RESPINGOS
Não
havia estradas pelo lado Sul da Ilha do Pico. Os terrenos, os
melhores da ilha – diziam - eram explorados normalmente pelo
sistema braçal. Quando a colheita era maior utilizavam-se carros
“tirados”1
por um ou dois bovinos, no mês nas colheitas dos milhos.
Agradável
era o trânsito dos carros de dois bois, atravessando as ruas da vila
das Lajes, carregados, geralmente, de maçarocas de milho, das
colheitas das Terras de Baixo, Granja, Estreito, ou mesma da Canada
de Jorge Dutra, onde se situavam os melhores terrenos dos
proprietários da Silveira, Almagreira ou Ribeira do Meio, pois era
junto das respectivas habitações ou em terrenos próximos que
tinham as “casas de atafona” ou de albegoaria.
E
era um gosto o passar dos carros, ao anoitecer, a chilrear, enquanto
a autoridade municipal não proibiu esse sistema, pois, diziam, era
incómodo principalmente para as pessoas doentes.
Quando
em 1943 foi inaugurada a estrada regional, a ligação entre a Vila
das Lajes e o centro da freguesia da Piedade passou a ser feita em
veículos motorizados, e “ficaram
para o lado” os carros de bois. Estes animais, “gado da porta”
como era conhecido, praticamente, era utilizado em atafonas e nos
trabalhos de lavoura nos prédios “da casa”. Hoje, praticamente
desapareceram e
quase só existe o “gado de leite”. Trata-se, afinal, de um
sistema quase prejudicial, dado que se alterou substancialmente a
utilização do gado bovino e o sistema de praticar a antiga
agricultura.
Nas
casas do lavrador já não há, ao que creio, as noites de
desfolhada, como tão bem a descreveu o Escritor Júlio Dinis. Hoje,
se vivo fosse, outros assuntos encontraria para as suas saborosas
crónicas.
Costumes
antigos, vindos de nossos avós, que não se repetem. E tantos eles
eram. Relacionavam-se entre si, constituindo “um todo” dos
hábitos e costumes das gentes antigas, aquelas que foram nossos
Avós.
A
quase totalidade dos picoenses tinha cédula marítima para poder ir
ao mar, em qualquer barco de pesca: “chata”, lancha, embarcação
de pesca costeira, ou mesmo do mar alto, pescar o peixe para o
inverno ou, quando profissional, fazer a “soldada” para o
sustento da Família, pois esse seu quinhão, como também era
conhecido, era a “moeda de troca” dos géneros, tecidos, e o mais
necessário com que se mantinha a Família.
O
Homem do Pico tanto exercia a profissão de agricultor de braço,
como à tarde ia às vejas, ao serão aos sargos, ou, na época
própria, ia ao “mar do limpo ”deitar o estremalho para apanhar o
chicharro que recolhia ao amanhecer. Nessa altura, feitas as
divisões, as mulheres levavam-no numa cesta até ao campo (aldeia
vizinha) para trocar por milho, batatas ou outros géneros. Não se
passava fome, muito embora houvesse épocas de algumas dificuldades.
E quem não se lembra da matança de porco e do dia alegre que
era?!...
+
Em
certos anos, era costume os barcos de pesca deslocarem-se para outras
ilhas e fazer ”pescas de fundo”, ou até mesmo nos bancos “Dom
João de Castro” e “Princesa Alice”. Preparavam-se com “bordas
falsas”- aumento do costado – e na companhia das Lanchas
“Lourdes” ou “Hermínia”. E por lá estavam cerca de uma
semana, se a pesca era boa.
Quando
se deslocavam para os mares de S. Jorge, normalmente, iam para o
Norte Pequeno, outros para os Biscoitos da Terceira e outras mais
ilhas, onde o peixe abundava. Esse sistema terminou, creio, com a
pesca da albacora e a instalação de fábricas de conservas.
Quando
a caça à baleia estava no seu auge os baleeiros lajenses eram
contratados como mestres ou trancadores pelos armadores e
aproveitavam as horas de vazio para a apanha de peixe para seu
sustento, da família que o acompanhava, ou para venda...
Hoje
tudo não passa de um sonho…
Lajes
do Pico - Vila Capital da Cultura da Baleia,
Ermelindo
Ávila.
1Puxados,
(expressão popular)
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