quarta-feira, 14 de março de 2012

INDÚSTRIAS PICOENSES


No decorrer dos tempos, a ilha do Pico teve diversas indústrias, algumas de carácter artesanal. Mesmo assim, sem grandes maquinismos, a actividade industrial desenvolveu-se em vários sectores que, produzindo embora em pequena escala, bastavam para as necessidades locais. Outras, algo mais desenvolvidas, produziam para a exportação, como seja, em épocas que podemos considerar já remotas, a produção da laranja, do vinho verdelho e lacticínios, ficando por isso célebre o especial “queijo do Pico!”

Deixo de referir, porque por tantos abordada, a actividade baleeira que aqui nesta ilha nasceu há século e meio, para terminar, ingloriamente, vai para mais de quarenta anos.

Mas outras indústrias existiram no Pico. Até a de pirotecnia, que fabricava o chamado fogo de artifício que animava os arraiais das festividades religiosas da ilha. Foram exímios pirotécnicos Tomé Mamede e António Francisco da Silveira, conhecido por António Félix do Cais do Pico.

Na década de oitenta do século XIX, a freguesia da Santíssima Trindade tinha dezasseis sapateiros, um alfaiate, nove carpinteiros, dois tanoeiros, e três serradores; onze ferreiros e nove pedreiros, um moleiro e um caiador, além de um sangrador e de um veterinário... A freguesia tinha 3.229 habitantes e 1.142 eram do sexo masculino, adultos. Havia 496 menores de sete anos.

A maioria da população ou empregava-se ou na agricultura ou na pesca.

Em 1888, encontramos um oleiro. Sabemos que era natural de ilha de Santa Maria donde importava o barro utilizado no fabrico de diversas peças de uso doméstico.

Em 1899, foi licenciado o funcionamento de um forno de cal, pertencente a Manuel Joaquim de Azevedo e Castro, António Homem da Costa e José Francisco Fidalgo Baptista, “ no terreno que foi Forte de Santa Catarina”. Conheci o operário que lá trabalhou e que ficou conhecido pelo caleiro. A pedra calcária era importada do continente. Ainda resta o respectivo forno.

O Pico possuiu, a um tempo, doze fábricas de lacticínios, três fábricas de conservas de peixe, das quais apenas uma sobrevive, - a COFACO - instalada na Areia Larga; foi dirigida por Francisco Pessanha e a quem o concelho da Madalena ficou a dever o notável desenvolvimento que ali se verificou na segunda metade do século passado. De registar ainda as duas fábricas de extracção de óleos de baleia, e duas fábrica de refrigerantes, primeiro na Madalena e depois nas Lajes.

Aqui deve incluir-se a indústria de espadana, também conhecida na ilha por piteira, existente em São Mateus e de que era proprietário o professor José Inácio Garcia de Lemos Jr. Possuía vários terrenos na ilha e no Faial, onde cultivava essa planta que, depois do corte, era seca, tratada e exportada para o continente. Nessa actividade empregava muita mão-de-obra, principalmente, do sexo feminino. E eram duas ou três centenas de operárias. A cultura era feita de maneira que, a do Faial só fosse colhida depois de trabalhada a do Pico para que as operárias de cá se deslocassem depois para aquela ilha. Uma forma simpática de garantir trabalho, quando ele era escasso. Nem todos, naturalmente, compreendiam a atitude do industrial mas o que é certo é que o prof. José Lemos, procurava servir a freguesia.

Diz um seu biógrafo que o Prof. Lemos era “Empreendedor e dinâmico no comércio e indústria”. Realmente assim foi. Basta ter presente o que dele afirma o escritor Dias de Melo: Em S. Mateus, onde nascera, exercia, com notável competência, o magistério primário e dedicava-se a várias actividades industriais. Proprietário de uma armação fundada por antepassado e há muito encerrada, resolveu, dada a conjuntura favorável aos altos lucros, também reabri-la. (1)

Aquando do seu falecimento, em 27/12/1968, dele se escreveu: Era inteligente e prático. Revelou-se chefe. Desfrutava do tacto de mandar, de administrar. Distinto, desde os bancos da escola. Jornalista de vocação aos doze anos dirigia o jornal em miniatura, “O cartão de visita”. Amador teatral com destacada presença. Professor competente e probo. Orador vibrante. Empreendedor e dinâmico no comércio e na indústria. Espírito culto e actualizado assinalou a sua passagem na vida política e administrativa do concelho e do distrito com dois mandatos (l935 e 1943) na presidência da Câmara da Madalena, o último dos quais por doze anos. Músico por intuição e por estudo o prof. Lemos foi alma de muitas associações musicais de São Mateus, estando a seu cargo o órgão da sua igreja paroquial. Era de facto o mais competente organista do Pico. Por muitos anos foi o organizador dos festejos cívicos da festa do Bom Jesus. (2)

Este um dos vultos picoenses que anda esquecido.

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1) Dias de Melo, “A Montanha cobriu-se de negro”, pág.93.

2) “Ecos do Santuário”, Fev. de 1969, Ano I, nº 7


Vila das Lajes,

2 de Março de 2012.

Ermelindo Ávila


sexta-feira, 9 de março de 2012

FIGURAS ILUSTRES

NOTAS DO MEU CANTINHO



Não abundam mas também não são tão raras como possa pensar-se... Sempre existiram figuras ilustres na Ilha do Pico e nas terras açorianas. Não as vou citar a todas porque isso seria tarefa difícil. Fico por algumas. Aquelas que melhor conheci. Outros mais bem informados e eruditos poderão fazer o resto.

Se hoje aqui recordo um ou dois é somente para chamar a atenção da entidade competente para a urgente e imperiosa necessidade de dedicar algo que os dignifique e recorde para a posteridade. Esse gesto de esclarecido entendimento sobre as figuras ilustres desta terra só prestigia quem dele for autor e, no presente e no futuro, a ilha que serviram ou lhes foi berço. Ilha que eles jamais esqueceram embora dela se tenham afastado por afazeres profissionais ou por exigências familiares. E são tantos esses que partiram e viveram uma vida sofrida pela saudade do torrão natal. Alguns deram testemunho desse estado de alma. Outros quedaram-se num silêncio atroz, uma vez que o ambiente que os rodeava não permite ou permitiu que revelassem a saudade que os abarcava: “saudades da minha terra, saudades da minha mãe”, como reza uma canção popular.

Só quem tem a experiência de viver alguns anos fora da terra-mãe pode dar valor aos sentimentos de saudade que a muitos assolapa e contrista. É uma sina à qual não se pode fugir.

Vive com eles, com esses que daqui ou doutra parte qualquer partiram e não mais voltaram.

Mas este intróito lamuriento tem algo de interesse neste momento histórico em que a ilha vai ficando despovoada e, consequentemente, condenada a um pérfido e triste abandono.

Recordemos os nossos maiores. Lembremos, no presente e no futuro, esses que em diversos lugares onde passaram a viver, se notabilizaram pela sua cultura e erudição, pela sua arte ou por uma vida honesta, séria e exemplar. Não serão centenas nem mesmo muitas dezenas mas são alguns.

Hoje trago aqui dois somente. Deles já tratei em escritos anteriores. Vou repetir-me. Não importa.

Recordo o professor catedrático, Doutor José Enes Pereira Cardoso. Nasceu ali na Silveira, donde também era natural o Pai e os ascendentes paternos. Formado em Filosofia na Gregoriana, em Roma, foi professor do Seminário de Angra, das Universidades Católica de Lisboa, de Luanda e dos Açores que ajudou a fundar e da qual foi seu primeiro Reitor. Não são de esquecer as “Semanas de Estudo”, que organizou em Angra na década de sessenta do século passado e que tamanha repercussão tiveram nos meios culturais e científicos do País. Foi um dos mais prestigiados Mestres da cultura portuguesa e, presentemente, encontra-se vivendo em Lisboa, sofrendo de dolorosa doença física.

Quando o concelho comemorou o quinto centenário de vida municipal, o Doutor José Enes veio cá tomar parte nos eventos culturais, comemorativos. Nessa ocasião recebeu as homenagens da Edilidade Lajense. E foi só. No exterior nada há que assinale a sua inconfundível Personalidade. E era tempo de isso acontecer. Ao menos uma placa na casa onde nasceu e viveu a sua infância.

O doutor Julião Azevedo nasceu no Caminho de Cima da freguesia da Piedade. Ainda por lá tem parentes, embora os pais se tenham deslocado para Angra, a fim de poderem dar cursos liceais aos filhos.

Formado em História e Filosofia pela Universidade de Lisboa, foi professor do Ensino Secundário e, depois, escolhido pelo Instituto de Alta Cultura para Leitor da Faculdade de Letras da Universidade de Poitiers. Depois passou para a Universidade de Paris (Sorbone), uma das mais prestigiadas escolas da França “contribuindo para um interesse cada vez maior pela nossa cultura”. Regressado a Lisboa “foi incumbido pelo I.A.C. de preparar um valioso acervo bibliográfico que, por ocasião do Centenário da Cidade de São Paulo (Brasil), em 1954, seria oferecido como fundo da biblioteca do Centro de Estudos Portugueses, então criado na Faculdade de Letras e Ciências Humanas daquela cidade, tarefa que não chegou a completar por ter falecido inesperadamente”, em Abril de 1953, aos 30 anos de idade. Mesmo assim publicou em vida diversos trabalhos de apreciável valor, um dos quais, Condições Económicas das Revolução Portuguesa de 1820 que, se bem sei, foi adoptado como compêndio de estudo pela Universidade dos Açores.

Aquando seu falecimento o Boletim do Instituto Histórico da Ilha Terceira registou o infausto acontecimento com as seguintes palavras, tombadas em acta da sessão de 1 de Junho de 1953: “Foi aprovado por unanimidade que se lançasse na acta um voto de profundo pesar pelo falecimento prematuro do Dr. Julião Soares de Azevedo, natural desta ilha, e que na sua curta carreira de professor se notabilizou por trabalhos históricos e linguísticos, alguns deles referentes à Terceira.”

Só se ressalva que o Dr. Julião nasceu na freguesia da Piedade desta Ilha em 1920. É tempo de, na freguesia natal, lhe ser prestada a homenagem de que é merecedor.


Vila das Lajes,

25.Fev.-2012

Ermelindo Ávila