quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

Moinhos de Vento

Já foi assunto aqui tratado em anterior crónica. (15-11-2001). Todavia nem todos os leitores se lembram do escrito. Vale a pena, por isso tão somente, repeti-lo. Tanto mais que, um velho Amigo, há muito desaparecido do n úmero dos vivos, escrevia-me, a propósito de uma crónica então publicada neste Semanário, e citava o velho e conhecido adágio: “Água mole em pedra dura...”

A paisagem picoense alterou-se imenso nos últimos anos. Desapareceram os moinhos de vento que tanta graça lhe emprestava e a arborização selvagem veio descendo as encostas da ilha, assenhoreando-se dos sítios mais aprazíveis. É o caso das criptomérias que, tomando “posse” das velgas lavradias, se vai aproximando das habitações conjuntamente com as faias e os incensos. (Não serão estes os nomes técnicos mas são aqueles pelos quais as populações conhecem a arborização da Ilha.)
Não digo que se restaurem os antigos moinhos de vento para voltarem à sua actividade de farinação do milho. Até porque o milho já é muito escasso e as poucas moagens motorizadas que existem são suficientes para atender aos que a elas recorrem.

Interessa antes restaurar os moinhos como elementos atractivos de um turismo que cada vez mais nos visita a procura de sítios, construções ou imóveis diferentes da aqueles que habitualmente encontram em outras terras e lugares.


Na periferia da Vila era interessante, aqui há meio século, ver os moinhos do mistério, da Ladeira Nova (Biscoitos), do Juncal e da Terra da Forca, de velas (ou panos) enfunados, e escutar, aqui perto o búzio a chamar os interessados para a moenda. Do que estava no Mistério ficou o “monte”. Desapareceram os outros. Há poucos anos foi retirada a pedra do “monte” do moinho do Juncal”(...)”Não digo que se restaurem todos estes instrumentos de vitalidade, mas mal não ficaria que o da “Terra da Forca” fosse restaurado para enriquecimento da paisagem, dando-se-lhe uma utilidade turística. Outras terras estão a restaurar os seus moinhos e até em algumas nações da Europa isso acontece.”

(Crónicas da Minha Ilha, II Vol. 2002)
Já houve quem pensasse em reconstruir o moinho do Juncal. O monte em pedra podia ser substituído por cimento com revestimento em pedra. Sendo redondo o mar não tem possibilidade de o destruir, como se verificou antes com o que ali existia. Era uma maneira simples de “dar vida”, digamos, aquele descampado que hoje não passa de verdadeiro pasto de ratazana que é necessário eliminar.
Mas não esqueçamos o moinho da “Terra da Forca”. Que agradável era aquele pequeno promontório, que desapareceu quase com uma terraplanagem que ali fizeram para a implantação de uma garagem que , praticamente, não funciona.
O pequeno monte, que fica na continuação do Castelete, era local aprazível, com um maravilhoso panorama em frente, donde se desfrutava a beleza da encosta da ilha, com a vila no sopé, e, depois, a Ribeira do Meio, a Almagreira, a Silveira e ao norte da baia, a freguesia de São João, já na encosta da Montanha, sempre bela, a dominar todo o espaço.

Tudo mudou. Tudo se muda ou, melhor, se destruí. Para melhor? Não creio.Julgo que não é utópica a ideia da reconstrução de alguns dos moinhos, que existiram – e eram dezenas - ao redor da Ilha. Não será empreendimento muito dispendioso. Não estou a sonhar. Ainda possuo a faculdade de pensar...
A Ilha do Pico tem de se voltar a sério para o Turismo, uma actividade que promete ter futuro, se for explorada com seriedade e entusiasmo. Mas a ilha do Pico deve ser tratada como um todo importante e não apenas parcelarmente. E mais não adianto.

Vale a pena os picoenses, aqueles que o são de raiz e de sentimento, pensarem a sério e maduramente no futuro da ilha. E esse futuro será tanto mais promissor para as gerações vindouras quando, todos unidos, procurarmos proporcionar o necessário e indispensável desenvolvimento sócio – económico a esta Terra e às suas gentes.

Vila das Lajes, 2 de Janº de 2009

Ermelindo Ávila


MANHÃS DE SÁBADO

(Programa da RDP-Açores)

MATANÇA DO PORCO


O mês de Janeiro, que há pouco teve inicio, era, em anos passados, o grande mês das famílias rurais, principalmente. E por um acontecimento simples: “a morte desejada, como a classificou um articulista da antiga revista “O Eco Cedrense”, na edição de 25 de Dezembro de 1929 – há quase oitenta nos. Nem mais nem menos do que a matança do porco. E escrevia:

...na morte do porco não há tristezas, nem choros, nem lágrimas, mas sim uma sincera e franca satisfação, que aquela morte é de há muito desejada."

E o articulista descreve minuciosamente as diversas fases, preparatórias e subsequentes, do desejado evento, tal como sucedia por estas ilhas. E acontecia com certa normalidade. Havia mesmo o dito: “Ano em que não se mata porco é um ano de fome.” Mas hoje são quase raras as matanças.

Se ainda as há em casa de algum lavrador, elas são realizadas no Matadouro Industrial, evitando-se o trabalho, que não era pouco, da apanha e secagem das “vassouras” ou ramos de mato – urze – e além de preparativos trabalhosos mas indispensáveis.

O que mais interessava à gente miúda era, propriamente, os dois dias destinados ao festim. Pedia-se dispensa na escola e, no primeiro dia – o dia da matança – era a ida para a costa do mar assistir à lavagem e preparação das tripas do animal , necessárias aos enchidos e a própria bexiga que, cheia de ar, servia por algum tempo, ou instantes, conforme a duração..., de bola de jogo.

No segundo dia era a distribuição dos “presentes” –uma travessa com toucinho, carne e uma morcela – por pessoas amigas, ou familiares, ou até por algum “senhor” a quem o dono da casa devia favor. E todos os miúdos procuravam escolher os destinatários, pelas ofertas que recebiam.

Não raro seguia-se a pequena folga. Não faltavam o tocador de viola e velhos e novos com seus pés de dança.

Por estes lados em todo o mês, do Natal ao Carnaval, era o tempo das matanças. Sinal de abundância nos meses de Inverno, quando escasseavam outros produtos, principalmente o peixe, devido ao mau estado do mar, que não permitia não apenas a pesca mas também os trabalhos do campo

Tempos diferentes. Tempos de paz, de harmonia familiar, convívio fraterno, alegria franca e bom viver, como dizia o povo.

Se a crónica não é a narração completa de um acontecimento familiar, ocorrido ao longo dos anos, é, todavia, um recordar de tempos de uma vivência simples e harmoniosa que não volta.


7 de Janeiro de 2009

Ermelindo Ávila



1 comentário:

Anónimo disse...

Ó semhor dono da casa,
está direito e não está torto,
nós tivemos por noticia,
que o seu porco estava morto!

Sete sacos de cebolas,
três balaios de salsa,
as tripas eram largas,
levaram as cebolas todas!

Senhor Jacinto Pedro,
morador na Ribeirinha,
vigiava a sua esposa,
como melro na coivinha!

Entrai, entrai, entrai,
direitinhos ao porquinho,
um copinho de aguardente
e um figuinho passadinho!...

Quando era miúdo, havia o hábito de cantar as morcelas. Íamos em bando, até à casa onde havia matança e lá "cantávamos" com o intuito de nos convidarem a entrar para tomar qualquer coisa. Geralmente biscoitos caseiros, fatias de massa sovada, figos passados e um copito de angelica e ou de aguardente...
Tempos idos mas de que temos muitas saudades! Como era uma festa, a matança do porco no nosso Pico!