sexta-feira, 26 de janeiro de 2018

Acidente natalício

À LAIA DE CONTO
                                                 
       Um grupo de insurreptos, certa manhã, assaltou a freguesia e assumiu a administração de todas as forças vivas. Invadiram as repartições e quartéis públicos, expulsaram os dirigentes e passaram a dar ordens de comando.
Toda a gente ficou espavorida e fugiu dos seus locais de trabalho e residências e refugiou-se em outras localidades. Foi um autêntico vendaval.
Imediatamente, os chefes dos inssurreptos assumiram o centro de comando e chefia dos serviços e expediram as suas ordens aos funcionários que se mantiveram nos seus postos de trabalho. Os outros, os mais perseguidos, abandonaram a terra que ocupavam.
Os filhos, porém, solicitavam aos Pais para voltarem aos seus lugares, onde tinham deixado tudo o que lhes havia pertencido: brinquedos, familiares, e amigos e colegas de infância, todos com quem haviam crescido, frequentavam as escolas e conviviam em criança.
        Algumas mães escutavam os pedidos dos filhos com mágoa e, em suas orações, imploravam do Senhor que lhes valesse em semelhantes agruras.
        Os mais novos nunca esqueceram o presépio do Menino Jesus: o da sua Igreja, da sua casa, da sua catequese e da sua escola. 
        Um dia, porém, tudo pareceu encontrar rumos novos. Ia-se a meio do Verão.
        As forças políticas entraram em acção. Aqui e ali iam acontecendo motins revolucionários, e os chefes desses motins principiaram, em surdina, a afastar-se para outros lugares.
        Durante a noite, tiros de armas de fogo eram disparados, causando o pânico entre as populações indefesas.  Todos estavam à escuta… As mães, principalmente, ao deitar os seus meninos, rezavam com eles ao Menino Jesus, cuja festa do nascimento se aproximava, pedindo que viesse socorrê-los, em momentos tão aflictivos, e que tudo voltasse aos tempos de tranqiolidade e de ordem.
        Certo dia, porém, alta madrugada, forças do Exército vindas de paragens distantes, invadiram a localidade, ocuparam diversos serviços públicos e convocaram os antigos funcionários para as chefias e lugares que anteriormente ocupavam. Tudo foi aparentemente fácil.
        Os antigos revolucionários fugiram e os que dali haviam sido expulsos, voltaram à terra e às antigas ocupações.
        A vida citadina começou, vagamente a normalizar-se: a vida religiosa acalmou-se, as igrejas reabriram-se.
        Jorge, um dos filhos das famílias expulsas e regressadas à sua antiga residência, já um pouco crescido, dirigiu-se à Mãe e perguntou-lhe: -Como é que isto aconteceu? O ano passado não tivemos nem árvore do natal, nem Missa do Galo, nem Presépio na nossa casa, e este ano é tudo diferente? O nosso presépio voltou, na nossa antiga sala vejo muitas caixas com brinquedos e prendas, os estabelecimentos estão iluminados com muitos produtos natalícios e há todos os dias festa na Igreja...
        Foi-lhe então explicado, a ele e aos irmãozinhos, que aquilo que estava guardado nos embrulhos era um verdadeiro milagre do Menino Jesus, que assim, generosamente, atendeu às preces deles e de outros meninos, seus companheiros, que durante aqueles anos todos os escutara, acabando com a revolução.
        Na realidade, as preces dos inocentes meninos foram satisfeitas, naquele e em anos futuros. Jamais, naquela terra se falou ou houve sinal de qualquer revolta e todos os seus habitantes passaram a viver fraternalmente e em paz.
Vila Baleeira dos Açores,
Natal de 2017.

E. Ávila

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