Emigrou bastante novo para a Califórnia. Por lá andou a vigiar ovelhas e, depois, em ranchos a tratar de vacas.
Não frequentava festas nem mesmo ia ao “Taum” ao domingo, seu dia de folga. Ficava na pequena casa, que o “bosse” lhe havia distribuído, a descansar, para retomar o trabalho na madrugada da segunda-feira.
A sua vida de trabalho era igual à de tantos outros imigrados, só com uma diferença: enquanto eles aproveitavam o domingo para ir divertir-se na cidade ele ficava a retemperar forças para o trabalho da semana seguinte. E assim continuou pelos anos fora.
O dinheiro da féria quase nem lhe tocava. Apenas uns “pesos” para algum fato mais estragado, e só quando o patrão lhe pagava alguma hora extraordinária, porque o cheque da semana ia inteirinho para o Banco.
Fora à América juntar uns dólares para, depois, regressar à sua terra. Tinha deixado moça apalavrada e não queria faltar à sua palavra.
De tempos a tempos, pois os correios eram demorados, recebia carta da família, que, aqui e ali lhe davam notícias da Maria. E por aí ficava.
Foram decorrendo os anos. A saúde não lhe faltou, felizmente, o que lhe permitiu trabalhar sempre. Mas um dia, deu contas à vida. Pediu ao “bosse” autorização para ir ao “taum”, para ver a quantas andava a sua conta no Banco.
Recebido cortezmente pelo funcionário do balcão, disse o que desejava. Foi levado ao gerente que o recebeu com todas as amabilidades, pois era um dos melhores depositantes do Banco. Nem sabia quanto tinha mas, pelas suas contas, devia andar por alguns centos. Afinal, não eram centos mas milhares que lá estavam na sua conta bancária.
Sabia já qual o preço do dólar na sua ilha. Fez contas e concluiu que tinha já um bom pé-de-meia que lhe permitia comprar umas terrinhas e viver sem muito trabalho.
A partir daí começou a preparar-se para regressar. Comprou na “estoa” algumas roupas para si e outras para os pais e irmãos, uns “alvarozes” e umas navalhas para oferecer aos amigos. Pediu à patroa que o auxiliasse na compra de alguns vestidos para a sua Maria. Encheu dois ou três baús. Não se esqueceu de comprar sementes de arvoredo, pois sempre teve intenção de fazer uma mata com madeiras exóticas (americanas). Tudo emalado, com a devida segurança, fez as despedidas e tomou o carro de fogo (comboio) para o Leste, até “Bastão” (Boston). Ali embarcou num navio da Fabre Line, única companhia que navegava para as ilhas. A viagem durou oito dias, até chegar ao Faial. Ninguém o esperava.
Despachada a bagagem na Alfândega da Horta, sem grandes dificuldades (não trazia contrabando), foi até ao cais para fazer viagem no barco do Pico. Na Madalena tomou o carro do Caetano e seguiu para a sua terra. Escusado será dizer que, quando alguém o viu e o reconheceu, foi um alvoroço na freguesia. Improvisou-se em casa dos pais uma grande festa, pois era preciso festejar a chegada do filho que há anos partira dali e poucas notícias dava.
Deu-se depois o encontro com a Maria. Foi acertado o dia do casamento e a boda foi motivo para reunir toda a família.
Entretanto, o nosso Frank não descansou. Principiou logo a indagar onde comprar algumas terras para pão e outras para pastagem, além de terrenos abandonados, nos matos, onde faria a sua “mata”.
Fora da freguesia comprou dos melhores terrenos para semeadura. Para as pastagens adquiriu gado do melhor que havia: vacas de bom leite e bois do Faial.
Estava organizada a sua vida. E tudo passou a decorrer normalmente embora com muito trabalho. Ainda lhe restaram alguns dólares que depositou no Banco. Mas, com esses, teve pouca sorte porque, passados poucos anos, o banco faliu. Valeram-lhe os terrenos comprados em boa ocasião e a mata que ia desbastando e vendendo a madeira para construções.
Os prédios de longe foram arrendados, não por dinheiro mas por milho: um alqueire de terreno, tantos alqueires de milho. E assim foi vivendo sem dificuldades. Cresceram os filhos. Alguns estudaram, o que só era possível a pessoas de rendimentos.
Os rendeiros, pessoas honestas e sérias, cumpriam escrupulosamente seus contratos.
Certo ano, porém, a produção foi muito baixa, pois um grande vendaval estragou os milheiros quando eles estavam ainda verdes. O pobre do rendeiro viu-se aflito, sem ter novidade com que pagar a renda. Mesmo assim, não desanimou. Não queria perder os prédios que lhe davam grande jeito e resolveu, embora com sacrifício, comprar o milho necessário para o pagamento da renda.
No dia habitual, deitou os sacos com milho no carro de bois e seguiu o seu destino até à casa do dono dos prédios, a alguns quilómetros de distância. Quando lá chegou o Frank ficou admirado de ele lhe trazer o milho, pois sabia que, naquele ano, os prédios nada tinham produzido. E assim sendo, não deixou que o rendeiro descarregasse o milho. “Não tiveste culpa do temporal. O prejuízo deve ser para nós os dois. Volta com o milho para a tua casa e para o ano pagarás a renda deste ano que vai correr.”
E assim aconteceu. E a amizade entre aqueles dois homens durou até à morte.
O facto é real. Os nomes são fictícios. Os lugares nem os indico.
Vila das Lajes,
16 de Abril de 2008
Ermelindo Ávila
Não frequentava festas nem mesmo ia ao “Taum” ao domingo, seu dia de folga. Ficava na pequena casa, que o “bosse” lhe havia distribuído, a descansar, para retomar o trabalho na madrugada da segunda-feira.
A sua vida de trabalho era igual à de tantos outros imigrados, só com uma diferença: enquanto eles aproveitavam o domingo para ir divertir-se na cidade ele ficava a retemperar forças para o trabalho da semana seguinte. E assim continuou pelos anos fora.
O dinheiro da féria quase nem lhe tocava. Apenas uns “pesos” para algum fato mais estragado, e só quando o patrão lhe pagava alguma hora extraordinária, porque o cheque da semana ia inteirinho para o Banco.
Fora à América juntar uns dólares para, depois, regressar à sua terra. Tinha deixado moça apalavrada e não queria faltar à sua palavra.
De tempos a tempos, pois os correios eram demorados, recebia carta da família, que, aqui e ali lhe davam notícias da Maria. E por aí ficava.
Foram decorrendo os anos. A saúde não lhe faltou, felizmente, o que lhe permitiu trabalhar sempre. Mas um dia, deu contas à vida. Pediu ao “bosse” autorização para ir ao “taum”, para ver a quantas andava a sua conta no Banco.
Recebido cortezmente pelo funcionário do balcão, disse o que desejava. Foi levado ao gerente que o recebeu com todas as amabilidades, pois era um dos melhores depositantes do Banco. Nem sabia quanto tinha mas, pelas suas contas, devia andar por alguns centos. Afinal, não eram centos mas milhares que lá estavam na sua conta bancária.
Sabia já qual o preço do dólar na sua ilha. Fez contas e concluiu que tinha já um bom pé-de-meia que lhe permitia comprar umas terrinhas e viver sem muito trabalho.
A partir daí começou a preparar-se para regressar. Comprou na “estoa” algumas roupas para si e outras para os pais e irmãos, uns “alvarozes” e umas navalhas para oferecer aos amigos. Pediu à patroa que o auxiliasse na compra de alguns vestidos para a sua Maria. Encheu dois ou três baús. Não se esqueceu de comprar sementes de arvoredo, pois sempre teve intenção de fazer uma mata com madeiras exóticas (americanas). Tudo emalado, com a devida segurança, fez as despedidas e tomou o carro de fogo (comboio) para o Leste, até “Bastão” (Boston). Ali embarcou num navio da Fabre Line, única companhia que navegava para as ilhas. A viagem durou oito dias, até chegar ao Faial. Ninguém o esperava.
Despachada a bagagem na Alfândega da Horta, sem grandes dificuldades (não trazia contrabando), foi até ao cais para fazer viagem no barco do Pico. Na Madalena tomou o carro do Caetano e seguiu para a sua terra. Escusado será dizer que, quando alguém o viu e o reconheceu, foi um alvoroço na freguesia. Improvisou-se em casa dos pais uma grande festa, pois era preciso festejar a chegada do filho que há anos partira dali e poucas notícias dava.
Deu-se depois o encontro com a Maria. Foi acertado o dia do casamento e a boda foi motivo para reunir toda a família.
Entretanto, o nosso Frank não descansou. Principiou logo a indagar onde comprar algumas terras para pão e outras para pastagem, além de terrenos abandonados, nos matos, onde faria a sua “mata”.
Fora da freguesia comprou dos melhores terrenos para semeadura. Para as pastagens adquiriu gado do melhor que havia: vacas de bom leite e bois do Faial.
Estava organizada a sua vida. E tudo passou a decorrer normalmente embora com muito trabalho. Ainda lhe restaram alguns dólares que depositou no Banco. Mas, com esses, teve pouca sorte porque, passados poucos anos, o banco faliu. Valeram-lhe os terrenos comprados em boa ocasião e a mata que ia desbastando e vendendo a madeira para construções.
Os prédios de longe foram arrendados, não por dinheiro mas por milho: um alqueire de terreno, tantos alqueires de milho. E assim foi vivendo sem dificuldades. Cresceram os filhos. Alguns estudaram, o que só era possível a pessoas de rendimentos.
Os rendeiros, pessoas honestas e sérias, cumpriam escrupulosamente seus contratos.
Certo ano, porém, a produção foi muito baixa, pois um grande vendaval estragou os milheiros quando eles estavam ainda verdes. O pobre do rendeiro viu-se aflito, sem ter novidade com que pagar a renda. Mesmo assim, não desanimou. Não queria perder os prédios que lhe davam grande jeito e resolveu, embora com sacrifício, comprar o milho necessário para o pagamento da renda.
No dia habitual, deitou os sacos com milho no carro de bois e seguiu o seu destino até à casa do dono dos prédios, a alguns quilómetros de distância. Quando lá chegou o Frank ficou admirado de ele lhe trazer o milho, pois sabia que, naquele ano, os prédios nada tinham produzido. E assim sendo, não deixou que o rendeiro descarregasse o milho. “Não tiveste culpa do temporal. O prejuízo deve ser para nós os dois. Volta com o milho para a tua casa e para o ano pagarás a renda deste ano que vai correr.”
E assim aconteceu. E a amizade entre aqueles dois homens durou até à morte.
O facto é real. Os nomes são fictícios. Os lugares nem os indico.
Vila das Lajes,
16 de Abril de 2008
Ermelindo Ávila
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