estava instalado na “Terra da Forca” que, diariamente, era ocupado pelo vigia Francisco Moniz Barreto que já sucedera ao Pai, José Moniz.

Com a instalação das moagens a quase totalidade dos moinhos deixou de ser utilizada, mas alguns continuaram a servir de “vigia”, pelo local onde se encontravam. É o caso do moinho da Terra da Forca, já referido, e o do Cabeço da Era, na Piedade, ocupado pelo vigia das Armações da Calheta.


Daqueles (dois) que existiram na Terra da Forca, nos Biscoitos, no Soldão, e no Mistério da Silveira, resta o do fim do Mistério, no início da freguesia de São João, hoje transformado em Posto de Turismo. Não sei se outros mais há à volta do Pico.

Foi pena que os deixassem ao abandono e viessem a desaparecer. Eram testemunhas fortes dos trabalhos e das canseiras dos nossos avós e,

ao mesmo tempo, sinais de vida destas gentes que, por aqui, ainda hoje, mourejam o pão de cada dia.

Bem poucos anos bastaram, para que tudo se tornasse diferente. Nem moagens há, pois deixaram de cultivar o trigo; e o milho é bem escasso. É quase tudo importado, até que se volte à terra quando a fome, que não anda longe, por aqui passar...

Lembro-me da moagem que o Dr. José Maria de Melo, que aqui exerceu as funções de facultativo médico municipal e acabou por se transferir para as Velas, tinha instalada na rua que ainda alguns conhecem por “rua do engenho”. A casa principal, onde se encontrava a maquinaria, ainda lá existe. Ao lado havia a casa da caldeira, que já desapareceu. A caldeira era alimentada a lenha, que um carro de um boi trazia do Mistério. Na moagem tanto se moía o trigo como o milho. E estava preparada para tratar a farinha, retirando-lhe o calouro. Com a ida do proprietário para S. Jorge, a moagem para lá foi transferida e as casas, que haviam sido construídas para a instalação da indústria, foram vendidas. Resta, como disse, a principal, de três pisos.

Depois vieram as moagens para farinação de milho. A primeira foi instalada na rua de Olivença, rua de Baixo, onde mais tarde foi construída a sede da Sociedade de Santo António. Creio que o primeiro proprietário foi Gil Xavier Bettencourt que veio, mais tarde, a trespassá-la para Epifânio Batista. Este, passando a encarregado da Central Eléctrica, nos anos trinta, encerrou a moagem e passou a trabalhar na moagem da central, então nos baixos do edifício do convento franciscano. Depois instalou uma moagem na Ribeira do Meio, próximo dos Biscoitos, e uma outra na Silveira. Em Santa Cruz das Ribeiras, pela mesma época, Manuel Silveira de Ávila (Veludo) instalou uma moagem, perto do porto; e o Dr. José Alves Pereira montou uma moagem na Calheta de Nesquim. Ficou assim o concelho com uma cobertura de moagens de farinação de milho que, praticamente, vieram a substituir os antigos moinhos.

Já uma vez recordei este assunto. Não importa repeti-lo. Diz um velho aforismo: Recordar é viver.


Vila das Lajes,

5 de Maio de 2011.

Ermelindo Ávila

sexta-feira, 6 de maio de 2011

VAMOS AFASTAR A CRISE ?


Estamos cansados de ouvir e ler que a crise económica e financeira que atravessamos só pode ser combatida com a diminuição das despesas e o aumento dos impostos.

Se não é esta a definição é a realidade que se apresenta.

Diminuir as despesas das famílias, aumentando o custo do pão, dos géneros alimentícios, a principiar pelo leite e pela carne, dos combustíveis e dos impostos?

E onde estão as receitas para fazer face a esses encargos, se se envia uma parte dos trabalhadores, sejam ou não chefes de família, para o desemprego, se se diminuem os vencimentos e salários, se se aumentam os encargos que sobre eles recaíem, se, em lugar de se promover a produção dos produtos agrícolas de todo o género, desde a batata às bananas, tudo se importa ?

Outrora era agradável olhar para a encosta que ladeia a vila e outras localidades e vê-las verdejantes, com milho ou trigo, ou ervagens para o gado, conforme a época.

Hoje esses terrenos, a que se chamavam ladeiras, praticamente desapareceram com as vegetações selvagens que deles se apossaram. São as faias, os incensos, os canaviais, as silvas e, aqui e ali, duas ou três pequenas matas de criptomérias.

Mas não apenas nestas ladeiras que nos ficam aqui em frente, mas por essa ilha além. Muitos dos melhores terrenos de semeadura estão hoje utilizados em forragens para o gado e o milho que se cultiva, quase só para ser ensilado.

Há necessidade de voltar atrás. Semear a batata branca, fazer o canteiro para produzir a planta da batata doce, cuidar dos pomares para a produção da excelente fruta que, em épocas passadas, o Pico muito produzia e exportava, pôr a funcionar os moinhos e as moagens para a farinação dos cereais produzidos na ilha. Voltar, pois, ao princípio e conseguir arrancar da terra os produtos necessários à subsistência das famílias. Repetir o que fizeram, sem meios mecânicos, os povoadores nossos avoengos.

Uma interrogação se põe: E mão de obra? Faltam os braços para executar tais tarefas. Os velhos já não podem voltar às terras, com o alvião às costas, ou manobrar o arado que, puxado pelos bois, lavrava a terra.

Hoje há maquinaria que substitui, em parte, o trabalho do antigo agricultor! E se a juventude não se quiser dedicar à terra, preferindo aguardar, no “desemprego”, uma colocação condizente com o curso que tirou, podem contratar-se trabalhadores estranhos à ilha, que os haverá em outras terras.

Há anos, no Canadá, tive oportunidade de visitar uma enorme propriedade toda ela plantada de vinha. O proprietário fazia, anualmente, milhares de litros de vinho para venda. Todo o trabalho era executado por trabalhadores contratados, por períodos de seis meses, em Costa Rica, os quais, logo que terminava o contrato que só tinha efeitos nos seis meses de verão, voltavam à sua nação. E estavam sempre prontos a voltar no ano seguinte.

Creio que por cá não se tornará necessário ir tão longe...


Vila das Lajes,

21-2-2011,


P.S. “O Dever”, na edição da semana finda, publicou um judicioso artigo do Comendador Manuel Emílio Porto, sobre o tema que hoje aqui abordo. Com ele estou plenamente de acordo. E, muito embora este meu arrazoado esteja na gaveta há algumas semanas, julgo que não perdeu actualidade, pois a crise continua e agrava-se, assustadoramente. Vale, pois, a pena combatê-la por todos os meios. Trata-se, afinal, da maior crise que Portugal sente e sofre deste 1850. ..É o que diz a Imprensa.

A propósito, pode ler-se na revista “Visão”, nº 946, de 21 a 27 de Abril corrente:

Sempre a dever. A dívida pública não parou de crescer nos anos finais da Monarquia e marcou o início da República. A trajectória, interrompida durante o Estado Novo, viria a ser retomada depois do 25 de Abril. Em 2010 o endividamento do Estado atingiu o valor mais alto dos últimos 160 anos.”


29-Abril-2011

Ermelindo Ávila