segunda-feira, 30 de outubro de 2017

A VILA QUE TEMOS E QUE PODÍAMOS TER...

Respingos

Trago há tempos em pensamento uma referência singular à organização urbanística da vila, que foi capital da Ilha e ainda hoje, é aquela que a possui em melhores condições, apesar de, ao longo dos anos, diversos atropelos e fortes atrocidades do camartelo ter sofrido…não lhe permitindo usufruir de melhores traçados urbanos.
Nem sempre assim se tem entendido. Nem todos os gestores que têm passado pela administração da Autarquia se hão apercebido dessa realidade. E talvez por isso, atropelam ou destroem um património que muitos desejariam possuir. Razão essa que, apesar de todas as vicissitudes, não impede de estar presente, sempre que possível, neste obscuro cantinho.
Muito embora não esteja possuidor das potencialidades físicas que me permitiriam trazer a esta nota o que julgo ser um dever de todos os cidadãos, aqui estou, no entanto, a cumprir um singelo dever.
Bem ou mal, pouco importa.
Quem alguma vez teve a oportunidade, eu diria felicidade de sobrevoar a avoenga vila picoense, ficou com uma impressão admirável do seu aspecto urbanístico e, igualmente, das diversas muralhas que separam a parte urbana do mar circundante.
Posso estar a fantasiar um pouco, pelo muito que quero a esta terra que foi o meu berço natal. Não Importa. A responsabilidade é somente do escriba.
Até meados do século dezanove a vila não possuía muralhas de defesa. Estava sujeita ao mar e às suas tempestades ciclónicas. Na memória de alguns ainda se mantem o ciclone de 1893, com as suas vítimas e desastres materiais.
A vila ficou em desastroso estado e a partir daí as entidades tiveram de fazer algumas obras de defesa. Uma delas, se não erro, foi uma muralha por cima do lajido, que foi iniciada, mas não continuada, porque os marítimos julgaram que era prejudicial à defesa da Vila e provocaria, em ocasião de temporal, o enchente da Lagoa e a impossibilidade do escoamento das águas. As obras foram suspensas e o início do alicerce lá está há mais de cem anos.
Nos primeiros anos do século passado, o Historiador Lacerda Machado apresentou na Câmara Municipal um projecto para a “modernização da Vila”, com a respectiva memória descritiva. O projecto foi aprovado e, depois de exposto alguns anos na sala das sessões, deixou de ser visto.
Em 1936, um violento ciclone derrubou o muro da Lagoa, entre as casas dos botes do Ribeira do Meio, ou “degráus do José da Emília” e a Rua Nova. Os técnicos e dirigentes da Direcção Distrital de Obras Publicas (Engenheiro Angelo Corbal) receberam instruções imediatas e as obras foram iniciadas. Um ano depois estavam concluídas, incluindo o alteamento, regularização do piso e aumento da plataforma exterior, onde agora está o monumento ao Baleeiro, até à zona do antigo Juncal - aplicação alvitrada pelo General Lacerda Machado - espaço que esteve muitos anos a servir de lixeira e “pasto” da ratazana, com graves prejuízos para a saúde publica, até que foi ocupado, com algum custo, pelo campo de jogos. Transferido este para outro local, o campo, transformado em “Jardim da Baleia”, está em conclusão com os anexos: Recepção do Turismo e outros imóveis. Quando ficará concluido (apesar de inaugurado…) e integrado na CAPITAL DA CULTURA DA BALEIA, ao serviço do público?!
Vila das Lajes, Outº. 2017

E.Ávila

quinta-feira, 19 de outubro de 2017

ANTIGOS VIVERES

Respingos

No período bucólico, duma simplicidade bíblica, os primeiros povoadores viveram uma página tocante de Júlio Verne, procurando soluções, improvisando, suprindo tudo quanto o isolamento que lhes negava.
À falta de forno, cozeram na lage o pão rudimentar das suas refeições frugais, e mais tarde o bolo, como já descrevi em outra obra, assavam a carne no borralho, o funcho substituiu a hortaliça que ainda não houvera tempo de cultivar, ou de que faltavam sementes, uso que ainda subsiste, posto que raramente, inventaram molhos gratos ao paladar, para suprir a falta de azeite de oliveira, tardia em frutos, costume que perdura, pois só recentemente se começou a tentar a sua cultura.”(1)
O que é certo, porém, é que durante alguns séculos a alimentação dos povos açorianos foi muito frugal. Utilizavam-se os produtos da terra, quando ela os produzia, pois nem adubos existiam para os fertilizar. Os terrenos eram adubados com os ”adubos” retiradas das pocilgas dos animais, de cinzas e águas extraídas das cisternas, quando muito. Continuava-se a colher das paredes e muros dos quintais os funchos e as salsas, as malaguetas, alhos e açaflor, para uso culinário. Os caldos eram temperados com gordura ou banha de animais domésticos (suínos) e algumas vezes acompanhados de carne de frango, de vaca ou de caça.
O sal começou a ser utilizado depois de extraído das salinas domésticas, Recolhida a água do mar em pocilga que ficava até à evaporação, solidificando-se até poder ser utilizado, em estado sólido (pedra), para a conservação dos géneros e tempero dos alimentos.
Em 1702, a produção da Ilha era de mil moios de trigo e 20.000 pipas de vinho. Já em 1826 compareceu “um grande conjunto de povo, desta jurisdição, do lugar da Ribeirinha, Piedade, Calheta, Ribeiras, Vila e São João (praticamente de todo o concelho) a querer impedir que saísse milho para fora das ditas freguesias.
No Relatório de 23 de Dezembro de 1867 informa o Governador Santa Rita que havia no Pico várias espécies de gado bovino, e que havia imensos teares de panos de lã, algum linho, e algodão. Diversos moinhos de vento e de água, atafonas de boi e numerosas de mão.
Quando do início do povoamento, faltou, porém, um ferreiro. Os chefes de família, que não ultrapassavam 45 em toda a ilha, foram obrigados a contribuir para a vinda de um mestre, mediante o pagamento de uma tença.
Decorridos alguns séculos o citado Governador Santa Rita escreve no seu relatório que, em 1871, havia 2 fornos de cal, moinhos de vento e de água, muitas atafonas de boi, numerosas de mão, teares de pano de lã, algum linho e algodão, chapéus de palha e vários outros utensílios.
Presentemente, não se corta lenha para fogões e lareiras, nem se caçam baleias, toninhas, ou golfinhos para extrair óleo de iluminação, como antigamente, quando o petróleo era caro e as candeias abundavam. Há gás e electricidade para os utensílios domésticos (luz, fogões, lareira, etc).
Tudo se modernizou. A Vida do homem tornou-se mais facilitada. Já não se vêem alparcas de coiro de boi, de pele de porco, ou de bandas de pneus estragados. As roupas dos trabalhadores rurais deixaram de ser de lã de ovelha. Os homens do Pico já não se distinguem dos demais açorianos: nem no falar, no trajar, ou no frequentar os café, os restaurantes ou “casas de pasto”, como diziam os Irmãos Bullar, em “Um Inverno nos Açores e Um Verão no Vale das Furnas“- 1838.
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  1. Lacerda Machado – Historia do Concelho das Lajes,-1936 –pag.78
Lajes do Pico, Out. 2017-10-13

E Ávila